“A crise internacional do
capitalismo – que não é nem simplesmente
bancária, nem apenas ressaca da ‘bolha
imobiliária’ provocada pela farra dos bancos sem coleira — se agrava e, na
medida em que se aprofunda, alastra-se mundo a fora.
Por Roberto Amaral, na revista “Carta Capital”
São graves os riscos de contaminação da economia brasileira, já atingida pela
desaceleração de seu crescimento, estagnado entre 2% e 3% do Produto Interno
Bruto (PIB), não obstante os esforços do governo. O fato é que começamos o ano
trabalhando com estimativa de crescimento do PIB, para 2012, em torno de 4%,
significativa apenas do ponto de vista relativo, isto é, em face da tragédia
dos outros; essa expectativa, hoje, porém, desvanece-se em míseros 1,8%. Na contramão,
as projeções relativas ao “Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo” apontam sua subida, pela quinta vez
consecutiva.
Diz o tal mercado ouvido pelo “Boletim
Focus” (leia-se Banco Central) que o IPCA deve ficar em torno de 5,3%, e o
crescimento do PIB em torno de 1,5%. Logo-logo os ‘economistas’ midiáticos
defenderão a interrupção da queda dos juros, a contenção do consumo e outras
bobagens que aprenderam na leitura das ‘orelhas’ dos livros dos Chicago-boys.
A safra recorde prevista pelo IBGE,
de mãos dadas com a queda da produção de grãos nos EUA, promete bom
comportamento da balança comercial, mas prossegue a queda da produção
industrial. As grandes causas da ‘desindustrialização’ – o câmbio sobrevalorizado que favorecia as importações e dificultava
nossas exportações, e os juros estratosféricos, que desestimulavam os
investimentos privados –, foram atacadas pelo governo, que, igualmente,
cuidou de, com crédito facilitado, aumentar o consumo interno, beneficiando,
principalmente, os setores automobilístico, da construção civil e da chamada
‘linha branca’, aqueles de maior efeito econômico multiplicador.
É pouco, entretanto, para escapar dos reflexos da crise que aponta para a
retração da economia internacional.
Os Estados Unidos bordejam a recessão, e insistem em prosseguir acumulando
déficits em decorrência da volúpia guerreira. A China, a grande locomotiva,
transita de um crescimento acelerado (10%
ao ano durante décadas) para um modelo de ‘ajuste da estrutura econômica’ que se traduz em previsão de
crescimento de 7,5% e prioridade para o mercado interno. A economia global
desacelera, desacelera de forma aguda a economia da União Europeia e, dentro
dela, a combalida zona do agonizante euro.
A velha Europa, autofágica, dominada ideologicamente pelo veneno do
neoliberalismo fracassado, em gritante conflito com a realidade objetiva, corta
orçamentos e salários, adota a política de juros altos, desinvestimento e
aumento da dívida. A única preocupação de seus dirigentes, súditos da
imperatriz Merkel, é salvar os bancos para os quais carreiam os recursos que
tomam dos trabalhadores e da classe média. Eis a mais perfeita receita jamais
formulada (talvez mesmo exceda o
catecismo friedmaniano) para a estagnação a caminho da depressão e do
desespero social, que já está nas ruas da Grécia, da Espanha, de Portugal e
agora da França (refiro-me aos conflitos
de Amiens, ao norte de Paris). A História registrará mais esse crime do
neoliberalismo contra a Humanidade.
Tratada com o receituário neoliberal, a Grécia conhece o nono trimestre de
retração: o PIB, agora, caiu 6,2%. A
economia deve encolher 7% neste 2012, o que ocorrerá pelo quinto ano
consecutivo. A dívida pública da Itália, sob a batuta do tecnocrata indicado
pela banca internacional, atingiu novo recorde de alta, em junho, quando chegou
a 1,973 trilhão de euros. O déficit em conta corrente da França, em junho, foi
4,9 bilhões de euros, e o Banco Central francês (informação do “Financial Times”) adverte que a recessão está de
volta. O PIB do último trimestre simplesmente congelou em 0,0%.
