Da “Folha”
Por Antonio Delfim Netto
“Quando em 2010 o ministro Mantega
usou a expressão "guerra cambial", para caracterizar a consequência
não intencional da política de afrouxamento monetário dos bancos centrais dos
países desenvolvidos, foi submetido a um impiedoso ataque dos sacerdotes que se
supõem os guardiões da "verdadeira" teoria econômica com relação à
qual, aliás, diziam que ele teria pouca familiaridade...
Assistimos a um festival externo e
interno de obviedades e cinismo. Ben Bernanke, do FED, declarou que o valor do
dólar americano flutuava "ao sabor
do mercado" e que nunca fora objeto de preocupação explícita da
política econômica dos EUA. Mario Draghi, do Banco Central Europeu, disse quase
a mesma coisa. Revelou que o valor do euro era sim uma preocupação da política
econômica da Comunidade Europeia, mas não era seu objeto.
As respostas ignoravam o problema
levantado pelo ministro brasileiro. Ele nunca afirmou que havia uma política
explícita de desvalorização das moedas. O que ele afirmou, e afinal
verificou-se que é verdade, é que, mesmo não tendo essa intenção, a política
monetária que expande a liquidez para combater a recessão produz aquele efeito colateral.
E o que importa é o efeito da medida, não a sua intencionalidade.
Pois bem. Um recente e competente
trabalho dos economistas Reuven Glick e Sylvain Leduc ("Unconventional Monetary Policy and the
Dollar", abril, 2013), do “Federal Reserve Bank” de San Francisco,
concluiu que, "mesmo quando o FED não
objetiva o dólar, o anúncio de mudanças na política monetária pode alterar o
seu valor. Antes da crise financeira de 2007-2009, o valor do dólar costumava
cair quando o FED reduzia taxa básica ("federal funds"). Desde a
crise, os anúncios da expansão monetária, através de mecanismos não
convencionais (o "monetary easing"), têm tido efeito semelhante no
valor do dólar".
O trabalho mostra que as
"surpresas" produzidas pelo aumento da liquidez que resulta da
política monetária laxista têm efeito substancial sobre o valor do dólar.
"De fato --conclui o artigo--, um
afrouxamento monetário não esperado que reduz em 1% a taxa de juros dos bônus
do Tesouro de longo prazo, produz, em 30 minutos, um declínio de 3% do valor
efetivo do dólar".
Como todo trabalho econométrico, esse
também espera contestação. Enquanto ela não vier, temos de nos render ao fato
de que o ministro tinha alguma razão.
Isso mostra como é ilusória a ideia
que, em algum lugar ou em algum tempo, tenha existido um sistema de câmbio ‘livremente flutuante’, independente das
políticas fiscal e monetária.”
FONTE: escrito por Antonio Delfim Netto. Publicado na
“Folha de São Paulo” e transcrito no portal de Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-politica-de-desvalorizacao-monetaria-por-delfim-netto). [Imagens do Google adicionadas por este blog
‘democracia&política’].
Nenhum comentário:
Postar um comentário