segunda-feira, 8 de setembro de 2008

O PROLONGAMENTO DA VIDA

O jornal espanhol El Pais, em reportagem de Mónica Salomone e tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves para o UOL, abordou um tema que preocupa a todos, há milhares de anos:

CONTENDO A VELHICE: CIENTISTAS CRÊEM QUE A DETERIORAÇÃO FÍSICA NÃO É UMA EXIGÊNCIA DA EVOLUÇÃO

“Ninguém diria hoje que ser velho equivale a estar doente, apesar de nenhum remédio poder evitar os cabelos brancos e as rugas, nem a perda de agilidade e de vigor. Mas a agência de medicamentos dos EUA, a FDA, já testa em animais substâncias que podem retardar o envelhecimento.

Não que a pílula da eterna juventude esteja chegando, mas o interesse das companhias farmacêuticas em encontrar uma cura para a deterioração física é cada vez maior. A razão é que os cientistas perceberam que envelhecer não é um imperativo da evolução, mas um processo alterável. Seria possível retardá-lo muito? Inclusive evitá-lo? São perguntas que até há pouco tempo ficavam no plano da fantasia, mas hoje geram pesquisas de primeira linha.

As descobertas dos últimos anos fizeram que até os cientistas mais ortodoxos, os mesmos que vêem na proliferação das terapias antivelhice apenas um produto de marketing, se perguntem como podem prolongar a vida humana.

Mas será preciso ter paciência. Nenhuma das substâncias em teste se mostrou eficaz até agora, segundo explica um recente artigo da revista "Nature". Mas sabe-se, por exemplo, que nos levedos, na mosca da fruta e na lagarta Caenorhabditis elegans um composto chamado resveratrol, presente na casca das uvas, no vinho tinto e nas nozes, afeta a atividade de um gene envolvido na longevidade. Também há suspeitas de que um antibiótico antifúngico e um fármaco empregado em diabetes poderiam interferir na ação de genes semelhantes, assim como um antitumoral em teste.

Por trás desse novo filão farmacêutico há uma mudança de paradigma científico: que o envelhecimento biológico não é uma conseqüência inevitável da passagem do tempo. Por exemplo, não havia muitos velhos há 50 mil anos, apesar de os genes dos primeiros Homo sapiens terem sido iguais aos nossos.

Isso - e muitas outras evidências - conduziu os pesquisadores a uma idéia chave: não é obrigatório envelhecer, do ponto de vista evolutivo. O envelhecimento não é como a mudança da dentição, que claramente traz vantagens, ou a puberdade, que prepara o organismo para se reproduzir. Para a evolução dá na mesma que nos apareçam cabelos brancos e rugas. Daí se deduz que o envelhecimento não é imutável.

A expectativa de vida no mundo desenvolvido aumentou cerca de 7 anos nas últimas três décadas, e o último relatório Eurostat, publicado há poucos dias, diz que os maiores de 65 anos constituem hoje 17,1% dos europeus, e serão 30% em 2060. Também haverá mais octogenários: dos 4,4% atuais para 12,1%. Os demógrafos são os mais surpresos. "A mortalidade dos idosos não pára, mas diminui. Isso era totalmente inesperado", diz Julio Pérez Díaz, demógrafo do Centro de Ciências Humanas e Sociais do Conselho Superior de Pesquisas Científicas (CSIC na sigla em espanhol).

No entanto, talvez a maior mudança ainda esteja por vir. Segundo a "Nature", "a questão não é se a duração média da vida humana aumentará modestamente nas próximas décadas. Isso acontecerá quase com certeza. A questão é principalmente se é factível adiar o envelhecimento humano e a morte natural por muitas décadas, inclusive de forma indefinida".

Décadas de vida a mais? Imortalidade? Parece ambicioso, mas os autores deixam claro que sua análise não tem nada a ver com as terapias antienvelhecimento atualmente em voga. Eles partem de uma pergunta muito básica: por que a partir de certa idade o organismo começa a funcionar de modo menos perfeito? A resposta está na evolução.

María Blasco, do Centro Nacional de Pesquisas Oncológicas (CNIO na sigla em espanhol), cujo trabalho com uma molécula chamada telomerasa abriu toda uma nova linha de pesquisa nessa área, salienta: "O envelhecimento não é um programa genético selecionado e conservado pela evolução; seria mais um colapso do organismo". O envelhecimento ocorreria por defeito, por assim dizer, e não porque confira uma vantagem ao indivíduo.

"Há vários argumentos. Um é que o envelhecimento é muito raro na natureza. Outro é que, no caso de envelhecer, isso acontece depois que o indivíduo se reproduziu e criou sua descendência, e, portanto o que lhe acontecer a partir desse momento não terá transcendência (em termos genéticos, não será transmitido a nenhum descendente). "Para a evolução, os velhos não importam", prossegue Blasco.

