O CERCO À INDÚSTRIA BRASILEIRA DE
DEFESA
Na
contramão da tendência mundial, o Brasil desnacionaliza sua indústria bélica
Por Mauro Santayana, no “Jornal do
Brasil”
“As forças militares brasileiras só
dispõem de munições para uma hora de resistência, segundo declarou o general
Maynard Santa Rosa a “O Globo”. No caso de uma situação de guerra,
dependeríamos de grande esforço diplomático, a fim de ganhar tempo e mobilizar
a nação às pressas para a defesa do território.
É certo que uma ocupação militar do
Brasil por força invasora é quase impossível, e que teríamos condições de
expulsá-la depois de imensos sacrifícios da população civil. Mas, nos restaria
a destruição de nossos centros industriais mais importantes.
Guerra quer dizer tecnologia. Desde
o arco e a flecha — invenção que surgiu,
segundo os antropólogos, com o neolítico — os países mais poderosos são
aqueles na vanguarda da produção de armamentos. Preservar a paz é preparar-se
para a guerra, conforme a constatação dos romanos. Quer pela nossa índole, quer
por desídia, ou por confiança na sorte, o Brasil talvez seja, relativamente, o
país mais indefeso do mundo.
O país procura investir na sua
defesa, mas está muito moroso e comete erro crasso, o de não produzir seus
próprios armamentos e petrechos de combate. Estamos desnacionalizando o pouco
de indústria bélica que dispomos, com a entrada maciça de empresas estrangeiras
(entre elas, e de forma agressiva, as de Israel)
no parque industrial brasileiro, mediante a aquisição de firmas nacionais ou de
sua associação com nossos empreendedores.
No mundo inteiro, quem comanda a
produção de armamentos – direta ou
indiretamente — é o Estado. No Brasil, um bom caminho é a criação da “Amazônia Azul Tecnologias de Defesa” (AMAZUL),
vinculada ao Ministério da Defesa. Aprovada pelo Congresso, a estatal foi
criada na semana passada pela presidente Dilma Rousseff, com o objetivo, entre
outros, de construir o primeiro submarino movido a energia nuclear feito pelo
Brasil, em sociedade com os franceses.
A cada ano, devido à Amazônia e ao
Pré-sal, entre outras razões, cresce a importância de a nação aumentar — como acontece na Europa com complexos
industriais militares como a EADS, a Navantia e a Finmecannica — a
participação direta do Estado na indústria brasileira de defesa. Outra meta
deve ser a de se buscar maior grau de conteúdo nacional nas encomendas
contratadas junto a empresas estrangeiras.
POSSE DA TECNOLOGIA
Não se pode admitir — como ocorre com a projetada fabricação de
2 mil blindados ligeiros Guarani pela Iveco, no município mineiro de Sete
Lagoas — que apenas 60% das peças utilizadas sejam fabricadas no Brasil. Em
caso de conflito, ou mera ameaça de confronto entre o Brasil e qualquer país da
OTAN (Europa e Estados Unidos), a produção desses tanques seria descontinuada e
não teríamos como substituir o material perdido em combate. É de se recordar o
exemplo da Argentina, que ficou literalmente a ver navios — nesse, caso, britânicos — na Guerra das
Malvinas.
Por outro lado, há verdadeiro cerco
dos países geopoliticamente identificados como ocidentais à indústria bélica
brasileira. Todas as nossas empresas que desenvolveram tecnologia militar nos
últimos anos tiveram o seu controle adquirido por grupos internacionais
recentemente.
Com isso, essas multinacionais se
apossaram do conhecimento desenvolvido por técnicos e engenheiros brasileiros.
Agora, podem decidir a seu bel-prazer, seguindo a orientação estratégica dos
governos de seus países, até que limite essas empresas — que antes pertenciam a
empresários brasileiros — poderão ir, no desenvolvimento de novas tecnologias
bélicas.
