terça-feira, 21 de agosto de 2012

REFORMA AGRÁRIA, TOCQUEVILLE E A ESQUIZOFRENIA DAS ELITES


“Nenhum problema é mais revelador da esquizofrenia das elites brasileiras do que a questão da terra. Nós, brasileiros, que tanto prezamos campeonatos de todos os tipos, podemos nos constranger com desonrosa posição de destaque: somos um dos líderes mundiais em concentração fundiária.

Por Gilson Caroni Filho

"Eu defendo o direito de manifestação, esse direito é sagrado. Mas há momentos em que se abusa demais dele. O que eu vi hoje foi um desrespeito sem limites". Com essas palavras, o deputado Benedito de Lira (PP-AL) definiu a ação de integrantes do “Movimento Sem Terra” (MST) que bloquearam a BR-314, em protesto contra a proibição de se manifestarem em Marechal Deodoro, município alagoano onde a presidente Dilma inaugurou nova fábrica da Braskem.

O que denotam as palavras do parlamentar? Nenhum problema é mais revelador da esquizofrenia das elites brasileiras do que a questão da terra, particularmente o da Reforma Agrária. Convém lembrar que as grandes inteligências nacionais, desde os anos 1930, têm insistido que, enquanto o cerne do país for constituído pela lógica das grandes propriedades, a democracia como forma de governo será, entre nós, uma simples fantasia.

Nós, brasileiros, que tanto prezamos campeonatos de todos os tipos, podemos nos constranger com desonrosa posição de destaque: somos um dos líderes mundiais em concentração fundiária. Cerca de 1% dos proprietários rurais detêm 46% das terras cadastradas. O toque de ironia é que são os pequenos produtores sem terra (ou com muito pouca terra) que abastecem o mercado interno, enquanto os créditos, subsídios e financiamentos do Estado continuam, mesmo depois de quase 10 anos de governo progressista, sendo monopolizados pelo agronegócio.

O contingenciamento de 70% das verbas de custeio do “Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária” (INCRA) somado à acentuada redução do número de assentamentos são indicadores preocupantes nos dois primeiros anos do governo Dilma. Não há "Brasil Sem Miséria” sem reforma agrária efetiva. É preciso romper com o tempo em que "Planos Nacionais", tantas vezes remendados, na verdade significavam política de compromisso com os latifundiários para tornar inexequível qualquer avanço.

A solução perversa para resolver o problema consistia, simplesmente, em reduzir, dramaticamente, a população rural, empurrada para as grandes metrópoles em ritmos sem precedentes. O resultado era a proliferação de favelas, de periferias desassistidas e um exército de semicidadãos entregues à própria sorte em cidades carentes de recursos e equipamentos urbanos, terreno fértil para proliferação de clientelismos que entravaram gravemente o desenvolvimento da democracia.

Até à chegada de Lula à presidência, os governos que o precederam optaram por não aceitar a reforma agrária. Preferiram aceitar a imposição dos que gritam mais forte e que, há mais de 500 anos, dominam o Brasil. Abandonaram o país moderno, do operário urbano e rural, dos pequenos e médios proprietários, das classes médias e do empresariado progressista. Escolheram o passado, no que ele tem de mais retrógado, no que ele preserva de práticas oligárquicas e excludentes.

Ignoram uma lição histórica de grande valia: não há país capitalista que tenha deixado de intervir decisivamente nesta questão. A Áustria dos canaviais e a França dos bons vinhos são os exemplos mais aparentes onde o interesse social predominou sobre o individualismo egoísta.

Se realmente pretendemos uma sociedade inserida em moldes mais equilibrados, necessitamos ter presente que não a alcançaremos sem reforma agrária que enterre seu bisturi diretamente nessas desigualdades. Inglaterra, Holanda, Suécia, Estados Unidos e França já o fizeram há séculos. Japão, Itália, México e outros países, mais recentemente. Isto sem pensar nos países socialistas, que intervieram na propriedade de terra no bojo de revoluções socialistas. E nós, quando o faremos? Ou vamos continuar ostentando os maiores latifúndios do mundo?

Nunca é demais lembrar que, para um partido que nasceu dos impulsos dos movimentos de massa, das greves e das lutas populares, certas soluções de compromisso têm prazo de validade definido. Dar ouvidos às ponderações de João Pedro Stédile, mantendo o diálogo permanente com os setores organizados da sociedade, é reafirmar a crença na política como atividade própria dos setores excluídos que querem participar, legal e legitimamente, de todas as decisões da sociedade.

A burguesia não quer hoje a reforma agrária, porque o Brasil, ao contrário do que ocorreu nos países citados, está tentando se desenvolver mantendo intactas as estruturas do latifúndio. Mas todas as classes e suas frações, não; pois sabem que sua sobrevivência e dignidade dependem de um país igualitário, humano, solidário, dependendo isso da intervenção decidida na questão da terra.

Como dizia oportunamente Tocqueville a propósito da jovem democracia americana: "a arte de se associar se desenvolve na exata medida em que as condições de igualdade crescem". Certamente, a presidente conhece esse trecho, mas nunca é demais uma releitura em momentos de turbulência.”

FONTE: escrito por Gilson Caroni Filho, professor de Sociologia das “Faculdades Integradas Hélio Alonso” (FACHA), no Rio de Janeiro, colunista da “Carta Maior” e colaborador do “Jornal do Brasil”. Artigo publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5734). ) [Imagem obtida no Google e adicionada por este blog ‘democracia&política’].

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