Os paleoantropólogos poderiam comentar que talvez a longevidade traga vantagens evolutivas não para quem as desfruta, mas a seus descendentes, como sabe qualquer família com avós que cuidam das crianças. Mas essa é outra história.

O que acontece com um corpo que envelhece? Quais são os mecanismos biológicos que contribuem para seu colapso? Vale a pena descobrir isso, principalmente se quiser combater esses mecanismos. Além disso, há aqui um elemento interessante: a relação do envelhecimento com a doença. Ganha força a idéia de que as doenças mais freqüentes na idade avançada, como o câncer ou o Alzheimer, são faces diferentes de um mesmo problema: o envelhecimento. Isso implica que convém elucidar a biologia do envelhecimento para atacar conjuntamente doenças que hoje são pesquisadas em separado.

"As mudanças biológicas que nos predispõem a doenças fatais e incapacitadoras são causadas pelo processo de envelhecimento. Por isso devemos transformar em prioritárias as intervenções para retardar esses processos", afirmou em 2005 Jay Olshansky, biogerontólogo da Universidade de Chicago, em um célebre artigo publicado em "The Scientist".

Nessa mesma linha, Jesús Ávila, do Centro de Biologia Molecular do CSIC, comenta: "O envelhecimento é um risco para muitas doenças: sabemos que há processos comuns e que o que muda é o tipo de célula". A cientista Blasco também aposta no ataque conjunto: "A chave é prolongar a vida de nossos órgãos e tecidos, e para isso é preciso entender os mecanismos moleculares da deterioração".

Não há respostas unânimes de quais são esses mecanismos. Mas há hipóteses.

Aceita-se em geral que o organismo vai acumulando danos, por exemplo, no material genético das células, na medida em que passa o tempo. São danos devidos a processos como a liberação dos famosos radicais livres, inevitável subproduto de nossa respiração. E uma idéia recente é que os mais importantes desses danos são os que afetam as células-tronco. Ávila explica: "Estamos trocando tudo, inclusive parte do sistema nervoso central, graças às células-tronco adultas do nosso organismo. Alguns acreditam que com os anos as células-tronco se esgotam. Mas por quê?"

E agora a grande pergunta: quais são as possibilidades reais de conter ou mesmo reverter o envelhecimento? Os autores do artigo de "Nature" lembram que hoje se conhecem centenas de mutações genéticas capazes de prolongar a vida - às vezes em até 40% - em lagartas, levedos, moscas da fruta e ratos.

São genes envolvidos no crescimento, no metabolismo, na nutrição e na reprodução. Muitos têm efeitos bioquímicos semelhantes aos que são provocados por um comportamento que, segundo já sabe há um século, prolonga a vida dos ratos no laboratório: a restrição calórica. Isto é, comer muito pouco, mas sem cair na desnutrição.

A restrição calórica é de fato a única coisa que, fora as manipulações genéticas, se mostrou eficaz em ratos - não em humanos - para prolongar a vida.

Seria possível conseguir resultados igualmente interessantes com pessoas?

Ninguém sabe. E a manipulação genética? Os autores do citado artigo advertem que o aumento da longevidade devido a mutações é menor na medida em que aumenta a complexidade dos organismos. Talvez nos seres mais complexos os circuitos genéticos envolvidos no prolongamento da vida sejam regulados por outros circuitos ainda desconhecidos.

Mas a mensagem geral não é pessimista. A pesquisadora Blasco, com seu grupo, está tentando obter um prolongamento importante da vida em ratos, combinando vários genes. Que não seja só um gene em ratos "quer dizer que para afetar a longevidade significativamente em humanos certamente será preciso combinar diversos fármacos".

Talvez não seja necessário atuar sobre os genes. Outra estratégia possível é fazer artificialmente o trabalho de regeneração que as células-tronco antigas já não podem desempenhar. Como ir ao mecânico trocar uma peça, só que celular. Para tornar realidade algo assim seria preciso primeiro obter células pluripotentes - capazes de se diferenciar em qualquer tipo de célula - possivelmente a partir de embriões criados com células adultas de cada indivíduo. E seria preciso resolver também o problema do cérebro: os neurônios que armazenam as recordações, as experiências vitais, não se regeneram. Quem gostaria de ter um cérebro jovem, mas em branco?

Assim, os cientistas da "Nature" respondem com um "ainda não sabemos" à pergunta de se o homem poderá um dia ser imortal, mas mostram-se otimistas em relação à possibilidade de ampliar nossa existência e também conseguir que seja melhor. "Há duas décadas o prolongamento da vida era uma fantasia, enquanto hoje se buscam substâncias exatamente para isso. Não há razão científica para não se empenhar na cura do envelhecimento, de maneira semelhante ao que fazemos com o câncer e outras doenças", concluem.

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