Para Joseph Stiglitz, os EUA
poderiam ter uma economia mais eficiente e estável se sua sociedade fosse mais
igual
Entrevista com Joseph Stiglitz realizada por Matthew Craft, da “Associated Press”; publicada no jornal “Valor”
“O que há de errado com a economia
americana? O crescimento segue aos trancos e barrancos. O desemprego está acima
de 8% há três anos e meio. Cortes nos impostos e nas taxas de juro não têm
funcionado, pelo menos não o suficiente. Para Joseph Stiglitz, vencedor de um
prêmio Nobel de Economia, o estranho comportamento da economia pode ser
atribuído ao crescente fosso entre americanos ricos e todos os demais.
Em seu novo livro, “O Preço da Desigualdade”, ele estabelece
um nexo entre o crescente endividamento dos que tomam empréstimos educacionais,
a bolha imobiliária e muitos outros problemas do país e maior desigualdade.
Quando os ricos continuam ficando
mais ricos, diz ele, os custos se acumulam. Por exemplo, é mais fácil escapar
da pobreza no Reino Unido e no Canadá do que nos EUA. “As pessoas na base da pirâmide têm menor probabilidade de realizar seu
potencial”, afirma.
Leia trechos da entrevista:
Valor:
Os protestos do movimento
“Ocupar Wall Street” já não são mais notícia, mas o senhor argumenta que a
desigualdade de renda é mais importante do que nunca. Como assim?
Joseph Stiglitz: Porque ela está piorando. Veja os
mais recentes números do FED (Federal Reserve, banco central dos EUA). A
riqueza mediana caiu 40% entre 2007 e 2010, levando-a de volta a onde estava no
início dos anos 90. Durante duas décadas, todo o crescimento da riqueza no
país, que foi enorme, foi para as pessoas bem no topo (da pirâmide). Podem ter
sido duas décadas prósperas. Mas não compartilhamos, todos nós, dessa
prosperidade. A crise financeira tornou isso realmente bem fácil de entender. A
desigualdade sempre foi justificada com o argumento de que aqueles no topo – “os criadores de emprego” [sic]–
contribuíram mais para a economia.
Depois, vieram 2008 e 2009, e vimos
esses sujeitos que colocaram a economia à beira da ruína levar centenas de
milhões de dólares para casa. E não era possível justificar isso em termos de
contribuição para a sociedade. O mito tinha sido vendido para as pessoas e, de
repente, ficou evidente para todos que não passava de uma mentira.
Mitt Romney qualificou as
preocupações com a desigualdade de “política
de invejosos”. Bem, isso está errado. Inveja seria dizer: “Ele está ganhando bem mais do que eu. Eu
tenho inveja disso’. O que dizemos é: “Por
que ele está ganhando tanto dinheiro, se ele nos trouxe para a beira da ruína?”
E os que trabalharam duro são aqueles que foram arruinados. É uma questão de
igualitarismo.
Valor:
O objetivo dos mercados
não é ser justo. Enquanto houver mercados, haverá vencedores e perdedores. O
que há de errado nisso?
Stiglitz: Não estou defendendo a eliminação da
desigualdade. Mas o extremo a que chegamos é muito ruim. Em particular, a forma
como ela é produzida. Poderíamos ter uma sociedade mais igual e uma economia
mais eficiente, mais estável, com maior crescimento. É essa, realmente, a
questão. Mesmo se você não tiver quaisquer valores morais e quiser apenas
maximizar o crescimento do PIB, esse nível de desigualdade será danoso. Não se
trata apenas de injustiça. A questão é que estamos pagando um preço alto. A
história que nos contaram é que a desigualdade era boa para nossa economia. Eu
estou contando uma história diferente, que esse nível de desigualdade é ruim
para nossa economia.
Valor: O senhor argumenta que
isso está fazendo nossa economia crescer mais lentamente e vincula isso aos que
querem viver de renda. Esse é um conceito de economista. Poderia explicar em
termos leigos?
Stiglitz: Algumas pessoas obtêm renda de seu
trabalho e algumas pessoas têm renda apenas porque são donas de um recurso. A
renda delas não é resultado de esforço. Elas estão recebendo uma fatia maior do
bolo, em vez de fazer o bolo crescer. Na verdade, eles estão fazendo o bolo
ficar menor.
Valor: É como, por exemplo,
eu instalar uma cobrança de pedágio num cruzamento movimentado e recolher todo
o dinheiro para mim.
Stiglitz: Isso mesmo. Você apenas recolhe o
dinheiro. Você não está agregando nada.
Valor: Onde o senhor vê isso
nos EUA? Poderia apontar para alguns exemplos?
Stiglitz: Nós vemos isso no caso das
companhias nos setores de petróleo e de recursos naturais e suas licenças para
exploração mineral e madeireira. Os bancos se envolveram na concessão de
empréstimos predatórios. Recentemente, as empresas Visa e MasterCard firmaram
acordos aceitando pagar US$ 7 bilhões por comportamento anticoncorrencial. Elas
cobravam dos comerciantes mais dinheiro, porque detêm poder monopolista.
Valor: O crescimento
econômico está esfriando novamente. O desemprego parece emperrado acima de 8%.
Isso é consequência de dívidas elevadas ou de gastos mais lentos?
Stiglitz: O problema fundamental não é a
dívida pública. Ao longo dos últimos anos, o déficit orçamentário foi resultado
de crescimento baixo. Se nos concentrarmos em crescer, teremos crescimento, e
nosso déficit cairá. Se nos concentrarmos apenas no déficit, não iremos a lugar
nenhum.
Essa fetichização do déficit está
matando nossa economia. E isso está ligado à desigualdade. Se assumirmos
medidas de austeridade, isso produzirá maior desemprego e alargará a
desigualdade. Os salários caem, a demanda agregada cai, a riqueza diminui.
Todos os donos de imóveis
endividados em nível superior ao próprio valor de suas casas não conseguem
consumir. Nós demos dinheiro para socorrer o sistema bancário, mas não demos
dinheiro para essas pessoas superendividadas. Elas não têm como gastar. É isso
que nos está fazendo afundar. São os gastos domésticos.
Valor: E as pessoas que têm
dinheiro para gastar, diz o senhor, gastam menos de cada dólar de sua renda. As
pessoas no topo da escala de renda poupam quase um quarto de sua renda. As
pessoas nos estratos mais baixos gastam cada centavo. É por isso que as
reduções tributárias parecem ter pouco efeito sobre os gastos?
Stiglitz: Exatamente. Quando você redistribui
dinheiro de baixo para cima, isso enfraquece a economia. E toda essa conversa
sobre os investimentos dos mais ricos no país é besteira. Não, eles não
investem aqui. Eles estão em busca de onde podem obter retornos mais elevados,
e estão procurando no mundo inteiro. Por isso, estão investindo na China e no
Brasil e na América Latina, nos mercados emergentes; não nos EUA.”
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