Por Marcelo Gleiser
“Possível sinal de matéria escura pode ser o primeiro raio de luz que
iluminará nossa treva atual
A história da
ciência é permeada de substâncias invisíveis e matérias obscuras.
Em 1667, o alquimista e médico
alemão Johann Joachim Becher, procurando entender a combustão, propôs que
substâncias queimavam devido à liberação de "flogisto": uma substância sem flogisto não queimava.
A hipótese foi questionada quando se demonstrou que certos metais ganhavam peso
quando queimavam, algo difícil de conciliar com a perda de uma substância.
Como solução, alguns especularam que
o flogisto era mais leve do que o ar,
enquanto outros sugeriram que tinha peso negativo. Esse tipo de atitude não é raro
em ciência -quando uma ideia começa a
falhar, medidas são tomadas para resgatá-la. Só com tempo e provas
experimentais a ideia é abandonada ou modificada até fazer sentido.
Apenas em 1783 o grande químico
francês Antoine-Laurent Lavoisier demonstrou que a combustão requer a presença
de oxigênio e que a massa dos reagentes permanece constante em toda reação
química: "Em todas as operações da
natureza nada é criado; uma quantidade idêntica de matéria existe antes e
depois do experimento".
Porém, confuso sobre a natureza do
calor, Lavoisier propôs outra substância estranha, o "calórico". As coisas esfriam devido ao fluxo de calórico do
quente ao frio. Para respeitar sua lei de conservação, o calórico não podia ter massa, sendo uma espécie de éter capaz de fluir.
O calórico, errado mas útil, foi abandonado em meados do século 19,
quando se mostrou que o calor é uma forma de movimento, uma agitação da
matéria.
Em pleno século 21, eis que vivemos
num Universo pleno de substâncias
obscuras. Observações astronômicas confirmam que a receita cósmica é um
tanto estranha. Os números são revisados cada vez que um novo experimento
publica resultados, como foi o caso do satélite europeu Planck há duas semanas.
Mas a estranheza permanece. Os
átomos dos quais você e eu somos feitos são a minoria absoluta, contribuindo
apenas com 4,9% do total. Do resto, sabemos menos.
Há duas contribuições principais: a matéria escura (26,8%) e a energia escura (68,5%). O adjetivo
"escuro" vem do fato de não
podermos "ver" tais substâncias. Sabemos que existem devido à sua
ação sobre a matéria comum, os 4,9% que formam galáxias e estrelas.
Isso porque ambas substâncias
escuras atuam gravitacionalmente: a “matéria
escura”, provavelmente formada de algum tipo de partícula, circunda as galáxias
como um véu translúcido; a “energia
escura”, bem etérea, banha o Cosmo por inteiro e é sentida apenas em escalas
gigantescas, de centenas de milhões de anos-luz. É ela a responsável por
causar a aceleração do Universo.
Será que essas substâncias são nosso
novo flogisto? Pouco provável. (Se
bem que Lavoisier diria o mesmo do seu calórico.)
A “matéria escura” deforma o espaço à sua volta, fazendo com que raios
de luz sejam desviados, e esse desvio é detectado.
Nesta semana, o primeiro sinal
promissor de uma detecção foi feito por um instrumento da Estação Espacial
Internacional. Ainda é cedo para confirmar, mas pode ser o primeiro raio de luz
que iluminará nossa treva atual.”
FONTE: escrito
por Marcelo Gleiser, professor
de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), autor de "Criação Imperfeita". Artigo
publicado na “Folha de São Paulo” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saudeciencia/102478-a-magica-receita-cosmica.shtml]. [imagens do google adicionadas por
este blog ‘democracia&política’].
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