Na zona do euro (17 países, por enquanto…),
a queda do PIB foi de 2%, e só não foi maior porque a Alemanha, o (último)
motor do bloco cresceu 0,3%. Mas a previsão dos economistas é de retração no
próximo semestre.
A alternativa para nossos países é persistir na política de investimento no
mercado interno. Isso também vale para a China, e vale principalmente para as
nossas relações econômicas com ela, como observou Li Yucheng, vice-ministro de
Relações Exteriores da locomotiva asiática (“Valor”, de 14/8/2012), abrindo a
perspectiva para que seu maior sócio comercial na América Latina deixe de ser
quase exclusivamente exportador de “commodities”, desde que nossas empresas ‘melhorem sua competitividade’, o que,
obviamente, como está demonstrado pelos fatos, não depende tão-só do governo.
Depende de mais tecnologia e de inovação e maior produtividade da parte do
empresariado privado. Da parte do governo, depende da desburocratização e do
conserto da logística de transportes.
O que se coloca, como desafio, é manter a elasticidade do mercado interno, não
apenas com a ampliação do crédito e a redução do custo do dinheiro, mas com
audaciosa política de distribuição de riqueza. Mas aí, o óbice é um truísmo: para distribuir renda é preciso, antes,
haver renda e para haver renda é preciso haver desenvolvimento, e para haver
desenvolvimento é preciso haver investimento, investimento privado, hoje algo
como 25% de sua renda líquida, e investimento público. Este, porém, ronda,
hoje, os 2% do PIB, quando já girou, quando crescíamos a 7,5% ao ano, entre 4%
a 5%.
Diante desse quadro sombrio, é mais do que oportuna a decisão do governo de
lançar audacioso programa de concessões de rodovias e ferrovias, destinado a
desobstruir nossos principais gargalos logísticos. Os neoliberais apressam-se a
caracterizar uma mudança de rumo no sentido das ideias que apregoam, de
desmonte do Estado. Nada mais falso. O que se está a buscar é a participação da
iniciativa privada em investimentos na área de serviços públicos, em
circunstâncias favorecidas pela queda da taxa de juros e pelo aumento da renda
nacional, o que torna atrativo ao empresariado investir em concessões de
serviços de utilidade pública, remuneradas que são pelo custo, o que lhes possibilitará
auferir renda assegurada na casa dos 10% ao ano.
Na época do desmonte do Estado, somente foram leiloadas concessões de serviços
existentes, construídos com o sacrifício da poupança de gerações de
brasileiros, desde o primeiro governo Getulio. E o resultado do que se
caracterizou como ‘privataria’ não socorreu nossa sede de investimentos, mas
foi carregado para o caixa do Tesouro e pagar dívida. Foi assim que perdemos,
em boa parte para o capital estrangeiro, boa parte da nossa capacidade instalada
de geração de energia elétrica (com os
graves custos que estamos pagando hoje), a área de telecomunicações, as
ferrovias, a Vale do Rio Doce, e foi assim que quase perdemos a Petrobras,
salva pela resistência articulada de Itamar Franco e Olívio Dutra. Agora,
concede-se o que está por fazer. Caberá ao Estado, é certo, ser rigoroso na
fiscalização das concessões, para que os serviços sejam efetivamente
remunerados pelo custo, os prazos sejam cumpridos e a qualidade assegurada.
O saudoso Ignácio Rangel, patrono dos economistas patriotas, vê finalmente sua
tese ser consagrada. Que bom para o Brasil.”
FONTE: escrito por Roberto Amaral, na revista “Carta
Capital” e transcrito no “Blog do Miro” e no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=191795&id_secao=1).
OBS: a página seguinte contém postagem também efetuada hoje (clicar em "postagens mais antigas").
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