“Ao contrário do que alguns temiam e
outros desejavam, as eleições municipais estão entrando no último mês de
campanha sem que sejam discerníveis efeitos do julgamento do “mensalão” em seu
andamento.
O que já se esperava.
Em nossa história moderna, nenhuma
eleição local foi significativamente afetada por acontecimentos nacionais,
mesmo quando foram relevantes. Veja-se o que ocorreu em 1992, quando o
eleitorado foi às urnas dias após o impeachment de Fernando Collor.
Aquele, que foi o mais traumático
evento de nossa evolução política recente e o que mais mobilizou os sentimentos
da população, em nada modificou os resultados esperados da eleição. Ganhou quem
tinha que ganhar, perdeu quem estava fadado a ser derrotado.
No máximo, a turbulência engrossou o
contingente dos deputados dispostos a condenar o ex-presidente na votação na
Câmara, pois os que disputavam mandatos não quiseram aparecer na televisão o
absolvendo, na contra-mão dos sentimentos populares. O que teve, no entanto,
pequeno impacto no resultado.
A única eleição que foge à regra
ajuda a entendê-la. Foi em 1985, quando, uma semana antes da eleição, morreram
três pessoas em Volta Redonda pela ação de tropas do Exército, que dispersaram
a bala uma manifestação dos operários da Companhia Siderúrgica Nacional.
Nos dias seguintes ao tiroteio,
todas as pesquisas mostraram o rápido crescimento dos candidatos de esquerda.
Era uma eleição especial - restrita às capitais e outras cidades que os
militares consideravam de “segurança nacional” -, mas o sentimento se espalhou
por todo o país.
Há quem explique a derrota de
Fernando Henrique para Jânio Quadros, em São Paulo, pela performance inesperada
de Eduardo Suplicy, assim como a arrancada do PT em Belo Horizonte, com
Virgílio Guimarães, em função desse fator.
O certo é que o PT ganhou sua
primeira eleição municipal em uma capital, elegendo a prefeita de Fortaleza,
Maria Luíza Fontenelle, e contrariando todas as expectativas.
E hoje?
Se os eleitores foram votar em 1992
três dias depois do impeachment e já o tinham superado, se o sistema político
amadureceu 27 anos depois de 1985, por que imaginar que o “julgamento do
mensalão” viraria as eleições deste ano de ponta cabeça?
Nem às custas do enorme espaço que
recebe na cobertura dos veículos ligados aos grandes grupos da indústria de
comunicação. Apesar de seu esforço, a vasta maioria da opinião pública
permanece distante e desatenta ao que se passa em Brasília.
Para ela, o “mensalão” é apenas mais
um episódio, entre centenas, dos casos de irregularidades, corrupção, confusões
e complicações que caracterizam o cotidiano da política brasileira. Nem mais
grave, nem maior que outros.
No que tem razão.
Considerando as cidades para as
quais dispomos de dados, não parece haver sequer uma em que o “mensalão” esteja
sendo discutido pelo eleitorado como algo relevante na decisão a respeito do
melhor candidato a prefeito. O julgamento não entrou na agenda da eleição -
pelo menos, por enquanto.
Nada mais natural que os candidatos
do PT não queriam discuti-lo, mas por que os candidatos da oposição não tocam
no assunto na propaganda eleitoral? Talvez por saber que pouco interessa ao
eleitor, que espera vê-los discutindo as cidades e apresentando propostas.
Neste final de agosto, poucas
mudanças significativas ocorreram nas intenções de voto nas grandes cidades.
Quase nada mudou em relação a julho.
Curiosamente, a única se deu no
sentido inverso ao que se imaginava.
Até agora, é tucana a maior vítima
destes tempos dominados pela obsessão da mídia com o julgamento. Em São Paulo,
José Serra enfrenta o mais sofrido inferno astral de sua carreira.
Mas não é por causa do 'mensalão'."
FONTE: escrito por Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto
Vox Populi. Artigo publicado no jornal “O Globo” e no blog do Noblat (http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_post=462645&ch=n).
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