“O desafio é que não podemos
investigar a mente de fora para dentro. A mente tem de entender a si própria”
Por
Marcelo Gleiser
“Continuando minha discussão sobre
as "Três Origens", após a origem
da vida e do Universo nas
semanas anteriores, hoje trato do tema talvez mais complexo: nossa mente. Minha intenção é apenas
levantar alguns pontos que, espero, poderão inspirar debates sobre o assunto.
Foi Descartes quem, no século 17,
famosamente escreveu "penso, logo
existo". Para ele, mente e matéria eram coisas separadas. Nossa
capacidade de reflexão não poderia ser reduzida a processos meramente
materiais. A essência da razão é o pensamento, e a da matéria é a extensão.
E já que a física lida com processos
materiais, a mente não é uma entidade física. O dualismo de Descartes garante
que a física pode ser aplicada à matéria sem se enrolar tentando explicar a
mente.
Hoje, essa separação não vinga.
Existe apenas matéria, ou pelo menos não temos razão para supor que exista uma
entidade imaterial capaz de interagir com a matéria. Do ponto de vista
científico, algo imaterial não pode interagir com a matéria. Se existe uma
interação, deve ser descrita pelas leis da física. Num exemplo meio prosaico,
se alguém crê ter visto um fantasma, esse fantasma emitiu radiação
eletromagnética no visível. Para ser visto, o fantasma interagiu com seu
sistema visual e é uma entidade física, não tendo nada de sobrenatural.
Nosso cérebro, pesando em torno de 1,3 kg e com 86 bilhões de neurônios -
número que, graças à pesquisa de Suzanna
Herculano-Houzel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é bem menor do que
os populares 100 bilhões- é a entidade mais complexa que conhecemos. A
questão central das ciências cognitivas é saber como a rede neuronal, coligada
através de trilhões de sinapses, gera a mente.
Outra, é saber como a mente gera a consciência,
que pode ser definida como a capacidade que temos de refletir sobre nós mesmos.
De certa forma, existe um paralelo
entre a origem da mente e a da vida. Podemos entender a vida como uma propriedade emergente da matéria, algo que ocorre
quando as reações químicas em um volume isolado (a célula) tornam-se capazes de
se alimentar e de se reproduzir de forma autônoma. Seguindo o paralelo, a mente é uma propriedade emergente do
cérebro, que ocorre quando o cérebro atinge certo nível de complexidade
neuronal. Ninguém sabe como ainda.
Existe também o aspecto
evolucionário, as mudanças no cérebro desde espécies mais primitivas até o
homem. A inteligência atua em níveis
diversos, e defini-la é um problema. Existe o conceito de inteligência coletiva (formigas e abelhas), inteligência emocional e inteligência
como capacidade de adquirir e aplicar conhecimento. A inteligência vem da
arquitetura cerebral e está relacionada de forma não óbvia com o tamanho e
nível de atividade neuronal. Se entendêssemos inteligência, já teríamos
fabricado inteligência artificial.
O desafio que a mente nos apresenta é que, tal como o Cosmo, não podemos
investigá-la de fora para dentro. A mente tem de entender a si própria. Mas,
atualmente, não sabemos nem menos se a mente começa e termina no indivíduo ou
se existem ligações entre indivíduos ou mesmo entre o indivíduo e o Cosmo. Mas
isso fica para outra semana.”
FONTE: escrito
por Marcelo Gleiser, professor
de física teórica no “Dartmouth College”, em Hanover (EUA), e autor de
"Criação Imperfeita". Artigo publicado na “Folha de São Paulo” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saudeciencia/101316-mente-e-materia.shtml) [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
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