Por Sami Ramadani, no “The Real News Network, TRNN”
“Paul Jay (Jay), editor
chefe da TRNN: Bem-vindos
à The Real News Network. Sou Paul Jay, falando de Baltimore.
Continuamos aqui nossa
série de entrevistas, para entender melhor as forças em disputa na Síria. Hoje,
recebemos Sami Ramadani, professor Livre
Docente de Sociologia da London Metropolitan University. Ramadani
foi refugiado político do regime de Saddam, no Iraque. Hoje, fala conosco, de
Londres. Obrigado por nos receber, Sami.
SAMI RAMADANI:
Você é muito bem-vindo.
JAY: Os telespectadores
que não assistiram às primeiras entrevistas, assistam, porque aqui prosseguimos
na discussão. Por que a Rússia está tão empenhada em defender a Síria, mesmo
sabendo que defender a Síria implica confrontar-se diretamente com os EUA?
RAMADANI:
Há várias questões que envolvem a Rússia. Acho que, depois da Líbia, os russos
acordaram para o fato de que só restava a Síria, em todo o mundo árabe, com
ligações importantes com a Rússia. Rússia e Síria têm ligações importantes há
décadas. Os russos armam o exército sírio no confronto com Israel, há cerca de
50 anos. Têm uma base militar em Tartus: a única base militar russa no
Mediterrâneo. Sim, é uma base pequena, nada que se compare ao que os EUA têm na
região, mas é uma base na qual os navios russos podem, no mínimo, ser
reabastecidos. É uma presença russa importante, no Mediterrâneo.
Além disso, os russos
entendem o jogo regional exatamente como os norte-americanos o entendem: se a
Síria cair, o alvo seguinte será o Irã. E o Irã, obviamente, está à porta da
Rússia, os dois países têm fronteiras comuns; e o Irã é aliado estratégico
muito importante para a Rússia, em termos da geopolítica mundial, não só
regional. Quero dizer: combine Síria e Irã, e é fácil ver que a Rússia sente-se
diretamente ameaçada.
JAY: Até que ponto a
Rússia levará tudo isso? Quero dizer: se os países ocidentais, particularmente
esses dos quais temos falado, Turquia, Arábia Saudita, Qatar, EUA e alguns
europeus pularem nesse barco, quero dizer, se decidirem intervir mesmo sem
resolução da ONU, — e não sei se o farão,
mas talvez... — até que ponto irá a Rússia, no sentido de... continuará a
apoiar a Síria em conflito armado direto contra o ocidente? E a que isso
levará?
RAMADANI:
Bem... Sou pessimista. Entendo que em cinco, dez anos, essa coisa toda pode
levar a uma guerra mundial, porque, se o Irã for atacado nessa conflagração,
nada garante que a Rússia, ou, quem sabe, a China, não intervirão?
Infelizmente, Paul, estamos falando de um mundo extremamente perigoso.
Uma das razões pelas quais
digo isso é que nós estamos também numa crise mundial da economia capitalista.
A economia capitalista mundial, inclusive a economia dos EUA, está em crise
profunda. E se se estuda a história, sempre aconteceu: crises econômicas
profundas sempre levam à guerra. É tendência quase espontânea. Não exige longo
planejamento, porque o complexo industrial militar é massivo. É provavelmente o
segmento mais importante da economia, e tem considerável peso político. E se
guerra significa que o complexo militar industrial ficará mais satisfeito, a
guerra é inevitável. Sinto que nessa muito perigosa linha de contato em que se
aproximam Síria, Líbano, Irã, Iraque, sempre se fala de enorme potencial de
conflito.
JAY: Seu argumento não é
só de que a intervenção estrangeira interferirá na natureza do conflito na
Síria e será desastre para o povo sírio, mas também, como você escreveu num de
seus artigos, será um desastre para todo o planeta.
