“Um repositório de mais de 2,5 milhões de arquivos
expôs os segredos de 120 mil companhias e fundos ‘offshore’, revelando as
negociatas secretas de políticos, trapaceiros e de algumas das pessoas mais
ricas do planeta.
Os defensores dos sistema ‘offshore’ rebatem
alegando que a maioria dos clientes está envolvida em transações legítimas. Os
centros ‘offshore’, alegam, permitem que empresas e indivíduos diversifiquem
seus investimentos, formem alianças comerciais além das fronteiras de seus
países e realizem negócios em áreas nas quais os empresários encontram
condições favoráveis, porque estas evitam a burocracia e as regras onerosas do
mundo dos negócios convencionais.
Os documentos secretos obtidos pelo “International Consortium of Investigative
Journalists” (ICIJ) revelam os nomes por trás de empresas sigilosas e
fundos privados de investimento nas Ilhas Virgens Britânicas (IVB), ilhas Cook
e outros refúgios ‘offshore’.
Entre eles, há médicos e dentistas norte-americanos
e aldeões gregos de classe média, bem como familiares e asseclas de déspotas
que se mantiveram no poder por longos períodos, trapaceiros de Wall Street,
bilionários da Europa Oriental e Indonésia, executivos de grandes empresas
russas, negociantes internacionais de armas e uma empresa comandada por testas
de ferro que a União Europeia identificou como associada ao programa de
desenvolvimento nuclear do Irã.
Os arquivos obtidos oferecem fatos e números --transferências de dinheiro, datas de
registro, conexões entre empresas e indivíduos-- que ilustram de que
maneira o sigilo financeiro ‘offshore’ se espalhou agressivamente pelo planeta,
permitindo que os ricos e bem relacionados escapem a impostos e alimentando a
corrupção e as dificuldades econômicas, tanto dos países ricos quanto dos
pobres. Os documentos detalham os ativos ‘offshore’ de pessoas e empresas de
mais de 170 países e territórios.
O acervo de documentos representa o maior estoque
de informações privilegiadas sobre o sistema ‘offshore’ já obtido por uma
organização de mídia. O tamanho total dos arquivos, medido em gigabytes, é mais
de 160 vezes superior ao vazamento de documentos do Departamento de Estado
norte-americano exposto pelo WikiLeaks em 2010.
Para analisar os documentos, o ICIJ colaborou com
repórteres do "Guardian" e da BBC no Reino Unido; "Le
Monde" na França; "Süddeutsche Zeitung" e “Norddeutscher
Rundfunk” na Alemanha; "Washington Post"; “Canadian Broadcasting
Corporation”; e 31 outros parceiros de mídia em todo o mundo.
Oitenta e seis jornalistas de 46 países utilizam
sistemas de análise de dados de alta tecnologia e técnicas de reportagem
tradicionais para vasculhar e-mails, contas e outros arquivos referentes a um
período de mais de 30 anos.
"Jamais
vi algo parecido. Esse mundo secreto foi, enfim, revelado", disse
Arthur Cockfield, professor de Direito e especialista tributário na “Queen's
University”, Canadá, que avaliou alguns dos documentos em entrevista à CBC. Ele
disse que os documentos o faziam recordar a cena em "O Mágico de Oz"
na qual "a cortina é aberta e vemos
o mágico manipulando a máquina secreta".
MAFIOSOS E OLIGARCAS
O vasto fluxo de capital ‘offshore’ --legal e ilegal, pessoal e empresarial--
pode causar crises nacionais e desentendimentos entre os países. A crise
financeira continuada na Europa foi alimentada pelo desastre fiscal na Grécia,
e este foi exacerbado pela sonegação fiscal ‘offshore’ e pelo colapso dos
bancos em Chipre, um minúsculo paraíso fiscal no qual os ativos bancários foram
inflacionados por pesada entrada de dinheiro oriundo da Rússia.
Os ativistas que combatem a corrupção argumentam
que o sigilo das operações ‘offshore’ solapa a lei e ordem e força os cidadãos
comuns a pagar impostos mais altos, de forma a compensar a receita perdida
devido a transferências para paraísos tributários. A “Iniciativa de Recuperação
de Ativos Perdidos”, programa do Banco Mundial e das Nações Unidas, estimou que
os fluxos transnacionais de proventos de crimes financeiros totalizam de US$ 1
trilhão a US$ 1,6 trilhão ao ano.
A investigação de 15 meses do ICIJ constatou que,
em companhia de transações perfeitamente legais, o sigilo e a fiscalização
frouxa do mundo ‘offshore’ permitem que fraudes, sonegação tributária e
corrupção política prosperem.
