Por Renata Giraldi, repórter da Agência Brasil
“No que depender do Brasil, as
autoridades e a sociedade da Venezuela resolverão o impasse atual, sem
interferência externa, exceto se for para contribuir na busca do consenso. A
avaliação foi feita pelo ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, de
58 anos, à “Agência
Brasil”. “A era da
ingerência por parte de potências hemisféricas ou de outras regiões está
ultrapassada”. Patriota ressaltou, ainda, que não há data definida para o
retorno do Paraguai aos blocos regionais, mesmo após as eleições de hoje (21).
Ele avaliou, também, que
determinadas situações de crise, como é o caso da Síria, que dura dois anos,
dependem de liderança e também de “boa vontade”. “[Tudo isso] exige criatividade, liderança e boa vontade.”
Patriota analisou, ainda, a relação
com a Argentina, a situação dos brasileiros presos na Bolívia e dos imigrantes
haitianos no Norte do Brasil, a crise na Península Coreana e a visita da
presidenta Dilma Rousseff aos Estados Unidos.
Atento para escolher cada palavra, o
chanceler disse que costuma associar sua experiência de 34 anos na diplomacia
com a intuição e sensibilidade. Na busca pelo equilíbrio, Patriota toca piano,
pelo menos, uma vez por dia.
A seguir, os principais trechos da
entrevista do chanceler:
Agência
Brasil - O clima tenso na Venezuela pode
prejudicar a governabilidade?
Antonio Patriota - Temos confiança nas instituições venezuelanas. Houve uma missão de acompanhamento eleitoral que emitiu um comunicado dizendo que os resultados devem ser respeitados. Lamentamos a violência que se produziu e esperamos que a situação volte ao normal. Esperamos que essa tensão tenha sido episódica e vamos acompanhar o desenrolar dos acontecimentos. O importante aqui é a sociedade venezuelana procurar a conciliação, porque são muitos os desafios, apesar dos avanços nos últimos anos.
ABr - Há quem acredite que a
instabilidade leve à ingerência externa, ações de outros países na Venezuela,
por exemplo. O que o senhor defende?
Patriota - Partimos do princípio que isso não é aceitável. Uma coisa é a cooperação, aquela que é buscada pelo país, que é livre para escolher seus parceiros e estabelecer as condições. A era da ingerência por parte de potências hemisféricas ou de outras regiões está ultrapassada e espero que não volte, pois trabalhamos para isso, já que somos sociedades democráticas e que se integram cada vez mais e se fortalecem também.
ABr - Com as eleições no Paraguai, já se
pode pensar no fim da suspensão do país do MERCOSUL e da União de Nações
Sul-Americanas (UNASUL)?
Patriota - A eleição é agora, mas a posse é só em agosto. Existe um grupo, criado em decorrência da decisão de suspensão do Paraguai [em junho de 2012, devido à divergência dos líderes sobre a forma (quase instantânea) como o então presidente Fernando Lugo foi destituído do poder] sob coordenação do ex-presidente peruano Salomón Lerner, que manteve contato com as autoridades eleitorais paraguaias. Os países aguardarão um relatório. Ainda não há definição de passos, mas imagino que poderá haver uma reunião da UNASUL para tomar nota, mas poderá ser uma reunião com vice-ministros. Minha expectativa é que o processo seja respeitado, mas aguardaremos o pleito e as observações para nos certificar.
ABr - Nos últimos dias, o governo
enfrentou um impasse envolvendo a imigração haitiana. Será que a ação conjunta
federal resolverá a questão?
Patriota - É preciso diferenciar vários aspectos da questão. O Brasil está disposto a acolher imigrantes haitianos que preencham certos requisitos básicos, como atestado de bons antecedentes e que desejem trabalhar no Brasil, até mesmo abrindo certa flexibilidade sobre contratos de trabalho. Em manifestação de solidariedade à sociedade haitiana em função de anos de instabilidade, mas também devido ao terremoto [ocorrido em 12 de janeiro de 2010], temos o objetivo de combater a imigração que é favorecida por intermediários que atuam à margem da lei, que é inaceitável e que [caracteriza] violação de direitos humanos. É com esse espírito que buscamos intensificar a cooperação com o Peru, a Bolívia e o Equador para que a imigração transcorra no marco da legalidade e ajude a combater essas redes de intermediários [os chamados coiotes].
ABr - Mas as autoridades do Acre se
queixaram, inicialmente, da falta de apoio do Ministério das Relações
Exteriores, Itamaraty. Como o senhor responde a isso?
Patriota - Eu entendo a frustração com as autoridades acrianas ao se verem confrontadas com uma situação inusitada para o Estado com a apreensão de influxo inesperado de imigrantes. Então, o elemento surpresa é de compreensível preocupação, mas tenho certeza que elas apreciam os esforços feitos pelo governo federal. Mas é preciso diferenciar que o Itamaraty colabora, mas não tem o papel de liderança. Mas não nos furtamos em participar dessas ações. Há preocupação do governo peruano com eventuais efeitos negativos do fluxo migratório. Estamos trabalhando nisso também e estamos acompanhando.