RAMADANI: É
exatamente o que penso, por causa dos problemas regionais circundantes e a
situação econômica mundial, e o fato de que a Rússia está recobrando parte do
poder militar que perdeu. A situação econômica melhorou, na Rússia, nos últimos
dez anos. Isso, porque, depois do colapso da União Soviética, a Rússia passou
por período de desestabilização, nos anos 60s e 70s, muito pobre,
economicamente. E já recuperou, pelo menos em parte, o que perdeu.
A China, sim avançou
muito, economica e militarmente. Não acho que estejam em posição que obrigue
esses dois países a aceitar um mundo totalmente monopolar, com os EUA na
posição dominantes, nem, sequer, a OTAN.
Estamos falando também de
outros países emergentes, e eles podem pular no barco com China e Rússia. Não
sei da Índia, que ainda está oscilante. Será que os indianos se sentirão
ameaçados nessa marcha rumo à guerra? Ou jogarão seu peso com a OTAN e, talvez,
ganhem o Paquistão, como recompensa, e o fim da disputa pela Cachemira? Todos
esses problemas são interconectados.
JAY: Por isso mesmo, eu
disse, na entrevista anterior, que as coisas estão semelhantes, em vários
sentidos, ao mundo de antes da Iª Guerra Mundial, embora, se se considera a
depressão, já parecem mais, também, com o período imediatamente antes da IIª
Guerra Mundial. Mas, seja como for, é situação extremamente perigosa. Voltemos
à Síria. Prossiga, por favor.
RAMADANI:
Só há mais um ponto a acrescentar, Paul. Uma das razões pelas quais a Rússia
está-se tornando cada dia mais intransigente na questão da Síria, também como
já escrevi, ao analisar a oposição síria, é a oposição democrática, cada vez
mais intimamente ligada à Arábia Saudita e aos EUA. Se esses laços não fossem
tão estreitos, a Rússia não teria de envolver-se tão profundamente, porque a
Rússia não é aliada diretamente de Assad. A Rússia tem interesses na Síria, ou,
pode-se dizer, numa Síria que não seja aliada absoluta dos EUA e da Arábia
Saudita. A Rússia pode tolerar uma mudança de regime, mas não pode tolerar
mudança de regime que resulte na tomada do poder por grupos armados por
sauditas, qataris, turcos e norte-americanos.
JAY: OK. Nesse caso, como
se sai disso tudo? Sei que nada do que se diga nesta entrevista mudará o mundo.
Mas em termos do destino do que você chama de forças mais democráticas dentro
da Síria... O que querem esses grupos? O que querem hoje? E o que é possível?
RAMADANI:
Pelo que tenho lido deles, todos estão deprimidos. Mas não mudaram de linha. E
que outra linha haveria para eles? Afinal, estão oferecendo respostas às
demandas do povo sírio. Querem democracia. Querem melhores condições de vida.
Mas, de fato, também já estão dizendo: Calma... Se esse conflito armado
continuar, a própria Síria estará sendo ameaçada, a sociedade síria não
resistirá a esse tipo de ataque, teremos aqui situação semelhante à do Iraque,
talvez ainda pior. De fato... que mais poderiam dizer?
JAY: É, é o que também
tenho ouvido dos sírios com quem converso, amigos – e são pessoas que não, de modo algum, foram ou são favoráveis à
intervenção: são pessoas que não são favoráveis ao ocidente, desse modo. O
que querem é uma Síria independente, país soberano. São simpáticos ao que você
chamou de oposição democrática. São contra a militarização da oposição. Mas
dizem que a única saída, agora, é que a família Assad deixe o governo – pelo
menos, o próprio Assad. Que essa seria condição indispensável para iniciar
negociações, porque enquanto Assad permanecer no poder, prosseguirá a
militarização do regime e das disputas. Dizem também... As forças
pró-militarização talvez não pensem assim, mas a sociedade síria tem meios para
fazer valer sua ideia de que, agora, a luta tem de parar. Depois de Assad
deixar o governo, mais ou menos como aconteceu no Egito... Não pode haver mubarakismo
sem Mubarak. De qualquer modo, a situação não é semelhante à no Egito. Que lhe
parece? Você acha que os sírios melhor fariam se exigissem simultaneamente o
fim da intervenção e o fim do governo de Assad?