A Aeroeletrônica, empresa brasileira que há mais de duas décadas se
dedica ao projeto, desenvolvimento, fabricação, manutenção e suporte logístico
de produtos eletrônicos para veículos aéreos, marítimos e terrestres é um
exemplo. Ela, que forneceu sistemas de aviônica para o Tucano 27 e o Super
Tucano, da Embraer, e para o caça ítalo-brasileiro AMX, foi adquirida, em 2001,
pela Elbit, empresa israelense criada, em 1967, sob o estímulo do Ministério da
Defesa de Israel.
A Ares - Aeroespacial e Defesa foi outra a ter o seu controle
adquirido pela Elbit, no final de 2010, quando foi rebatizada como AEL
Sistemas. Ela desenvolvia a REMAX, uma estação de arma estabilizada
servo-controlada, para metralhadoras, destinada a equipar os blindados Guarani
dos quais falamos. Outros de seus produtos são os colimadores, indicadores
visuais de rampa de aproximação, sistemas óticos de pontaria para tiro indireto
de morteiros, sistemas de lançamento de torpedos, e foguetes de chaff, para
defesa de navios.
Com sua desnacionalização, o REMAX,
desenvolvido inicialmente por técnicos do CTEX, foi substituído pelo UT30BR, e
o contrato para o equipamento dos blindados Guarani com essas torretas
automatizadas de armamento, no valor de mais de R$ 400 milhões, foi repassado
para os israelenses.
Apenas três meses depois, em janeiro
de 2011, Israel dava mais um passo na sua estratégia de penetração na indústria
bélica brasileira, com a compra da Periscópio
Equipamentos Optrônicos S.A, especializada na área de defesa e sinalização
aeroportuária.
LUCRO ASSEGURADO
O que causa revolta no observador
mais atento é o fato de que o retorno do baixo investimento feito por
multinacionais estrangeiras para a compra dessas empresas, da ordem de algumas
dezenas de milhões de reais, é líquido e certo.
O lucro, várias vezes maior do que
os investimentos, é assegurado por encomendas já contratadas pela Marinha,
Exército e Força Aérea. Em muitos casos, nossas forças armadas já desenvolviam
sistemas em parceria com essas empresas que estão sendo desnacionalizadas
quando ainda estavam sob controle acionário local.
Empurrada pelas aquisições, a
estratégia israelense no Brasil está indo de vento em popa. Em março de 2011, a
AEL, controlada pela Elbit, criou
com a Embraer uma nova empresa, a HARPIA,
que fabrica os VANTs, veículos aéreos não tripulados para vigilância e ataque,
do tipo utilizado pelos israelenses nos territórios palestinos e pelos
norte-americanos no Paquistão e no Afeganistão.
Outra empresa israelense, a IAI (Israel Aircraft Industries),
fabricante do míssil Rafael, fornece os aviões-robôs do mesmo tipo (que os VANTs)
para o sistema de vigilância de fronteiras da Polícia Federal. Esses veículos
telecomandados poderiam ser desenvolvidos no Brasil, onde já existem empresas
incipientes formadas por universitários para atuar nesse segmento da tecnologia
aérea.
Assim, seja na área de blindados, na
de aviônica, de optoeletrônica, como é o caso de periscópios, ou de aviões
robóticos não tripulados, os israelenses — e,
por meio deles, também seus aliados norte-americanos — podem monitorar,
confortavelmente, da mesa de diretoria dessas empresas, cada passo que o Brasil
dê nessas áreas.
Radares e helicópteros, e, agora,
submarinos, são o campo de caça dos franceses, que completaram, em setembro de
2011, com o Grupo Thales, a aquisição,
iniciada em 2006, de 100% do controle da brasileira Omnisys, empresa especializada no desenvolvimento e fabricação de
radares de longo alcance, sediada em São José dos Campos.
ENCOMENDAS DE US$ 7 BILHÕES
Em alguns casos, a fabricação de
armamentos é feita — sem subterfúgios ou
hipocrisia — por empresas diretamente controladas por governos
estrangeiros. Esse é o caso da DNCS (Direction des Constructions Navales),
que tem 75% de suas ações nas mãos do governo francês. Ela se “associou” à
Odebrecht para construir, em Itajaí, no Rio de Janeiro, quatro submarinos da
classe Scorpéne e mais o casco do futuro submarino nuclear brasileiro — encomendados pela bagatela de 7 bilhões de
dólares.
