sexta-feira, 19 de setembro de 2008

LE MONDE ELOGIA O BOLSA FAMÍLIA

NO BRASIL, GOVERNO PAGA BOLSA PARA QUEM VAI À ESCOLA

Por Jean-Pierre Langellier, no Le Monde, e tradução de Jean-Yves de Neufville (UOL Mídia Global; li no “Vermelho”):

"Sem esse dinheiro, não daria para chegar ao fim do mês", salienta Maria, 46 anos, uma desempregada. "Para mim, esta é uma ajuda vital", comenta Sandra, 43 anos, que sobrevive fazendo bicos como costureira. "Graças a esta quantia, os meus filhos podem estudar", conta Socorro, 45 anos, "ao passo que no meu caso, quando eu era criança, em vez de um lápis e de um caderno, tudo o que me ofereceram foi uma pá de cavar". Essas três mães de família brasileiras, muito pobres, fazem a mesma avaliação favorável a respeito da mais bem-sucedida das iniciativas sociais do governo Lula: o programa "Bolsa Família".

Implantado em 2003, este "mecanismo condicional de transferência de recursos" - conforme é chamado pelos especialistas - funciona com base num princípio simples. O Estado brasileiro deposita uma ajuda mensal para as famílias "pobres" e "muito pobres", com a condição de que as suas crianças, caso existam, sejam escolarizadas e que elas possam apresentar uma caderneta de vacina em dia.

O montante desta alocação varia em função da renda da família e do número de filhos dependentes. É considerada como "muito pobre" uma família que dispõe de uma renda mensal por cabeça inferior a R$ 60. Ela recebe uma indenização de base de R$ 62, quer ela tenha filhos ou não. Uma família "pobre", na qual a renda por cabeça situa-se entre R$ 60 e R$ 120, não tem direito a esta indenização.

Quer ela seja "pobre" ou "muito pobre", uma família recebe uma quantia de R$ 20 para cada criança escolarizada de menos de 15 anos, e para o número máximo de três crianças; e de R$ 30 para cada adolescente escolarizado de menos de 17 anos, dentro do limite de dois beneficiários. No total, uma família "pobre" pode receber até R$ 120, e uma "muito pobre" até R$ 182. No plano geral, 46 milhões de pessoas que integram 12 milhões de famílias são beneficiadas pelo programa Bolsa Família, ou seja, um em cada quatro brasileiros. Neste universo, apenas um número muito reduzido de famílias - 0,05% - tem direito a receber a quantia máxima.

O dinheiro é transferido preferencialmente para a mãe de família, que deve abrir uma conta corrente para este fim e recebe um cartão de débito emitido pela Caixa Econômica Federal. A Caixa é um banco de Estado e o segundo estabelecimento mais importante do país. Essa remessa direta permite reduzir os riscos de corrupção e de clientelismo. O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, confia muito mais nas mulheres do que nos homens para administrarem essa ajuda financeira. "Um homem", explica Lula, "apresenta um risco maior, pois ele estará mais inclinado a sentar ao balcão de um bar e a gastar o dinheiro com aperitivos. Já, uma mulher tenderá a priorizar seus filhos".

O programa "Bolsa Família" é o primeiro programa social que resulta de uma cooperação estreita entre os três níveis de poder no Brasil, o federal, o estadual e o municipal. As autoridades locais elaboram a lista dos beneficiários, enquanto o governo central se encarrega das remessas de dinheiro. Um sucessor do Bolsa Escola, o qual foi uma experiência lançada em Brasília em 1994 que, desde então, se generalizou, o Bolsa Família acabou juntando diversos mecanismos de ajuda. Ele é atualmente o maior programa em todo mundo de transferência de dinheiro em proveito de famílias pobres.

O programa "Bolsa Família" almeja vários objetivos. O primeiro visa a fazer com que cada brasileiro possa se alimentar a contento; o segundo é de obrigar cada criança a cumprir seu ciclo de escolarização obrigatória de oito anos, num país onde o trabalho é legalmente autorizado apenas a partir de 16 anos; o terceiro consiste em fazer com que os mais pobres possam ser beneficiados pelos serviços públicos disponíveis nos setores da educação e da saúde, e, com isso, possam exercer seus direitos de cidadão. Por fim, ele lhes proporciona os meios necessários para participarem, nem que seja de maneira humilde, da vida econômica.

As quantias que são remetidas para cada família podem parecer, à primeira vista, modestas, e até mesmo irrisórias. Mas elas já contribuem efetivamente para combater a pobreza e reduzir as desigualdades, de modo mais eficiente do que os aumentos periódicos do salário mínimo, os quais são fortemente corroídos pela inflação. Além disso, elas melhoram de imediato a vida cotidiana de milhões de brasileiros. Mais tarde, no longo prazo, elas mudarão sem dúvida o destino dos mais novos, proporcionando-lhes um nível de educação mais elevado que ampliará seu horizonte profissional.

