sábado, 20 de setembro de 2008

BRASIL "NÃO É TÃO DRAMÁTICO"

Li no site Terra Magazine, do jornalista Bob Fernandes, a boa entrevista de Daniel Milazzo com o economista Aloísio Araújo, professor titular da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.

Bob Fernandes, por sua vez, é ótimo jornalista. Por muitos anos, trabalhou na boa revista Carta Capital. Não sei se há outra boa no Brasil. Hoje, Bob Fernandes comanda o site Terra Magazine (www.terramagazine.com.br), do qual volta e meia transcrevo ótimos textos.

“Foi grande a volatilidade dos mercados globais nos últimos dias. Após quedas expressivas no início da semana, as bolsas mundiais ensaiaram uma recuperação, fechando os pregões em alta na quinta-feira e mantendo o bom desempenho nesta sexta.

Para se ter uma idéia, na segunda-feira a Bovespa fechou em queda de 7,59%; na quarta-feira, outra forte baixa, de 6,74%; porém, na quinta-feira, a Bolsa de Valores de São Paulo encerrou o pregão com forte alta, de 5,48% e nesta sexta-feira chegou a operar em alta próxima aos 10%. O comportamento financeiro positivo é impulsionado pelo anúncio de ajuda dos bancos centrais de Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, União Européia, Suíça e Japão ao mercado global.

Contudo, a gravidade da crise que se desenvolve é grande. Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, o banco central norte-americano, aponta esta como a pior crise desde 1929 (ano em que a Bolsa de Nova Iorque quebrou); outros sustentam que este é o pior quadro vivido no pós-guerra. Segundo o economista Aloísio Araújo, professor titular da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, para o Brasil o horizonte, embora preocupante, não é tão negro assim.

O economista reforça o bom desempenho da economia nacional e pondera que, mesmo se tratando de uma crise global à qual o governo brasileiro deve estar muito atento, o caso do Brasil "não é tão dramático".

- Estamos com um nível de reserva muito grande, o dólar está voltando a um nível mais razoável do ponto de vista das exportações. Não significa que o Brasil não vá sofrer, pois a economia está muito entrelaçada, mas o País está bem.

Num contexto mais amplo, o professor da FGV salienta que as economias emergentes suportarão bem este período turbulento. Da mesma forma, os países desenvolvidos possuem hoje ferramentas mais eficazes para tentar impedir que se espalhem os prejuízos desta crise.

- Essa crise não é pior que a de 29. A grande diferença é que os economistas hoje já entendem mais a gravidade do que pode levar a uma crise bancária. Eles sabem avaliar quais medidas podem ser tomadas. Embora a crise tenha um potencial muito devastador, nunca vai chegar a nada semelhante à crise de 29 em termos da economia real - prevê.

Araújo acredita que uma das conseqüências imediatas da crise será uma mudança de perfil do sistema financeiro, o qual assumirá um perfil mais contido, e um crescimento menor dos países desenvolvidos no futuro próximo. Por outro lado, uma das lições já aprendidas, destaca o professor da FGV, diz respeito à regulação do setor financeiro, que não pode mais ser tão branda como foi nos últimos anos. Fora isso, Araújo crê que pouca coisa deve mudar na economia real:

- O capitalismo vai continuar mais ou menos parecido. O grosso da economia, que é a parte real, não vai sentir grandes modificações. As indústrias, as empresas, o setor de informática, de serviços, vão continuar do mesmo jeito. A única coisa é que o setor financeiro vai ser mais regulado do que é atualmente.

A seguir, a íntegra da entrevista com o economista Aloísio Araújo, professor titular da FGV-RJ:

TERRA MAGAZINE - QUANTO TEMPO ESSA CRISE AINDA PODE DURAR?

ALOÍSIO ARAÚJO - Ainda é muito difícil dizer quanto tempo vai durar. Uma preocupação que eu tenho é que, como teremos as eleições americanas em um mês e meio, você sempre fica mais preso para dar uma solução mais definitiva. O governo não quer mexer no dinheiro do contribuinte sem que seja absolutamente necessário. Se forem intervenções generosas de mais, há o risco de que no futuro os banqueiros assumam posições de risco elevadas.

Até aqui o Fed (banco central dos EUA) e o Tesouro Americano agiram corretamente?
Acho que eles estão fazendo bem, estão fazendo o possível para tentar sanear o mercado financeiro. Estão agindo com certa cautela porque querem evitar o usar em demasiado do dinheiro do contribuinte e não gerar novos problemas futuros, porque os banqueiros podem achar que de qualquer forma serão salvos. É o chamado "azar moral", quando eles (os banqueiros) vêem incentivos para correr excessivos riscos no futuro.

ESTA É UMA CRISE SEM PRECEDENTES?

Essa crise não é pior que a de 29. A grande diferença é que os economistas hoje já entendem mais a gravidade do que pode levar a uma crise bancária. Eles sabem avaliar quais medidas podem ser tomadas. Embora a crise tenha um potencial muito devastador, nunca vai chegar a nada semelhante à crise de 29 em termos da economia real, justamente porque os economistas aprenderam a lidar com a crise. A teoria econômica avança. O próprio presidente do Fed (Bem Bernanke) é um especialista em crises, então ele sabe o perigo que é se uma crise bancária contaminar o setor real. As medidas continuarão sendo tomadas para evitar isso, apenas ele quer ter parcimônia com o dinheiro do contribuinte e também não quer dar incentivos para que novas situações assim não ocorram no futuro. Mas a chance de ser uma crise como a de 29 está afastada.

