MURDOQUIANAS
Por Mino Carta, da revista “Carta
Capital”
“Aprendi jornalismo com meu pai,
Giannino. A questão central do aprendizado dizia respeito ao compromisso moral,
antes ainda que ético. Moral no sentido imanente, a transcender o momento
fugidio. Nesse ponto, a lição deu-se pelo exemplo, sem desperdício de palavras,
pois a regra valia em todos os níveis do comportamento humano no exercício
complexo da existência.
Meu pai, como muitos outros
profissionais de qualidade, acreditava que jornalismo exige, em termos
técnicos, quase nada de quem o pratica, ao contrário, por exemplo, da medicina.
Aprende-se tudo em dois meses na redação, ou menos ainda. Um cidadão munido de
algum talento para a escrita e de razoável cultura geral tem todas as condições
de ser competente como jornalista, mas o compromisso moral é indispensável ao
correto cumprimento da tarefa. Jornalismo implica, é fácil entender,
responsabilidades imponentes.
As ideias políticas de meu pai não
eram iguais às minhas; no entanto, a questão moral nos unia. Foi ele quem me
ensinou, sem permitir-se ministrar lições, que a objetividade é a da máquina de
escrever, hoje diria do computador. Desconfiem do jornalista que a afirma e a
toda hora a proclama. Dele pretenda-se a honestidade. Jornalista honesto é
aquele que conta os fatos exatamente como os viu, sem omitir aspecto algum
indispensável à compreensão da audiência, na fidelidade canina à verdade
factual.
O
exemplo mineiro.
Três capas entre novembro de 2005 e junho de 2006. As denúncias baseadas na
verdade factual foram recebidas pelo retumbante silêncio midiático.
Na minha visão, a mídia nativa peca
de todos os pontos de vista. Ela não prima na lida com o vernáculo e pelo bom
gosto. Leitores, ouvintes, espectadores dotados de espírito crítico sabem
disso. Peculiares, digamos assim, são os critérios que orientam a
hierarquização das informações e atrabiliários aqueles que ditam as manchetes.
Às vezes, pergunto aos meus perplexos botões: que farão eles se eclodir a
guerra?
Os jornais são feios e mal
impressos, do encontro com eles sai-se de mãos sujas. As seções de cultura
destinam-se, claramente, a indigentes, e as colunas sociais, banidas há muitas
décadas nos países civilizados, são mantidas para falar daquelas 837
inextinguíveis personagens. Comparada com a mídia de outras nações, a nativa
habilita-se a inspirar sentimentos de pena em almas caridosas.
Cabe registrar, porém, algo pior,
muito pior. Ao noticiar os fatos da política, ou quaisquer outros relacionados
com o jogo do poder, a mídia nativa é profundamente desonesta. Desde sempre,
arrisco-me a sustentar. Ou, por outra, omite, inventa, mistifica, mente, tempo
adentro, certa de que nada acontece se não for notícia nos seus espaços. E tão
segura na crença a ponto de se tornar vítima de si mesma ao enxergar a verdade
onde não está e viver uma miragem compartilhada por quantos se abeberam à sua
fonte.
O conjunto da obra está longe de ser
animador. De todo modo, o assunto da reportagem de capa desta edição, a revelar
as parcerias entre a revista “Veja” e o contraventor Cachoeira, soa-me inédito.
Não recordo situação similar na história do jornalismo brasileiro. Não é que o
enredo derrube meu queixo. Desta “Veja” nada justifica espanto, inclusive por
ganhar a absoluta primazia no desrespeito à questão moral, antes ainda que
ética. Que me lembre, nunca houve órgão midiático, ou jornalista, capaz de
chegar tão longe.
Como haverão de reagir os barões e
seus sabujos? Quando surgiram os primeiros sinais da relação “Veja”-Cachoeira, logo anotados por “CartaCapital”, fomos
animadamente criticados, ou ignorados. O que, aliás, faz parte de hábitos e
tradições. Sim, o Brasil não é um daqueles países onde, se o tema é importante,
e válido porque baseado em fatos reais, contará com o interesse geral
independentemente de quem o levantou. A mídia lhe seguirá as pegadas
imediatamente.
Exemplo não muito distante, o chamado
mensalão mineiro. A respeito, “CartaCapital”,
entre novembro de 2005 e junho de 2006, publicou três reportagens de capa,
acolhidas, obviamente, pelo silêncio retumbante da mídia. Diga-se que, em
qualquer latitude de nossa política, o esquema de corrupção é sempre o mesmo.
Não pretendo esclarecer agora as razões pelas quais aos tucanos tudo se perdoa.
Observo apenas que, de súbito, uma ou outra coluna evoca nestes dias as mazelas
cometidas sob a proteção do ex-governador Eduardo Azeredo, com a expressão
arguta de quem avisa: depois não digam que não falamos disso…
A desfaçatez da turma não tem
limites. E por que não falaram na hora certa? Neste exato instante, não me
surpreenderei se o silêncio do abismo se fechar sobre as façanhas murdoquianas
de ‘Veja’.”
FONTE: escrito por Mino Carta e
publicado na revista “Carta Capital” (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/os-pecados-da-midia-nativa-por-mino-carta) [Imagens obtidas no Google e adicionadas por este blog
‘democracia&política’].
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