O ministro Lewandowski pronuncia seu voto (Foto de Fellipe Sampaio, SCO/STF).
LEWANDOWSKI ABSOLVE JOÃO PAULO CUNHA E PROVOCA A CORTE SOBRE OS R$ 7
MILHÕES DESTINADOS À MÍDIA
Revisor diverge do relator e pede absolvição de
João Paulo Cunha
“O Ministro Ricardo Lewandowski afirma que a maior
parte dos R$ 10,9 milhões repassados pela Câmara à agencia de Marcos Valério e
sócios foi destinada ao pagamento de publicidade veiculada pela mídia. E
provoca: se a corte entender que houve subcontratação ilegal de serviços, como
propõe a defesa, terá que pedir ressarcimento dos R$ 7 milhões pagos aos
veículos de comunicação do país. Os advogados presentes à corte acreditam que o
voto de Lewandowski muda a perspectiva do julgamento.
O revisor do processo do “mensalão”, ministro
Ricardo Lewandowski, inocentou o ex-presidente da Câmara, deputado João Paulo
Cunha (PT-SP), candidato à prefeitura de Osasco nas eleições deste ano, de
todas as quatro acusações que pesavam contra ele: uma de corrupção ativa, duas de peculato e outra de lavagem de
dinheiro.
O voto foi comemorado pela maioria dos advogados
presentes à sessão, que o consideraram uma reviravolta no processo que, até
então, vinha corroborando com todas as acusações da defesa.
O ponto mais polêmico foi a interpretação de que
João Paulo Cunha não cometeu peculato ao permitir a subcontratação de serviços
pela agência SMP&B, de Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach.
Enquanto a defesa sustenta que a empresa
subcontratou, irregularmente, 99,9% dos serviços prestados, o revisor afirma,
com base em parecer do Tribunal de Contas da União (TCU) e laudo da Polícia
Federal (PF), que o percentual real foi de 88,62%, o que atende aos padrões
convencionais do serviço.
O ministro comprovou que, dos R$ 10,9 milhões
movimentados pela SMP&B, cerca de R$ 7 milhões foram destinados à mídia,
para o pagamento de propaganda veiculada. “Se
essa corte entender que o percentual de subcontratação foi de 99,9%, terá que
pedir ressarcimento dos R$ 7 milhões recebidos de boa fé pelos veículos de
comunicação do país”, provocou.
Segundo relação apresentada pelo ministro, a TV
Globo foi a campeã em recebimento de verbas públicas para publicidade (R$ 2,7
milhões), seguida pelo SBT (R$ 708 mil) e pela Record (R$ 418 mil). Entre os
impressos, o Grupo Abril, que edita a revista “Veja”, foi quem mais lucrou (R$
326 mil), seguido pelo “Grupo Estado” (R$ 247 mil) e pelo Grupo Folha (R$ 247
mil). A “fundação Vitor Civita”, do “Grupo Abril”, recebeu outros R$ 66 mil.
Com a descaracterização das subcontratações
ilícitas, o ministro desmontou a tese sustentada pela defesa — e corroborada pelo ministro relator, Joaquim
Barbosa — de que a SMP&B desviou da Câmara quase R$ 2 bilhões em
comissões pagas pelos veículos de comunicação pela publicidade veiculada, os
chamados “bônus de volume”.
“O voto do
ministro Lewandowski deixa muito claro que não houve crime de peculato, porque
a SMP&B prestou todos os serviços para os quais fora contratada. E ele fez
isso invocando o parecer do TCU e o laudo da PF, o que é muito importante
porque mostra que os honorários recebidos foram frutos de prestação de serviço
cumprida”, afirmou Alberto Toron, que defende Cunha.
Lewandowski refutou, também, a acusação de que o
ex-presidente da Câmara tenha cometido um segundo peculato, ao autorizar a
subcontratação da empresa de comunicação IFT, do jornalista Luís Costa Pinto,
para lhe prestar assessoria individual.