RAMADANI:
Minha opinião... Bem... O caso é que eu não acho que o problema seja Assad.
Assad é um símbolo. O que está acontecendo é que, porque a oposição armada
deseja o fim do governo de Assad, o povo e as elites em torno do regime não
deixarão que Assad deixe o governo, mesmo que decida renunciar. O que quero
dizer é que... Aquela elite síria e boa parte do povo sírio já sabe que a atual
oposição armada não é a legítima oposição síria. Se fosse, seria possível
negociar. Seria possível negociar com qualquer tipo de oposição democrática. Se
houvesse oposição democrática, seria possível, até, negociar a partida de
Assad.
JAY: Tenho conversado com
jornalistas que estiveram lá, e, sim, viram apenas uma mínima parte do que está
acontecendo, mas falaram com membros da oposição, inclusive com grupos
envolvidos na luta armada, e dizem que muitos combatentes não são islamistas hardcore
e que não é só o Exército Sírio Livre associado aos sauditas, que há muitos
combatentes, locais, de lá mesmo, que lutam legitimamente pelo fim da ditadura
de Assad. Não se pode dizer que não sejam legitimamente sírios.
RAMADANI:
Não, não. Você tem toda a razão. Não se discute. Falei da principal força
militar, do pessoal que está recebendo os rifles com visão noturna e mira
telescópica do pessoal da OTAN, dos grupos que estão recebendo foguetes
antitanques.
JAY: E há boatos hoje de
que estão recebendo agora mísseis equivalentes aos Stingers. Parece que
receberam 20, 30 mísseis capazes de derrubar helicópteros.
RAMADANI:
Perfeitamente. Foi exatamente o que os EUA fizeram no Afeganistão, com os mujahideen
contra as forças soviéticas, se você lembrar.
JAY: Porque é importante
distinguir, porque nem todos os combatentes envolvidos na luta armada são essa
gente de que você fala aqui.
RAMADANI:
Minha opinião é que os que estão na ofensiva são, principalmente, os que
recebem apoio de fora. Mas há combatentes que defendem sua família, e que estão
em posição mais defensiva. E há as forças democráticas na Síria, cuja
literatura andei lendo. Eles referem-se a esse ‘outro povo’. Eles falam muito
dessas pessoas. Dizem que conhecem os que andam armados, e que estão armados
para proteger as respectivas casas e vizinhança, ou a própria família. Esses,
absolutamente, não empreendem ofensivas; não desencadeiam operações repentinas
em Damasco ou Aleppo. É preciso demarcar esse tipo de diferença.
Essas forças, que estarão
na ofensiva, tentando ocupar vizinhanças e cidades. Conseguiram ocupar Aleppo,
porque está a poucas milhas da fronteira turca – muito próxima, e controlam as
linhas de suprimento que vêm da Turquia. Criarão ali uma situação semelhante à
que criaram em Benghazi na Líbia, de modo que o armamento mais pesado possa
entrar na Síria e estejam armados para iniciar guerra frontal em território
sírio. Mas essa agenda é agenda estrangeira. Não é agenda do povo sírio.
JAY: De fato, se houver
intervenção armada, a força de intervenção mais provável será turca? Não vejo
outra. Quero dizer, sim, os americanos, mas é difícil que, em ano eleitoral,
Obama inicie mais uma guerra ali. Quero dizer... Talvez alguma coisa aérea.
Mas, se a guerra acontecer no solo, terão de ser os turcos? Talvez os sauditas?
RAMADANI:
Os turcos, sim, sem dúvida. Mas isso não significa que seja o exército turco.
Há ali muitos árabes que falam turco. E há sírios que vivem na Turquia, há
sauditas, qataris, líbios, os quais, por falar deles, chegaram às centenas à
Turquia e já se infiltraram na Síria. Hoje, combatentes de todo o planeta estão
sendo convocados para luta guerra jihad na Síria. Há também mercenários,
como escreveu o conhecido jornalista egípcio Mohamed Hassanein Heikal,
contratados pela empresa [norte-americana]
“Blackwater”. São 6 mil mercenários
treinados nos Emirados, que falam árabe e que já entraram na Síria. Estamos, de
fato, falando de ampla e complexa campanha de desestabilização.