O mais perto que já cheguei de um
submersível foi quando li 20 mil léguas submarinas, de Júlio Verne. Mas, como
disse Arquimedes, referindo-se à alavanca, “deem-me
um ponto de apoio e moverei o céu e a terra”. Se derem a qualquer governo
de um país, com um mínimo de planejamento, 7 bilhões de dólares, ele certamente
construirá bela fábrica de submarinos, desde que haja tempo para contratar as
pessoas certas — aqui e no estrangeiro
— e adquirir os componentes adequados, sem precisar dividir o controle desse
ativo estratégico com ninguém.
Com uma parcela desse dinheiro, o
Brasil poderia montar uma completa universidade naval, formando, por ano, centenas
de engenheiros especialistas na construção de belonaves, entre elas,
submarinos, no lugar dos 26 brasileiros que passaram alguns meses na França, em
uma escola de submergíveis, por conta do acordo. Por aí se pode ver que os
especialistas brasileiros formados no âmbito desse contrato milionário — negociado pelo então Ministro da Defesa
Nelson Jobim — cabem todos em um micro-ônibus. Rezemos para que não
aconteça um acidente.
Considerando-se que o Brasil ficou [dezenas
de] anos sem investir um centavo em armamentos, e que teve a sua indústria
bélica desmantelada durante a tragédia neoliberal dos anos 1990, devido á
ojeriza a qualquer coisa que se aproximasse de uma política industrial decente,
compreende-se que o governo Lula esteve, nessa área, movido por boas intenções.
PROCESSO PERSISTENTE
Ocorre que a pressa não justifica a
adoção de certo tipo de acordos, por parte do Brasil, principalmente quando se
sabe que alguns contratos, como os assinados com os franceses, na área dos
submarinos, ou com os italianos da Iveco,
para a fabricação de blindados — com
projeto do Exército Brasileiro — têm duração de 20 anos.
A Helibras, única fábrica latino-americana de helicópteros, é
controlada, em mais de 75%, pela Eurocopter
francesa. Esta, por sua vez, pertence em 100% à EADS, consórcio europeu que conta com a participação, direta e
indireta, dos governos franceses, alemão e espanhol.
Como muitos grupos de defesa
multinacionais que funcionam no Brasil, a Helibras tem sido também irrigada com
milionários contratos pelas Forças Armadas. É o caso da encomenda de 50
helicópteros pesados, destinados às três forças, apesar do conteúdo nacional de
seus produtos ser baixo e de a maior parte dos lucros seguir todos os anos para
a Europa.
É fácil ver que o avanço dos
franceses — assim como o dos outros
países geopoliticamente classificados como “ocidentais” — sobre a indústria
nacional de armamento é um processo duradouro, organizado e persistente.
No dia 12 de junho de 2012, há menos
de dois meses, portanto, a Optovac
Mecânica Optoeletrônica Ltda, especializada em equipamentos de optrônica e
visão noturna, parte de um seleto grupo de pequenas e médias empresas
inovadoras, assim classificadas pelo Ministério da Defesa, foi também comprada
— sem qualquer oposição — pela Sagen francesa, do grupo Safran, controlado em mais de 30% pelo
governo daquele país.
NAVIOS PATRULHA INGLESES
Os ingleses, naturalmente, não
poderiam ficar de fora do processo da tomada de controle de nossas empresas de
defesa e das encomendas do governo. A British
Aeroespace, ou BAE Systems, acaba de fornecer três navios de patrulha
oceânica para a Marinha, por quase R$ 400 milhões, em uma compra de
“oportunidade”. Eles estavam, antes, destinadas a Trinidad e Tobago. No final
de 2011, essa empresa também assinou contrato — depois do necessário nihil obstat do governo norte-americano — para
modernizar um primeiro lote de 150 veículos blindados sobre lagartas, o M-113,
utilizados em transporte de tropas, avaliados em 43 milhões de dólares. O valor
pode aumentar proporcionalmente, caso o processo se estenda para toda a frota
brasileira desse tipo de veículos, que chega a 350 blindados.