A proporção de pobres no Brasil diminuiu, passando de 34%, em 2003, para 25% em 2006. A evolução do índice Gini (um coeficiente criado pelo italiano Corrado Gini, que mede o grau de desigualdade na distribuição da renda numa determinada sociedade) aponta uma redução sensível das desigualdades sociais no país no decorrer do mesmo período. Em 2007, 1,4 milhão de famílias perderam o benefício do Bolsa Família, após terem ultrapassado, indo na direção certa, o limite de pobreza.

A melhora, proporcionada por este programa, das perspectivas de vida de uma parte do eleitorado popular fez com que o presidente Lula fosse reeleito facilmente em 2006 e, desde então, permitiu aumentar o volume daquilo que chamam aqui de o seu "colchão de popularidade" (65% de opiniões favoráveis). O forte crescimento econômico que foi registrado neste ano complementou os aspectos positivos deste quadro. Diante disso, dá para entender por que Lula, um aficionado de referências cristãs, chegou a comparar os efeitos do programa "Bolsa Família" com o milagre da multiplicação dos pães.

Citado como exemplo no exterior, o programa Bolsa Família peca por conta de alguns defeitos. Destes, o mais grave foi corrigido no mês de março quando o governo redefiniu de 15 para 17 anos a idade dos adolescentes beneficiados. Até então, um adolescente em cada cinco preferia abandonar a escola aos 15 anos, uma idade na qual ele não "rendia" mais nada para a sua família, para tentar ganhar a vida por conta própria. Com isso, cerca de 2 milhões de jovens com idades de 15 a 17 anos acabam ficando numa encruzilhada, pois eles não encontram nenhum emprego e não possuem a bagagem escolar suficiente para tanto.

Contudo, o "Bolsa Família" tem sido alvo de uma crítica mais geral. Ele seria paternalista e manteria seus beneficiários alienados por uma mentalidade de assistido, vinculada à sua dependência crônica em relação ao Estado. Ele também provocaria um "efeito de preguiça", incitando-os a se contentarem com o mínimo e dissuadindo-os de tentarem melhorar sua situação.

À luz de uma série de investigações no terreno, essa crítica revela ser amplamente infundada. A quantia média recebida por uma família pobre é três ou quatro vezes mais reduzida do que o salário mínimo (RS$ 180). Portanto, de qualquer maneira, mais vale descolar um emprego, mesmo que este seja pouco qualificado. Longe de serem indolentes, as famílias interessadas trabalham, de fato, muito mais do que as outras.

Uma outra queixa dirigida ao programa Bolsa Família sublinha que ele redistribui dinheiro e favorece artificialmente o consumo, mas não estimularia a produção. Com efeito, ele é simplesmente um remédio pontual e parcial contra a miséria: nada mais e nada menos do que isso. Contudo, Lula mostra-se satisfeito por ver os pobres se tornarem consumidores, principalmente nas regiões mais prejudicadas pela pobreza, como o Nordeste: "Eu quero que eles comprem uma geladeira, uma televisão, roupas, calçados. É preciso acabar de uma vez por todas com os preconceitos em relação aos pobres".

O governo pretende fazer do programa "Bolsa Família" um instrumento, entre outros, de inclusão social, suscetível de incentivar os empréstimos e a poupança, o espírito de iniciativa, o investimento e a procura de um emprego. O cartão de débito fornecido pela Caixa constitui um precioso documento que permite, por exemplo, obter um microcrédito, ainda que esta seja uma prática ainda pouco comum no Brasil.

O programa Bolsa Família amplia, sobretudo, o acesso à educação, a qual representa a melhor arma, no Brasil ou em qualquer lugar do planeta, contra a pobreza. Neste campo, as mentes andaram evoluindo com uma lentidão excessiva. Segundo uma recente pesquisa de opinião, o direito à educação para todos ocupa apenas o 7º lugar entre as prioridades e as preocupações dos brasileiros, depois do emprego, da saúde, da segurança, das drogas, da corrupção e da fome.

Conforme sublinha Marcelo Néri, um economista na Fundação Getulio Vargas, o programa "Bolsa Família" possui um valor simbólico: ele mostra de que maneira um governo de esquerda procura arrancar a população da pobreza, incitando-a a se integrar no mercado. Para tanto, ele aloca um orçamento modesto para este programa, equivalente a 0,8% do PIB. Ou seja, é o que muitos chamariam, em outras circunstâncias, de um bom retorno para um investimento”.

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