Acho que os EUA estão em
situação semelhante à do Iraque: se não conseguirem controlar a situação,
melhor que o país seja destruído. Sei que é terrível dizer isso. Mas foi ideia
de um político dos EUA, terrível, que sugeriu que, se você não consegue obter o
controle, melhor que o local seja destruído. Horrível que seja, é o que
acontecerá na Síria. Se não conseguirem impor lá um governo que agrade a eles,
destruirão completamente a sociedade síria. É solução que também se encaixa bem
na agenda israelense.
JAY: Seja como for, o que
você acha que a sociedade internacional, gente de fora, deveria exigir agora?
RAMADANI: A
primeira demanda teria de ser o fim dos combates. Que o regime sírio retire os
soldados. A oposição armada teria de parar de lutar, abrir espaço para um
cessar-fogo. Mas o movimento teria de vir também da Arábia Saudita, Qatar e
Turquia e EUA, que não querem o fim dos combates.
JAY: Tenho de concordar
que o único modo de acontecer o fim dos combates seria se sauditas, qataris,
turcos e norte-americanos cortassem o fluxo de armas que continuam a entrar na
Síria. Mas nada, absolutamente nada, sugere que lhes interesse essa via de
ação. Estão operando na direção absolutamente oposta a essa.
RAMADANI:
Sim. Acho que se não cortarem o fluxo de armas e dinheiro, e se não acertarem
algum legítimo cessar-fogo, haverá terrível guerra civil na Síria. E não só as
minorias sofrerão – 40% da população da
Síria é constituída de grupos étnicos e religiosos minoritários.
JAY: Mas meus amigos
sírios querem o contrário disso, querem maior pressão internacional para por
fim ao governo de Assad e para que se crie espaço para negociações.
RAMADANI:
Entendo que a posição de Assad ficará muito, muito precária, se a oposição
armada depuser armas. Não haverá mais qualquer explicação para a permanência de
Assad no poder. E as elites na Síria dirão... Ei! Aqui há uma janela! A
oposição armada parou porque sauditas, qataris, turcos e norte-americanos
cortaram o suprimento de armas; então, podemos retirar nossos tanques. E é hora
de nos livrarmos de Assad.
Essa coisa é dinâmica e a
dinâmica nesse momento é que a agenda externa não está dizendo apenas “derrubem
Assad”; está dizendo também, além de “derrubem
Assad”, que “aceitem um regime pró
EUA, pró sauditas, em Damasco”. Se essa agenda não for alterada, o regime
de Assad lutará até o último homem e as elites locais lutarão com ele e por
ele. Nem as minorias farão oposição a Assad.
JAY: Entendido. Muito
obrigado pela entrevista, Sami.
RAMADANI:
Você é sempre bem-vindo.”
FONTE:
escrito por Sami Ramadani, conferencista
de Sociologia da “London Metropolitan University”, no “The Real News Network, TRNN”,
sob o título original “The Dangerous Global
Consequences of a Syria Intervention”. Entrevista traduzida pelo “pessoal da Vila Vudu” e postada por Castor Filho no blog “Redecastorphoto”
2 comentários:
Pois é, adoro você Maria Tereza e, o Castor também. Ele até me respondeu bem educado quando eu fui lhe defender.
Tenho lido diariamente seu Blog e postado matérias suas em minha página, lógico.
O Facebook me toma tempo demais, é uma maravilha ter aulas diárias com excelentes jornalistas e pessoas altamente capacitadas, então eu tô viajando, ops, navegando por lá.
"Nós não somos uma colônia britânica", Ricardo Patiño, chanceler equatoriano.
Ao VIVO, Embaixada do EQUADOR em LONDRES
http://www.ustream.tv/channel/alburyj
Probus,
Também gosto muito dos seus comentários e do blog Redecastorphoto.
Obrigada pela indicação do artigo sobre Assenge/Equador/Londres.
Maria Tereza
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