[OBS deste blog: “geração à rasca” é o nome dado às manifestações não vinculadas a partidos políticos ocorridas em Portugal e outros países nos anos 90. Foram as maiores desde a “revolução dos cravos”. O atual movimento de protesto em Portugal, apartidário, laico e pacífico, iniciou-se no “Facebook” e reivindica melhorias nas condições de trabalho, principalmente para jovens qualificados]
Por Mair Pena Neto, no site "Direto da Redação"
“Pobre Portugal. Singrou os mares para construir impérios, e depois de perdê-los retornou à Europa para ser tratado como sócio menor, a quem agora cobram sacrifícios extremos. O pequeno país europeu que quase mudou a história do continente ao declarar o caráter socialista da Revolução dos Cravos, depois perdida, voltou à velha ordem liberal e é posto de joelhos para cumprir as exigências da banca mundial.
Quebrado na crise da dívida européia, desdobramento local da crise econômica global de 2008 [desencadeada a partir dos EUA], Portugal, assim como Grécia e Irlanda, teve que se socorrer com a União Européia e o FMI, que lhes emprestou 78 bilhões de euros com a contrapartida do receituário neoliberal: disciplina fiscal, corte nos gastos públicos e privatização, entre outros mandamentos tão conhecidos do 'Consenso de Washington', que destruíram a economia de vários países e levaram o mundo ao colapso.
Para recuperar a confiança do mercado, a direita recém-eleita ao comando do país promete ir além do que pede a “troika” formada por FMI, Banco Central Europeu e Comissão Européia. O novo primeiro-ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho, já anunciou que vai “alargar” o plano de privatizações. Sua intenção é entregar ao capital privado não apenas os serviços de infraestrutura, como transporte e comunicações, mas também a água, a RTP [Rádio e Televisão de Portugal], a TAP [Transportes Aéreos Portugueses] e o que mais puder para pagar o que deve.
Não tarda muito, o novo líder português estará oferecendo as vinhas e a Torre de Belém, assim como a Grécia faz com suas ilhas e terrenos públicos. A venda de tudo o que é público torna os serviços privados, com o consequente aumento do custo de vida. Isso, simultaneamente à elevação dos impostos e à redução dos gastos sociais. Sacrifica-se tudo, menos o pagamento à banca.
Portugal submete-se de vez ao sistema financeiro global, que assegura a parte dos bancos à custa do bem-estar das populações. O FMI e seus pares europeus não estão preocupados em manter a competitividade de Portugal ou em garantir saúde e educação a seu povo. Extraem o que podem, até a última gota, para receber, com lucros, o que emprestaram. Um filme que já vimos [no Brasil de FHC/PSDB] nos anos 90 e que levou a uma quebradeira em série em todos os cantos do planeta.
A vitória da direita coroa um processo, no qual os socialistas tiveram enorme parcela de culpa. Ao não se diferenciarem da direita, perderam credibilidade e sofreram derrota acachapante. A esperança, agora, pode estar na conscientização política da “geração à rasca”, que tem levado milhares às ruas, convocados por meio das redes sociais. A juventude portuguesa, assim como a espanhola, quer trabalho e direito a uma vida digna. Uma juventude que cresceu tendo de tudo e que agora se vê à beira do nada. Quem sabe do velho Portugal não volte a surgir coisa nova?”
FONTE: escrito por Mair Pena Neto, jornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB, foi editor de política e repórter especial de economia. Artigo publicado no site “Direto da Redação” (http://www.diretodaredacao.com/noticia/portugal-a-rasca) [trechos inicial entre colchetes adicionados por este blog].
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