Por Rodolpho Motta Lima
“Países autointitulados democráticos estão mostrando a toda hora o
relativismo desse conceito. Uma ação é tida como democrática quando consulta
determinados interesses, mas uma outra atitude igual ou semelhante é tachada de
antidemocrática se os contraria...
No reduto ocidental, que nos interessa diretamente, Estados Unidos
e Inglaterra – esse braço americano na Europa – tentam impor a concepção de
que, em nome dos princípios democráticos, é preciso haver uma “polícia
mundial”, atuando, é claro, sob o comando deles, que “coloque em ordem”
o planeta, segundo um conceito que quase sempre esconde interesses
discutíveis.
Em declaração recente, James Cameron , primeiro-ministro inglês, acusou a
Argentina de colonialista em relação às ilhas Malvinas. Mas logo a Inglaterra é
que vem falar disso, com sua vasta e não muito digna história nesse
campo? Logo a Inglaterra, que, há não muito tempo, utilizando-se de
falsa alegação de armas de destruição em massa e escondendo os verdadeiros
objetivos petrolíferos da operação militar, ajudou os americanos a
invadirem o Iraque? Claro – dirão alguns -, o Iraque era uma ditadura.
Mas e as outras, da mesma região, aliadas do Ocidente, cujo petróleo já
está “sob controle”? É o tal princípio relativista de democracia , que se
apregoa quando serve e se esconde quando não interessa.
O caso Assange, brilhante e exaustivamente tratado no Direto da Redação",
caracteriza situação que envolve um atentado à soberania nacional –
insinuam-se ações contra a embaixada equatoriana - , e de profunda desfaçatez
política – o estupro sueco como desculpa para a extradição do jornalista
fundador do “Wikileaks”. Por que “desculpa”? Pela própria admissão da Suécia
de que poderá enviar Assange para os EUA se lá não houver
risco de pena de morte (o estupro não seria então a razão e prisão perpétua pode...)
. E qual é a postura dos órgãos midiáticos aqui do Brasil diante dessa
perspectiva? Limitam-se a informar os fatos, sem qualquer análise , isso quando
não deixam escapar simpatias pela extradição.
Em momentos como esse, percebe-se que, quando não interessa, não existe a
tal visão crítica, ou, se existe, surge apoiada em pretensos “especialistas”
colhidos a dedo.
Faço aqui uma comparação, só para provocar uma reflexão, com o que
vi na Globo a propósito da declaração do candidato a prefeito do Rio de
Janeiro, Freixo, para quem, se eleito, o município carioca só
subvencionaria o Carnaval para as escolas de samba que, nos desfiles,
apresentassem bons projetos culturais, já que, na sua concepção, o
dinheiro público não pode servir, por exemplo, à promoção da revista “Caras” e
coisas do gênero. Tanto bastou para que a turma global denunciasse um
comportamento de censura (o que não é o caso, porque o que ele diz é que
dinheiro público deve ser aplicado em interesse público).
E é a mesma turma que se cala diante do caso-Assange que, com o
Wikileaks, colocou a nu ações governamentais nem sempre dignas ou
democráticas... São os mesmos, aliás, que não perdem uma oportunidade de
defender o bloqueio a Cuba em função da "ausência de liberdade na ilha cubana",
mas calam-se quase totalmente quando se trata de referir-se à prisão de
Guantânamo, essa excrescência que mantém muitos seres humanos
encarcerados sem acusação formal ou julgamento, em uma das maiores
manifestações de desapego aos direitos humanos nos dias que correm.
Mudo agora de exemplo, mas não de assunto. Ai do cidadão que não consegue
ter discernimento (às vezes, recursos) para se informar corretamente através de
fontes isentas que lhe permitam distinguir o joio do trigo !
Recentemente, a grande imprensa publicou resultado de um levantamento
efetuado na América Latina a respeito dos índices de desigualdade social nos
países que a compõem. Colocou-se em destaque negativo o Brasil, posicionado
em quarto lugar entre os países de maior desnível, só
perdendo para Guatemala, Honduras e Colômbia. Também se informou, porque os
estudos diziam isso, que essa posição revelava uma melhoria conquistada nos
últimos anos, porque anteriormente o país liderava esse “ranking” perverso. É claro,
porém, que a ênfase ficou para o negativo.
A linguagem da mídia usa frequentemente o recurso do “mas” para enfatizar
o que pretende. Ensino aos meus alunos que o “mas” não é apenas uma partícula
adversativa no discurso, mas (como estou fazendo agora) tenta construir a
verdade que se pretende, desqualificando o anteriormente dito. Se alguém
diz que “ela não é rica, mas é inteligente”, está valorizando a inteligência, o
que não fará com a mesma ênfase quem disser que “ela é inteligente, mas não é
rica”, que soa como uma lamentação. Preste atenção na linguagem da
mídia “tucano-urubulina” quando se trata de informar virtudes do governo: há
sempre um “mas”, geralmente acompanhado de “especialistas“, para desconstruir o
impacto positivo da própria notícia...
Ainda nesse levantamento , a Venezuela aparece como o país de menor
desigualdade social e Cuba não foi relacionada (não deve fazer parte da
América Latina...). Nenhum destaque para esse fato. Aí, ficamos sem saber
o que pensar, ou melhor, o que pensam esses “deformadores de opinião”: se o
indicador de desigualdade é – como eu penso que seja - um dado
democrático importantíssimo , então a Venezuela está de parabéns (e ninguém
ousou dizer isso nas reportagens). Mas se essa turma não acha isso relevante,
porque destacar negativamente o Brasil ? Respondam os que, ingenuamente, não
acreditam em manipulações e na necessidade de se regular essa liberdade de
desinformar...”
FONTE: escrito por Rodolpho Motta Lima no
site “Direto da Redação”. O autor é advogado formado
pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa
do Rio de Janeiro, formado pela UERJ, com atividade em diversas instituições do
Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente
no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil. (http://www.diretodaredacao.com/noticia/a-democracia-relativa).
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