Na área aeroespacial, a BAE inglesa
foi selecionada para fornecer os sistemas de controle eletrônico de voo do novo
jato militar de transporte KC-390 da Embraer. Agora, como informam meios
especializados, busca “parcerias estratégicas” para participar das licitações
do SISFRON (Sistema Integrado de Fronteiras) e do SISGAAZ (Sistema de
Monitoramento da Amazônia Azul), avaliados em 15 bilhões de dólares.
Poderíamos falar aqui também dos
planos e manobras da Finmeccanica,
italiana, ou da Navantia, espanhola,
no Brasil, ambas com participação acionária de seus respectivos governos.
TRATAMENTO DIFERENCIADO
É preferível, no entanto, lembrar a
diferença entre o tratamento que damos aos grupos estrangeiros de defesa — aqui representados, às vezes, por pessoal da
reserva de nossas forças armadas que já serviu no exterior — e aquele que
recebem as nossas empresas quando tentam penetrar no mercado de algum país do
Hemisfério Norte.
Nos países ditos capitalistas e de
suposto “livre mercado”, a compra de armamentos e a propriedade empresas
fabricantes de material bélico costumam ser tratados como assuntos estratégicos
e de segurança nacional.
Na Europa, para comprar um projétil
que seja, procura-se, primeiro, uma empresa local. Depois, se por uma questão
de preço ou de escala, a encomenda tiver de ser feita a uma empresa
estrangeira, busca-se a que tenha participação acionária de algum grupo do país
comprador. Em último caso, procura-se empresa que pertença a um dos enormes complexos
militares controlados diretamente por governos europeus, como é o caso da EADS.
Os Estados Unidos são ainda mais
curtos — e grossos — nesse aspecto.
Para vender qualquer arma ao governo dos Estados Unidos ou às suas Forças
Armadas, a empresa estrangeira terá que estar instalada em seu território, onde
obrigatoriamente deverá produzir a encomenda e estar associada “minoritariamente” a uma empresa
diretamente controlada por capitais norte-americanos.
Devido a essa postura — que deveríamos praticar aqui há muito tempo,
se mais não fosse por uma questão de isonomia — a mera hipótese da entrada
de uma empresa brasileira de tecnologia de defesa naquele mercado, como
fornecedora das Forças Armadas norte-americanas, mesmo que cumprindo
rigorosamente todos os requisitos a que nos referimos, acaba se transformando
em uma questão nacional.
LICITAÇÃO ANULADA
Foi o que descobriram os executivos
da Embraer no ano passado. Após se associarem à norte-americana “Sierra Nevada
Corporation” e vencerem uma licitação de menos de 400 milhões de dólares para o
fornecimento de 20 aviões ligeiros Super Tucano a serem utilizados no
Afeganistão, viram a concorrência ser anulada.
Uma campanha movida no país, com
apoio de congressistas republicanos, pela “Hawker Beechcraft”, que teve seu
avião desclassificado por problemas técnicos, levou a Força Aérea
norte-americana a anular a concorrência conquistada pela Embraer. Isso, apesar
do compromisso de a fabricação do avião ser em território norte-americano e de
a maior parte das peças das aeronaves serem produzidas pelos Estados Unidos ou
pelos seus parceiros do NAFTA.
Podemos imaginar o que não ocorreria
no Brasil — e o escândalo que não fariam
certos veículos de comunicação — caso ocorresse o mesmo por aqui e um
contrato de fornecimento de armamento norte-americano para nossas forças
armadas fosse bloqueado no Congresso, devido ao pedido de uma empresa
concorrente de capital 100% nacional.
