Por
Eduardo Guimarães
“Acabo de
ler mais um dos incontáveis textos de “colunistas” do consórcio demo-tucano-midiático paridos após o ministro do STF
Ricardo Lewandowski ter inocentado o petista e ex-presidente da Câmara dos
Deputados João Paulo Cunha, contrariando o relator do processo do mensalão,
ministro Joaquim Barbosa, que votou por sua condenação.
Entre
outras reflexões, desanima a previsibilidade que vai se comprovando sobre o que
diriam esses “colunistas” sobre os votos antagônicos dos dois juízes. A última
coluna que li foi de Miriam Leitão, que, como todos os seus congêneres na
grande mídia, por óbvio deu razão a Barbosa.
Outra
reflexão, que é a que orienta este texto, versou sobre a “redenção” de Barbosa
na mídia que a sua posição sobre o mensalão, desde o início alinhada ao que ela
quer, está lhe proporcionando agora, após ter sido alvo midiático por tanto tempo.
A
maledicência midiática contra Barbosa teve início já em 2003, quando de sua
nomeação como ministro do STF pelo então recém-empossado presidente Lula. Os
mesmos “colunistas” insinuavam que o juiz chegara aonde chegara “simplesmente
por ser negro”.
Segundo
diziam aquelas más línguas, “Lula queria
um negro – qualquer negro – para a vaga que surgira naquela Corte e Barbosa era
o que havia à mão”. Como sempre ocorreu quando o ex-presidente deu
oportunidades a negros – fosse no ensino
superior, fosse na Suprema Corte –, eclodiu todo um discurso midiático
sobre “meritocracia”, à qual o escolhido não faria jus.
Nos anos
seguintes, as militâncias midiática e governista travariam, sobretudo na
internet, um furioso embate sobre Barbosa. Governistas defenderiam a belíssima
história de vida de um negro pobre, filho de pedreiro, e a mídia oposicionista
diria que sua escolha fora “política”, como se as de todos os juízes do STF não
fossem.
Barbosa,
porém, fez por merecer o cargo de ministro do STF. Aos 16 anos, saiu de casa.
Foi viver em Brasília, onde arranjou emprego na gráfica do jornal “Correio
Brasiliense” e estudou em colégio público. Chegou à universidade e ao
bacharelado em Direito na Universidade de Brasília, onde obteve seu mestrado em
Direito do Estado.
Barbosa
também foi Oficial de Chancelaria do Ministério das Relações Exteriores
(1976-1979), tendo servido na Embaixada do Brasil em Helsinki, Finlândia, e
depois foi advogado do Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO)
(1979-84).
Prestou
concurso público para procurador da República e foi aprovado. Licenciou-se do
cargo e foi estudar na França por quatro anos, tendo obtido mestrado e
doutorado pela Universidade de Paris em 1990 e 1993.
Retornou
ao cargo de procurador no Rio de Janeiro. Foi professor concursado da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi “visiting scholar” no “Human
Rights Institute” da faculdade de direito da Universidade Columbia em Nova York
(1999 a 2000) e na Universidade da Califórnia “Los Angeles School of Law” (2002
a 2003).
Fez
estudos complementares de idiomas estrangeiros no Brasil, na Inglaterra, nos
Estados Unidos, na Áustria e na Alemanha. É fluente em francês, inglês, alemão
e espanhol. Toca piano e violino desde os 16 anos de idade.
Ufa! É
uma trajetória de tirar o fôlego. Ainda assim, ao ser indicado para o STF – uma corte para a qual as indicações têm
menos que ver com o currículo do indicado do que com as conveniências políticas
de quem indica –, só o que a mídia enxergou foi “populismo” de Lula, que o
teria escolhido “só por ser negro”.
Os anos
foram se passando e Barbosa continuou sendo alvo de narizes torcidos da elite
midiática, sendo visto por ela como “o juiz negro de Lula”.