ABr - Com a Argentina, há reclamações
dos empresários brasileiros sobre os obstáculos impostos pelo governo
argentino, como agora com a questão da Vale, cujas atividades foram suspensas
no país pela empresa, que se queixa da elevação dos custos para a manutenção do
projeto de potássio, em Mendoza. Será que a diplomacia consegue uma solução
para isso?
Patriota - A diplomacia está sempre a serviço da busca de encaminhamento de temas. Mas também há de reconhecer que existem decisões que são tomadas a partir de considerações dos agentes do setor privado. A suspensão das atividades da Vale foi decidida pelo conselho da empresa. Há situações em que as decisões são tomadas pelos atores privados. É o caso. Em relação à Argentina, podem surgir situações, comerciais e de investimentos, mas é um país que é parceiro estratégico. Nosso futuro está indissociável e juntos chegaremos mais longe do que separados. Não há o chamado “plano B”, como dizem alguns empresários. Mas isso não significa que não tenhamos de trabalhar na busca da superação das dificuldades.
ABr - O senhor, quando esteve no Senado,
foi cobrado pelos parlamentares sobre a situação dos 12 brasileiros presos, em
Oruro, na Bolívia. Há perspectivas de libertação deles, como estão as
negociações?
Patriota - O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, esteve na Bolívia esta semana e estamos trabalhando em coordenação, pois há responsabilidades comuns. O embaixador do Brasil, Marcel Biato, está liderando uma ação diplomática e humanitária. Não é uma situação simples: um cidadão boliviano perdeu a vida, um torcedor e jovem [Kevin Espada, de 14 anos, morto em fevereiro por um sinalizador durante jogo do Corinthians com o San José, na Bolívia]. Como no caso de Boston [que explosões provocaram mortes e feridos], não se pode deixar de sensibilizar perdas de vida a eventos que devem ser a celebração da vida, que é o esporte.
ABr - A imprensa internacional diz que a presidenta Dilma Rousseff fará uma visita de Estado aos EUA. Isso está confirmado?
Patriota - Já conversei algumas vezes com o secretário [de Estado norte-americano, o equivalente a chanceler no Brasil] John Kerry, por telefone, e temos abordado assuntos bilaterais, como o da agenda de paz e segurança internacional, como Síria e Irã. Estamos definindo um horário até o final do mês. Não posso antecipar os resultados da reunião. Eu não excluiria a [hipótese de viagem da presidenta aos Estados Unidos] até o final do ano.
ABr - Observando a crise na Síria, que
dura dois anos, ela parece insolúvel, o senhor tem a mesma percepção?
Patriota - Essa palavra insolúvel não deve fazer parte [da vida] do diplomata. Com a dose certa de liderança política, é possível superar situações que parecem difíceis, complexas e sem esperança. A questão da Síria é uma questão que nos preocupa pela escala de destruição que já ocorre hoje, com dezenas de milhares de mortos, elementos e ingredientes muito preocupantes sob o ponto de vista de desestabilização em uma das regiões mais tensas do mundo. Sempre lembro que a questão Israel-Palestina, talvez, seja o principal desafio para o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, mas também que não deve ser visto como insolúvel. [Tudo isso] exige criatividade, liderança e boa-vontade. O Brasil tem sido chamado a colaborar.
ABr - Como o Brasil pode contribuir na
busca pelo fim do impasse na Síria?
Patriota - Converso muito com interlocutores da região e dos [países] que fazem parte do Conselho de Segurança, da União Europeia e dos Estados Unidos. Há, também, um grupo formado por Brasil, Turquia e Suécia, que troca informações sobre Síria, Israel, Palestina e Irã. Temos mantido postura que favorece o diálogo, a paz, condena as violações e [busca a] plena utilização dos mecanismos multilaterais. Não somos favoráveis a sanções unilaterais contra um grupo ou outro. O Brasil sempre deixou clara a responsabilidade primordial do governo, no respeito aos direitos humanos e na contenção da violência. Mas a verdade é que existem elementos desestabilizadores associados a agendas fundamentalistas. Consideramos preocupante que diferentes atores tenham disposição de armar as diferentes disputas.
ABr - Qual a avaliação que o senhor faz
na Península Coreana? A impressão é a de que possa ocorrer uma guerra a
qualquer momento?
Patriota - A crise na Península Coreana tem momentos de intensificação e de relativa estabilidade. É interessante e significativo que não houve pedidos de reunião no Conselho de Segurança sobre o tema. Isso significa que as maiores potências [Estados Unidos, Rússia, China, Coreia do Sul, Coreia do Norte e Japão], de mais influência na península, estão em contato umas com as outras e procurando um caminho. A visita do John Kerry na região foi importante. O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, que é sul-coreano, está muito atento a essa situação. Vale lembrar, também, que pode haver diferenças de ênfase, mas, no conjunto, o Conselho de Segurança adotou uma resolução de repúdio aos ensaios nucleares e de sanções. Há consenso contrário à nuclearização da Coreia do Norte.”
FONTE: reportagem de Renata Giraldi, da Agência Brasil (edição de Talita
Cavalcante) (http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-04-20/era-de-ingerencia-de-potencias-esta-ultrapassada-destaca-patriota).
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