Como tantos personagens da América
Latina, Hugo Chávez morreu como objeto da história.
Por Paulo Moreira Leite, na revista
“Istoé”
“Não teve direito a contar sua
própria versão dos fatos. Não foi ouvido nem pôde explicar-se. Foi explicado,
analisado e julgado – por adversários e
inimigos.
Num continente onde a elite política
convive com a má consciência de quem nada fez de relevante pela melhoria das
condições de vida do povo, mas nem por isso abre mão de 100% do conforto que só
um imenso egoísmo social permite, o combate a toda liderança nascida fora de
seu berço é uma necessidade permanente.
Se ainda em 2012, 58 anos depois
daquele tiro no peito, ainda se publicam livros em que Getúlio Vargas é chamado
de fascista, salazarista, franquista...
Sabemos o que se faz com Lula.
Imagine-se o que será feito com Chávez.
Embora um de seus antecessores
estivesse na lista de autoridades pagas pela CIA, Chávez é chamado de inimigo
da democracia.
Embora tenha sido vítima de um golpe
de Estado articulado por empresários e militares conservadores e com apoio
imediato de Washington, foi chamado de autoritário. Fez um governo que pela
primeira vez enfrentou um ambiente de desigualdade social histórica e foi
chamado de populista. Melhorou a saúde pública, especialmente os índices de
mortalidade infantil, para patamares aplaudidos pela OMS. Foi chamado de
demagogo.
A retórica é conhecida. Para se recordar
que há muito a ser feito -- o que é
certíssimo --, tenta-se minimizar o pouco que conseguiu ele realizar, ainda
que este seja essencial para quem não tinha nada.
É um problema de ponto de vista. É
assim na história daqueles que não conseguiram o direito de narrá-la. Mas algo
está mudando e Chávez, com suas qualidades e seus defeitos, é parte dessa
novidade. Sempre se evitará comparar Hugo Chávez com seus adversários, por
uma razão muito simples.
Na soma de qualidades e defeitos,
acertos, erros e desastres, seus antecessores foram muito piores. E é por isso
que, mesmo com inflação alta, crescimento baixo e até falta de comida em
determinados momentos, nunca deixou de vencer eleições, cuja legitimidade
sempre foi reconhecida por observadores isentos, como Jimmy Carter.
A falta de espelho permite grandes
atrocidades – morais, políticas,
históricas – sem que seja possível corar de vergonha.”
FONTE: escrito por Paulo
Moreira Leite, da revista “Istoé”. Transcrito no portal de Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/paulo-moreira-leite-chavez-morreu-como-objeto-da-historia). [Imagem do Google adicionada por este blog
‘democracia&política’].
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