ESTRATÉGIA DEFINIDA
A estratégia dos Estados Unidos e da
Europa Ocidental, com relação ao Brasil, está cada vez mais clara:
—
Impedir o desenvolvimento de tecnologia nacional própria, com a compra de
qualquer empresa que procurar desenvolvê-la;
—
Associar-se à empresa que não se puder comprar, oferecendo cooperação no
desenvolvimento da tecnologia, com o intuito aparente de ajudar o país a
queimar etapas. Na verdade, tenta-se impedir qualquer avanço à sua revelia, sem
vigilância ou participação;
—
Impedir que o dinheiro gasto com o reaparelhamento das Forças Armadas chegue às
mãos de empresas sob controle nacional, evitando ainda que esse dinheiro seja
investido em avanços de caráter tecnológico que coloquem em risco a hegemonia
de suas empresas no mercado brasileiro e no exterior;
—
Cooptar, com associações ou contratos de representação e de lobby, pessoal da
reserva das forças armadas, principalmente ex-adidos militares brasileiros no
exterior, para vender, como uma coisa ideologicamente natural, a associação do
Brasil com empresas ocidentais para a produção de armamento, de forma a impedir
que a nação recorra a outras opções;
—
Impedir a reunião, coordenada, de pequenas empresas brasileiras de grande
potencial tecnológico, em grandes consórcios industriais militares de
inspiração ou controle público, como os que existem no Ocidente, como a Lockheed
Martin, ou a própria EADS;
—
Diminuir, via participação na maioria dos contratos, a realização de associação
entre empresas brasileiras de defesa de qualquer porte e empresas não
ocidentais, como as existentes nos países BRICS. Se não puder impedir a
cooperação entre uma empresa brasileira de defesa e uma congênere do BRICS,
estar presente acionariamente ou como participante do projeto, do lado
brasileiro, para “controlar” essa aproximação;
—
Estabelecer, coordenadamente, via supervisão dos métodos de produção e
administração, e aplicando baixos índices de conteúdo nacional, um alto grau de
dependência da indústria nacional de defesa com relação aos seus “parceiros” e
controladores ocidentais. Isso permitirá futura paralisação das linhas de
montagem dos armamentos em nosso país, em caso de conflito ou de potencial
conflito, entre o Brasil e esses países;
LEGISLAÇÃO PERVERSA
Ao enfrentar uma situação absurda e
desastrosa, com a criminosa aprovação, no governo Fernando Henrique Cardoso, de
emenda constitucional que transformou, para todos os efeitos, em “brasileira”
qualquer empresa instalada no Brasil — mesmo
que controlada por capitais públicos ou privados estrangeiros — a
presidente Dilma tenta fazer o que pode, na área de defesa, embora não tenha conseguido
impedir que o processo de desnacionalização chegasse ao ponto que chegou.
Temos uma legislação perversa, que
faz com que o país, do ponto de vista da defesa do capital nacional, tenha que
subir ao ringue com as duas mãos atadas. Somos obrigados a concorrer com
empresas que contam com descarado apoio — direto
e indireto — dos governos de seus países de origem.
As agências “reguladoras” nacionais,
incluindo o CADE, não fazem nenhuma distinção entre empresas de capital
nacional ou estrangeiro, até mesmo quando grandes grupos autenticamente
nacionais tentam se expandir, via aquisições, no mercado internacional.
SUPERÁVIT COM A VENEZUELA
Além disso, o Brasil precisa ainda
enfrentar a oposição de seus inimigos internos.
Nesse sentido, a pior herança que
nos deixaram os anos 1990 foi toda uma geração de presumidos formadores de
opinião que insistem em ser mais realistas que o rei, e mais neoliberais do que
os executivos de Wall Street, na defesa do entreguismo e da capitulação da
nação.
Isso em um mundo em que os países
que mais intervêm na economia são justamente os que mais crescem, como é o caso
da China; ou em que os países mais poderosos são justamente os mais
nacionalistas, como é o caso da própria China, dos Estados Unidos, da Alemanha
e do Japão.