Essa
situação se agravou em abril de 2009 durante sessão do STF que analisava uma
lei paranaense que estendia a aposentadoria do setor público a funcionários de
cartórios. Naquela oportunidade, Barbosa se desentendeu com o juiz “da
oposição”, Gilmar Mendes.
Diga-se
que os dois juízes já vinham se estranhando devido aos [ultrarrapidíssimos] habeas corpus “cangurus” que Mendes dera
a Daniel Dantas nas horas mortas da madrugada, e devido à perseguição do juiz
“tucano” ao juiz Fausto de Sanctis e ao delegado da “operação Satiagraha”
Protógenes Queiroz, condutas de Mendes que Barbosa criticava duramente.
A
discussão entre os dois juízes foi duríssima e permaneceu por semanas a fio no
noticiário. E, claro, confirmando a previsibilidade de viés que ressurge agora
na disputa retórica entre o relator do inquérito do mensalão, o mesmo Joaquim
Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski. Todavia, à diferença de hoje, àquela
época a mídia tomou partido do adversário do juiz negro.
Editoriais
e colunas dos grandes jornais e os blogs e sites da grande mídia na internet praticamente
trucidaram Barbosa. Na imprensa paulista, por exemplo, “Folha de São Paulo”, “Estadão”
e “Veja” saíram, furiosamente, em defesa de Gilmar Mendes contra Joaquim
Barbosa.
Em 24 de
abril de 2009, a “Folha” publica o editorial “ALTERCAÇÃO NO STF”. O previsível
editorial, já no primeiro parágrafo, demonstrava a que vinha:
“O ministro Joaquim Barbosa excedeu-se na áspera
discussão travada anteontem com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF),
Gilmar Mendes. Não se justificam os argumentos “ad hominem” e a linguagem
desabrida empregada por Barbosa em sessão aberta na mais alta corte brasileira (…)”
No mesmo
dia, o “Estadão”, sempre mais passional, partiu para o insulto em editorial sob
o título “FALTA DE COMPOSTURA”:
“(…) Na sessão de quarta-feira,
durante o julgamento de um recurso do governo do Paraná contra decisão do STF,
que em 2006 considerou inconstitucional a lei que criou o fundo de previdência
do Estado, o ministro Joaquim Barbosa, que dialogava com o presidente da Corte,
Gilmar Mendes, perdeu a compostura (…)”
Na coluna
de Eliane Cantanhêde, na Folha, tudo no “Day After” da “altercação” entre
Barbosa e Mendes, não foi diferente:
“(…) Era uma discussão técnica qualquer, os dois (Barbosa
e Mendes) se desentenderam e Barbosa perdeu a compostura (…)”
No blog
de Reinaldo Azevedo, no portal da revista “Veja”, o pitbull da publicação
repisa a questão racial em relação a Joaquim Barbosa:
“(…) Eu tenho verdadeiro
horror, asco mesmo, de quem costuma reivindicar o lugar do oprimido (…)”
Os anos
foram se passando e Barbosa acabou ficando com a relatoria do inquérito do
mensalão. A partir dali, quando foi ficando claro que o fato de ter sido
indicado por Lula não estava pesando no viés que assumira em relação ao caso, o
discurso midiático contra si foi sendo abrandado, chegando, hoje, a se tornar o
novo queridinho da mídia no STF.
Uma coisa
é certa: a conduta de Barbosa no âmbito
do inquérito do mensalão lhe valeu “redenção” na mídia. De juiz que chegara
ao STF pelo único “mérito” de ser negro
e de “juiz de Lula”, converteu-se em profundo
conhecedor da lei e exemplo de “isenção” – sem, por óbvio, a ressalva de que o mérito de nomear um juiz “isento” é
de Lula.
Joaquim
Barbosa é um vencedor. Sua trajetória, antes empanada por acusações de cunho
racial na mídia, não encontra mais óbices. A postura que adotou no julgamento
do mensalão quebrou as resistências que a cor de sua pele sempre lhe gerou
entre uma elite que agora o idolatra e defende, ao menos enquanto lhe for útil.”
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