Por MK Bhadrakumar, no “Indian
Punchline”
“Deus nos livre de mordida de cobra, garra de
tigre e vingança de afegão” (provérbio afegão)*
“Os incidentes “verde [atira] em azul” [1] no Afeganistão serão chamados
de “ataques internos” pelos
comandantes do Pentágono. É firme decisão de chamar pedra de pedra. Fato é que
os afegãos estão cobrando sangue americano nas circunstâncias mais inesperadas,
e os soldados dos EUA não têm meios para sabem quem é “afegão do bem” e quem não é.
Em terrível incidente
6ª-feira passada na província ocidental de Farah [2] (em região tida como relativamente calma), numa cerimônia de
formatura de novos policiais afegãos integrados à força policial local, no
instante em que um dos policiais recém-formados recebeu fuzil oficial AK-47,
ele engatilhou o fuzil, virou-se e atirou a queima-roupa contra dois de seus
instrutores militares norte-americanos, que morreram no ato.
Só em 2012, já se
registraram 35 incidentes desse tipo. A frequência desses incidentes “verde – policiais afegãos em uniforme verde
de treinamento – [atira] em azul” – está aumentando. Só na última quinzena,
foram mortos 10 soldados norte-americanos.
A coisa está atingindo
tais proporções, que os incidentes “verde
em azul” podem converter-se em problema de campanha para o presidente
Barack Obama nas eleições de novembro. Como poderia funcionar alguma
“transição” da OTAN-EUA (transferir a
responsabilidade às forças afegãs) em clima de desconfiança geral e
crescente sobre quem é quem entre os aliados?
Obama falou longamente
sobre esse assunto em conferência de imprensa na Casa Branca, na 2ª-feira
passada. Admitiu que está “profundamente
preocupado” com o aumento no número de baixas entre os soldados. E revelou
que os altos comandantes norte-americanos estão mantendo “discussões intensivas (...) para garantir que controlemos o problema”.
No momento em que Obama falava, os principais comandantes militares
norte-americanos estavam reunidos em Cabul. [3].
Mas Obama não tinha
qualquer solução efetiva a oferecer. Falou, em termos genéricos sobre a
importância de “melhor
contrainteligência, que garanta mais eficácia no processo de vetar afegãos
candidatos ao serviço policial”; providências para garantir que “nossos soldados não sejam postos em
situações de vulnerabilidade” etc..
A melhor aposta que resta
a Obama [4] é que, quando
acabar a “transição”, e instrutores e soldados dos EUA já não tenham de manter
contato direto com soldados afegãos, “o
número de baixas diminua entre o nosso pessoal”.
Muito evidentemente, essa
é uma das situações desesperantes sempre endêmicas em guerras assimétricas. Não
é verdade que se possam atribuir os “ataques
internos” inteiramente a infiltração pelos Talibã. Há um veio de “antiamericanismo” ativo aí, entre
afegãos que podem não ser simpatizantes dos Talibã, mas se opõem por inúmeras
razões à ocupação norte-americana.
O melhor modo de prevenir
que se repitam os “ataques internos” será manter longe os soldados afegãos, a
distância segura, é claro. Mas, nesse caso, o déficit de confiança só
aumentará, se os soldados dos EUA passarem a exibir sempre armas carregadas (providência já autorizada e vigente), em
atitude de quem vê com suspeitas todos os afegãos.
Obama tem razão. A melhor
solução está mesmo na “indigenização”
da guerra, de modo que os afegãos sejam deixados lá, a matarem-se uns os outros
o quanto queiram, enquanto as forças norte-americanas de ocupação
resguardam-se, na segurança e no conforto das bases militares, só deixando o
abrigo para empreender ataques aéreos e operações clandestinas das forças
especiais, ações que, como se sabe, não demandam qualquer contato direto com os
pouco confiáveis soldados (e cidadãos em
geral) afegãos.”
NOTAS DOS TRADUTORES:
* Nos
“Comentários”de: “Obama returns to Afghan war”;
** MK
Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia.
Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha,
Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve
sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian
Punchline.
É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala.
NOTAS DE RODAPÉ
[1] Lit. “verde (atira) em azul”; é variante da
expressão blue on blu [lit. “azul (atira) em azul”], tradicionalmente
usada pelos soldados da OTAN, nos casos que os militares dos EUA (e a
imprensa-empresa de repetição e propaganda a eles associada) falam de “fogo
amigo”. A OTAN usa a expressão “azul atira em azul”, tradicionalmente, na literatura
sobre exercícios de treinamento militar, desde o Pacto de Varsóvia; naqueles
exercícios, as forças “amigas” vestiam azul; e as forças “inimigas” vestiam
laranja. No Afeganistão, os militares norte-americanos são os “verdes”,
atualmente levando bala também de soldados afegãos, chamados “azuis”.
[3] 20/8/2012, NBC – Southern California, Sam Schulz em: “Top U.S. Brass Meet in Kabul
After String of Insider Attacks”.
[4]
20/8/2012, White House, James S.
Brady Press Briefing Room em: “Remarks by the President to
the White House Press Corps”.
FONTE: escrito por MK Bhadrakumar,
no “Indian Punchline”, com o título original “Obama returns to Afghan
war”. Artigo traduzido pelo “pessoal da Vila Vudu” e postado Castor Filhohttp://redecastorphoto.blogspot.fr/2012/08/obama-nao-se-livra-da-guerra-do.html). ).
[Imagem obtida no Google e adicionada por
este blog ‘democracia&política].
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