Segundo o revisor, a IFT prestou serviços para a
Câmara, conforme testemunho de diversos deputados, jornalistas, peritos e
técnicos ouvidos na instrução penal. E não para o deputado.
Ele, inclusive, questionou por que o MP não
denunciou o proprietário da agência como coautor do crime, já que sustenta a
tese de peculato.
“Se João
Paulo Cunha tivesse cometido esse crime, o jornalista Luís Costa Pinto seria
coautor”, sustentou. Lewandowski lembrou, também, que, antes de criar a
empresa para prestar serviços à Câmara, Costa Pinto trabalhou em grandes
veículos da mídia, como a revista “Veja” e o jornal “Correio Braziliense”.
O ministro refutou a acusação do Ministério Público
Federal (MPF) de que Cunha recebeu R$ 50 mil de propina para favorecer a
SMP&B em licitação da Câmara. Segundo ele, a licitação foi feita dentro do
padrão legal. E os R$ 50 mil, comprovadamente, foram repassados ao réu pelo PT,
para que o deputado pagasse serviços de pesquisa eleitoral.
Ele enfrentou, ainda, a acusação de que Cunha teria
cometido crime de lavagem de dinheiro, ao pedir a sua esposa que sacasse o
dinheiro em uma agência do Banco Rural. Para o revisor, ao contrário de outros
corréus, que recorreram a laranjas para ocultar a origem e a destinação do
dinheiro, o ex-presidente da Câmara fez tudo “às claras”.
REAÇÃO CONTRÁRIA
O ministro-relator, Joaquim Barbosa, não concordou
com os argumentos do colega. No final da leitura do voto do revisor, pediu um
espaço para réplica, a ser concedido no início da próxima sessão da corte,
marcada para segunda (27). Lewandowski rebateu com um pedido de tréplica, que
não foi acatado pelo presidente da corte, ministro Ayres Britto.
“Nunca vi um
pedido de tréplica e nem o voto do revisor ser maior do que o do relator”,
afirmou Joaquim Barbosa à imprensa, em rápida entrevista no final da sessão. De
acordo com ele, sua réplica é importante porque irá responder a todos os
questionamentos apresentados pelo revisor. “Quase
metade do voto dele [revisor] diverge do que apresentei até agora. Minha
intervenção, na segunda, vai servir para iluminar o voto dos outros ministros”,
acrescentou.
De acordo com o que antecipou à imprensa, Barbosa
vai esclarecer, por exemplo, que o jornalista Luís Costa Pinto está respondendo
processo por improbidade administrativa em primeira instância. E defender que,
apesar de ter sido a esposa de Cunha a sacar os R$ 50 mil, o repasse foi feito
pelo mesmo esquema criminoso utilizado pela SMP&B para lavar outros
recursos.
Lewandowski saiu da corte sem falar com a imprensa.
MUDANÇA DE PERSPECTIVAS
Os advogados presentes à corte acreditam que o voto
de Lewandowski muda a perspectiva do julgamento. “Foi um belo voto. Sem dúvida alguma, uma reviravolta no processo”,
avaliou o advogado José Carlos Dias, que defende a ex-dirigente do Banco Rural,
Kátia Meirelles.
Para ele, a nova perspectiva aberta com a
interpretação do revisor pode fazer justiça a outros réus, também acusados por
crimes semelhantes. “O voto do revisor
faz uma análise equilibrada e típica de juiz”, afirmou o advogado Marcelo
Leonardo, que representa o publicitário Marcos Valério.
“Ele deixou
muito claro como funciona, por exemplo, a questão do bônus de volume, que a
acusação e o ministro relator parecem não ter entendido”, acrescentou. O
advogado lamentou, apenas, que a linha de interpretação apresentada na quinta
não tenha norteado o item anterior do voto do revisor, que tratou das relações
do seu cliente com o ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil, Henrique
Pizzolato, na sessão de quarta (22).”
Nenhum comentário:
Postar um comentário