POR SE TRATAR DE UMA CRISE NO CORAÇÃO DO CAPITALISMO - DIFERENTE, POR EXEMPLO, DAQUELAS OCORRIDAS AO LONGO DOS ANOS 90 NO MÉXICO, TAILÂNDIA E RÚSSIA - O SALDO DESSA TURBULÊNCIA SERÁ UMA NOVA FORMA DE CAPITALISMO?

O capitalismo vai continuar mais ou menos parecido. O grosso da economia, que é a parte real, não vai sentir grandes modificações. As indústrias, as empresas, o setor de informática, de serviços, vão continuar do mesmo jeito. A única coisa é que o setor financeiro vai ser mais regulado do que é atualmente. O que a gente aprendeu com isso é que o setor financeiro não pode ter uma regulação tão branda como teve. Essa que é a grande mudança. A cara do sistema financeiro será diferente, será um sistema financeiro mais contido.

ISSO TERÁ REPERCUSSÃO NO CAMPO SOCIAL?

Acho que no campo de emprego sim. Vão ter menos pessoas trabalhando em bancos de investimentos, neste setor financeiro mais especulativo. O setor financeiro como um todo é imprescindível para o próprio funcionamento de uma economia moderna. Mas o setor mais especulativo vai diminuir muito e os empregos serão reduzidos nesse setor. Mas o impacto não será tão grande assim em relação à economia como um todo.

PARA O CIDADÃO COMUM, O TRABALHADOR QUE FAZ SUAS COMPRAS TODO MÊS NOS SUPERMERCADOS, CONSOME ALGUMA COISA AQUI E ALI, VAI HAVER GRANDES MUDANÇAS NO CURTO E MÉDIO PRAZO?

Acho que não, tudo vai ser mais ou menos parecido. A economia já estava numa fase de recessão e crescimento mais baixo (nos EUA, e na Europa). Talvez isso se acentue um pouco mais. Só que poucas vezes se teve um período de expansão econômica tão forte e tão abrangente como esse. É natural vir uma fase de expansão um pouco mais lenta. Talvez isso seja mais agravado pela crise financeira, mas também não há temor de uma grande recessão.

ENTÃO, ESSE ALARDE TODO É UM POUCO DESNECESSÁRIO?

Não, pois acho que é grave. Se não tomarem as medidas sérias, coisas muito graves poderiam acontecer, como a crise financeira afetar a economia real e todo mundo entrar em pânico. Três coisas decorrem da crise: em primeiro lugar, parte do setor financeiro acaba; segundo, vai haver um crescimento bem mais lento nos próximos anos nos países mais ricos; terceiro, as pessoas podem ficar com mais medo, mais isso não deve ocorrer. As pessoas estavam acostumadas com um progresso econômico muito intenso. Na média, a economia mundial, como um todo, estava crescendo mais de 5% nos últimos anos; daqui pra frente, esse crescimento será muito mais lento. Os países desenvolvidos, que estavam crescendo a 2%, 3% - o que é muito para país rico - eles vão crescer muito menos. Os valores patrimoniais de muitos investidores foram perdidos, nem tudo vai voltar tão rápido, são mudanças muito grandes.

QUAIS REMÉDIOS AINDA PODEM SER TOMADOS A FIM DE SE ABRANDAR OS EFEITOS DESTA CRISE?

As medidas estão sendo tomadas. Umas instituições foram fechadas, outras foram sendo absorvidas. Os bancos centrais estimulam isso. Por outro lado, eles injetam dinheiro no mercado procurando aumentar a liquidez. Os bancos centrais querem que as instituições problemáticas desapareçam. Nem todo esse processo terminou. As medidas futuras serão semelhantes a essas que a gente tem visto. Mas a grande medida é a posterior: qual vai ser o novo marco regulatório.

QUÃO VULNERÁVEL ESTÁ A ECONOMIA BRASILEIRA?

As autoridades, o Tesouro, o ministério da Fazenda, têm que ficar atentos porque uma queda de liquidez aqui pode acarretar num fluxo menor de capitais para o País, ou seja, menos investimentos estrangeiros. As próprias matrizes estão precisando ficar mais capitalizadas, então elas provavelmente vão investir menos. As empresas aqui têm um mercado financeiro doméstico muito rico, mas vão ter que trabalhar mais. O governo brasileiro achava que a economia estava aquecida demais e provavelmente teremos um crescimento econômico menor. Mas isso até que não é tão ruim, porque o Brasil estava perto do limite de aumentar a produção (o que, combinado a uma demanda em ascensão, gera inflação). Nosso caso não é tão dramático assim.

COM ESSA POSSÍVEL REDUÇÃO DA DEMANDA, COMO AS EMPRESAS NACIONAIS VÃO REAGIR?

Acho que elas vão reagir bem, porque eu acredito que o Brasil tem tudo para crescer mais, tem tido um desempenho econômico bom. Nossa economia cresceu 6,1% no primeiro trimestre de 2008, no segundo semestre o desempenho já será menor e no ano que vem teremos bem menos que isso. Estão falando algo entre 3% e 4%. Não vejo muitos problemas por enquanto. Estamos com um nível de reserva muito grande, o dólar está voltando a um nível mais razoável do ponto de vista das exportações. Não significa que o Brasil não vá sofrer, pois a economia está muito entrelaçada, mas o País está bem.

COMO OS EMERGENTES VÃO SE COMPORTAR?

Os emergentes vão crescer menos, mas continuarão a crescer mais do que os desenvolvidos. A China, por exemplo, vai crescer menos, mas ainda manterá um bom crescimento”.

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