É nesse Brasil absurdo que alguns
industriais defendem a elite paraguaia, que só nos manda armas e drogas e o
mais maciço e rasteiro contrabando. É essa mesma gente que insiste em estreitar
a “parceria” com os Estados Unidos — com
quem temos mais de 5 bilhões de dólares de prejuízo no comércio exterior —
enquanto ataca duramente a entrada da Venezuela — que nos compra quase 5 bilhões de dólares em alimentos e manufaturados
com um superávit brasileiro de mais de 3 bilhões e 200 milhões de dólares —
no MERCOSUL.
O pior é que ninguém pergunta aos
milhares de trabalhadores, empreendedores, pecuaristas, agricultores e
empresários brasileiros que produziram e venderam esses 7 bilhões de reais aos
venezuelanos em 2011 o que eles pensam sobre o assunto.
Voltando à questão do cerco
ocidental à indústria bélica, a entrada do BNDES no capital da Avibras, no final do governo Lula, ao
permitir que essa empresa honrasse a entrega de importante pedido ao governo da
Malásia, e a encomenda de um sistema Astros 2020 para os fuzileiros navais,
apontam para a direção correta.
A criação da AMAZUL (Amazônia Azul Tecnologias e Defesa) para
cuidar da produção do propulsor nuclear que irá equipar o futuro submarino
nuclear brasileiro, também foi um passo fundamental para a independência do
Brasil na área de defesa. Isso, embora já se organize a resistência de
conhecidos grupos a fim de sabotar a empresa.
A AMAZUL, estatal que não pode ser
vendida a nenhum grupo estrangeiro, representará — se houver decisão política nesse sentido por parte do governo — um
divisor de águas na política brasileira de defesa.
IMPORTÂNCIA DAS PARCERIAS
Ela poderá ser — e o Brasil precisa disso — a primeira de
grandes empresas cem por cento nacionais, destinadas à produção de armamento. E
se transformar no embrião de um grande estaleiro estatal, acoplado a uma
importante escola de engenharia naval, para a Marinha, além de constituir
exemplo para a criação de uma empresa desse porte também para a força
terrestre.
Com complexos industriais desse
nível, o Brasil estaria pronto para estabelecer parcerias com as grandes
empresas estatais dos países BRICS, para desenvolver, ainda nas próximas
décadas, toda uma nova geração de armamentos.
A cooperação de empresas brasileiras
como a que está em curso entre a Mectron
e a Denel sul-africana para a
construção de um míssil A-Darter pode quebrar um pouco da antipatia que ainda
existe com relação à cooperação com a Rússia, a Índia e a China, os outros BRICS,
no desenvolvimento de material de defesa.
Não se trata de recusar a tecnologia
ocidental, mas sim de impedir que se tome de assalto o nosso sistema de
produção de armamentos. Além disso, a subordinação do Brasil às empresas
norte-americanas, europeias e israelenses nos fechará o mercado de boa parte do
mundo — como os próprios países árabes —
que não são simpáticos a Israel ou aos Estados Unidos. Ou os próprios BRICS,
com quem teremos que cooperar, caso não queiramos colocar os nossos ovos — ou nossas empresas de armamento — em uma
só cesta.
INCENTIVOS À INDÚSTRIA NACIONAL
Não podemos correr o risco de ficar
desarmados e inermes frente a eventuais inimigos, por cooperar só com um lado
do mundo, e com empresas que estão todas, política e corporativamente, ligadas
entre si, até do ponto de vista acionário.
O governo federal está preparando
novas medidas para a área bélica, que incluem maiores incentivos fiscais e de
crédito para empresas que estejam sob baixo controle teoricamente brasileiro.
Com a aprovação, em março, da Lei
12.958, grupos que atuam na área de infraestrutura e construção civil, como a Odebrecht (já associada à EADS), OAS, Engevix, Queiroz Galvão, Camargo Correa e Synergy, além da própria Embraer,
terão vantagens tributárias e condições especiais de crédito para participar de
licitações na área de defesa.
