Por Gilson Caroni Filho
“Há alguns meses, em visita a
Manaus, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez um comentário sobre
a necessidade de se criar condições favoráveis para a instalação e
manutenção de empresas no país. “Não
adianta pedir mais investimentos se o governo não cria condições para que as
empresas se desenvolvam”, afirmou em tom professoral.
A receita da felicidade inclui
memória curta. FHC tem, no entanto, memória longa, e pertence à categoria de
cidadãos que fazem questão de mantê-la acesa. Porém, para tanto, ao menos
quando o assunto é política ou economia, não se baseia em suas lembranças
pessoais, mas nas versões criadas pela mídia corporativa para glorificar sua
passagem pelo poder.
FHC diz saber onde mora o
pecado. Segundo ele, o inferno é a falta de políticas e estrutura adequada
que atraiam o investimento. Resta saber o que andou fazendo entre 1995 e
2002, quando comandou um governo baseado na crença do “mercado desregulamentado”.
Convém – como costumamos fazer em alguns artigos – voltar no tempo para
termos a perspectiva exata do processo histórico. Em 2000, seis anos
depois de aguçar a ideologia neoliberal iniciada no governo Collor, Fernando
Henrique via generalizar-se análise mais abrangente do receituário adotado,
superando-se as críticas fragmentadas e setoriais.
Não havia apenas sindicalistas
protestando pelo corte de empregos, enquanto industriais aplaudiam a
“modernização”, pedindo o aprofundamento da desregulamentação que, rezava o
credo hegemônico, daria a seus negócios a sonhada competitividade
internacional. Foram-se os empregos, em grande parte desapareceu
o peso dos encargos sociais, mas a mágica não aconteceu.
Os crentes do milagre neoliberal
começaram a sentir na pele os efeitos de confronto desigual: ao lado da privatização de empresas
públicas, setores privados nacionais inteiros desapareceram, absorvidos ou
vencidos por concorrentes externos, muitas vezes auxiliados por crédito fácil
do próprio BNDES. O mesmo crédito negado aos brasileiros. Poucas vezes se
viu sucateamento de tal monta.
A burguesia nacional começou a desconfiar
que o “dever de casa bem cumprido” – controle da inflação, abertura comercial,
reformas em vários níveis (segundo o figurino do Consenso de Washington)
– resultava em déficits comerciais crescentes, falências, enfraquecimento
do mercado interno devido ao desemprego, intensificação da dívida pública,
duplicação da dívida externa, controle estrangeiro crescente da economia se
contrapondo ao protecionismo sólido dos países industrializados, exatamente os
maiores pregadores do livre mercado.
Uma rápida consulta a algumas
edições do “Jornal do Brasil”, dos primeiros meses de 2000, mostra que o setor
mais dinâmico da economia brasileira reprovava a equipe econômica do governo
FHC. Pesquisa da “Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo” (FIESP), realizada em março daquele ano,
sobre as expectativas dos empresários em relação à economia, mostrava um
acentuado grau de pessimismo. A nota máxima não passou de 4,6 numa escala de
10. O desencanto burguês era evidente.
Entre 1990 e 1998, os sucessivos
déficits comerciais não podem ser explicados por conjuntura externa. Foram
resultado de política deliberada, que considerava destoante fazer caixa, sendo
mais apropriado endividar-se, vender
patrimônio, desnacionalizar a economia – e ainda ser obrigado a desvalorizar a
moeda.
Esse cenário de terra arrasada foi
produzido por um governo que nunca teve política de desenvolvimento,
deixando-se levar pelo capital especulativo que entrava apenas para ganhar
juros altos e sair do jogo, aprofundando a sangria. E quem regia a
orquestra da dependência? O mesmo maestro que hoje proclama que “precisamos ter estradas e aeroportos
melhores. A produtividade não é só das empresas, uma parte desse trabalho é do
governo”. Bons tempos, os de FHC.
Somente com a chegada de Lula à presidência,
a inflação que estava subindo voltou a cair. A reversão do quadro se deu
com o incremento no mercado interno,
redistribuição de renda e diversificação dos países para os quais o país
exporta.
O contraste parece demonstrar que
existem mesmo o tipo certo e o tipo errado de política econômica em tempos de
globalização. As opções autorizam FHC a proferir críticas? E mais, como ficam
os que dizem que Lula deu continuidade a seu antecessor?
Para compreender a sanha golpista
das elites reacionárias e seus colossos midiáticos é necessário se dar conta da
revolução molecular que vem sendo operada desde 2003. Somente um maximalismo
pequeno-burguês não deixa perceber a trama.”
FONTE: escrito por Gilson Caroni Filho e transcrito no
portal “Viomundo” (http://www.viomundo.com.br/politica/gilson-caroni-filho-fhc-o-eco-do-desencanto.html) [Imagem obtida no Google e adicionada por este blog
‘democracia&política’].
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