O problema é que todos esses grupos
estão negociando a participação de empresas estrangeiras, todas dos Estados
Unidos ou da Europa, na composição dessas novas empresas, em troca de
“tecnologia”.
Estamos partindo do pressuposto de
que a única maneira de ter acesso à tecnologia na indústria bélica mundial é a
de nos associamos a um parceiro mais forte, e, ainda por cima, estrangeiro.
Essa é uma premissa falsa, para não
usar palavra mais forte. Com dinheiro e decisão política, qualquer um vai atrás
da tecnologia. Pesquisa, planifica, copia projetos e contrata especialistas
entre os milhares de engenheiros e cientistas estrangeiros que estão
desempregados em razão da crise na Europa e nos Estados Unidos.
Ou se associa, em igualdade de
condições, a países que desenvolveram de forma autônoma a sua própria indústria
de defesa, como a China e a Rússia, sem depender de associações desse tipo com
os países ocidentais.
No entanto, no lugar de aproveitar a
janela de oportunidade aberta pela crise para nos apropriarmos de pessoal
especializado e da tecnologia que está disponível lá fora, sem abrirmos mão de
controlar, sozinhos, uma área que é estratégica para o país, o que estamos
fazendo — e com financiamento público e
benefícios fiscais — é aprofundar a nossa dependência a esse projeto
geopolítico “ocidental”.
Comprometemos o futuro de nosso
povo, e, graças às emendas constitucionais de FHC, pagamos pela vassalagem.
Isso já se fez nas telecomunicações, quando se usou o dinheiro do BNDES para a
expansão e o fortalecimento, em nosso território, de empresas estrangeiras — “associadas” ou não a grupos nacionais —
que não têm e nunca terão o menor compromisso estratégico com o Brasil.
Como lembra a fábula de Jean de La
Fontaine — ou a joint venture do porco
com a galinha para vender ovos com bacon — não existe pacto possível entre
lobos e cordeiros. Na associação de uma construtora brasileira com um grande
grupo multinacional de defesa, com eventual participação estatal, ou golden share, do governo de seu país de
origem, não seremos nós os lobos e eles os cordeiros.
Essas joint ventures, se vierem a ocorrer, para o fornecimento — sem garantia de 100% de conteúdo nacional e
de 100% de controle brasileiro — de armamentos que levam décadas para ser
desenvolvidos e produzidos, equivalerão à entrega e capitulação de nossa
indústria bélica, agora e no futuro, à Europa e aos Estados Unidos. O governo
Dilma Rousseff, por pressão, pressa ou ingenuidade, poderá vir a ser
responsabilizado perante a História se prosseguir nesse caminho.
Serão necessárias medidas corajosas
como as que levaram à queda dos juros. Crédito e condições fiscais especiais,
em áreas estratégicas, dentro de projeto nacional de independência, poderão ser
destinados apenas a empresas que tenham 100% de capital nacional, com cláusulas
que assegurem a intervenção soberana do governo e impeçam a sua venda e
controle — como já ocorreu no passado e
continua agora — por capitais estrangeiros.
Tecnologia compra-se lá fora, quando
existe dinheiro, sem ser preciso entregar uma única ação aos concorrentes. Além
disso, a presença de empresas da Europa e dos Estados Unidos na composição
acionária das futuras “superbélicas
nacionais” irá impedir que essas empresas possam comprar tecnologia dos
nossos parceiros nos BRICS — como a
Rússia, a China e a Índia — caso não haja interesse de países como a França
ou a Itália em fornecê-la.
É preciso romper o cerco ocidental à
indústria brasileira de defesa. Estamos assinando acordos que equivalem a
entregar a alma ao diabo. A nossa indústria bélica deve nos defender. O exemplo
do que houve com a Argentina, no caso das Malvinas, basta.”
FONTE: escrito por Mauro Santayana, no “Jornal do
Brasil”, e transcrito no portal da FAB (http://www.fab.mil.br/portal/capa/index.php?datan=16/08/2012&page=mostra_notimpol)
[Imagem obtida no Google e adicionada por este blog
‘democracia&política’].
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