Os usuários de transações ‘offshore’ identificados
incluem:
Indivíduos e empresas ligados ao “caso Magnitsky”,
na Rússia, um escândalo de fraude tributária que prejudicou o relacionamento
entre Rússia e Estados Unidos e resultou na proibição de adoção de órfãos
russos por cidadãos norte-americanos.
Um administrador de fundo de ‘hedge’ nos Estados
Unidos acusado de utilizar entidades ‘offshore’ a fim de bancar um esquema de
pirâmide internacional e canalizar milhões de dólares em suborno a um
funcionário do governo da Venezuela.
Um magnata dos negócios que conquistou bilhões de
dólares em contratos como resultado do boom da construção promovido pelo
presidente Ilham Aliyev, do Azerbaijão, enquanto servia no conselho de empresas
‘offshore’ sigilosas controladas pelas filhas do presidente.
Bilionários indonésios conectados ao ditador
Suharto (morto em 2008), que enriqueceu boa parte da elite de seu país durante
as décadas em que exerceu o poder.
Os documentos também oferecem pistas possivelmente
novas sobre crimes e dinheiro desaparecido sem deixar traços.
Depois de descobrir que o ICIJ havia descoberto a
filha do antigo ditador filipino Ferdinand Marcos, Maria Imelda Marcos Manotoc,
como beneficiária de um fundo nas Ilhas Virgens Britânicas (IVB), funcionários
do governo filipino se declararam ansiosos para determinar se algum dos ativos
do fundo era parte dos US$ 5 bilhões que o pai dela teria supostamente
adquirido por meio de corrupção.
Manotoc, governadora de uma província nas
Filipinas, se recusou a responder perguntas sobre o fundo.
RIQUEZAS E CONEXÕES POLÍTICAS
Os arquivos obtidos pelo ICIJ revelam as táticas em
uso cotidiano pelas companhias de serviço ‘offshore’ e seus clientes a fim de
manter o sigilo quanto a empresas e fundos ‘offshore’, e seus proprietários.
Tony Merchant, advogado que é um dos maiores
especialistas em processos judiciais coletivos do Canadá, tomou providências
para manter a privacidade de um fundo nas ilhas Cook no qual havia depositado
mais de US$ 1 milhão em 1998, mostram os documentos.
Em declaração às autoridades tributárias
canadenses, Merchant declarou não ter ativos superiores a US$ 1 milhão no
exterior em 1999, de acordo com documentos judiciais.
Entre 2002 e 2009, ele frequentemente pagava as
taxas de manutenção do fundo enviando milhares de dólares em dinheiro e cheques
de viagem, por meio de portadores, em lugar de utilizar transferências ou
depósitos bancários, fáceis de identificar, de acordo com documentos da empresa
de serviços ‘offshore’ que cuidava do fundo para ele.
Uma nota no arquivo avisava os funcionários da
empresa de que Merchant "teria um derrame" se eles tentassem fazer
contato com ele via fax.
Pesquisas da CBC não encontraram indicações de que
sua mulher, Pana Merchant, senadora canadense, tenha declarado sua participação
pessoal no fundo em suas declarações anuais de renda. Não está claro que ela
tivesse a obrigação de fazê-lo.
Os Merchant se recusaram a atender a pedidos de
esclarecimento.
Outros nomes conhecidos identificados nos dados ‘offshore’
incluem a mulher de Igor Shuvalov, primeiro-ministro assistente da Rússia, e
dois importantes executivos da Gazprom, a gigantesca estatal russa que é a
maior extratora mundial de gás natural.
A mulher de Shuvalov e os dirigentes da Gazprom têm
participação em empresas sediadas nas IVB, mostram os documentos. Os três se
recusaram a comentar.
Os nomes espanhóis envolvidos incluem Carmen
Thyssen Bornemisza, baronesa e ‘patronesse’ das artes, identificada nos
documentos como tendo utilizado uma companhia das ilhas Cook para comprar obras
de arte em casas de leilões como a Sotheby's e a Christie's, entre as quais
"Moinho em Gennep", de Van Gogh. O advogado dela admitiu que ela
recebe benefícios tributários pelo fato de a posse de seus quadros estar
registrada ‘offshore’, mas enfatizou que a baronesa usa os paraísos fiscais
primordialmente porque lhe oferecem "o máximo de flexibilidade" para
transmitir obras de arte de país a país.
Entre os cerca de quatro mil nomes norte-americanos
revelados está o de Denise Rich, compositora premiada com o Grammy cujo
ex-marido ocupou posição central em um escândalo envolvendo perdões
presidenciais que irrompeu quando o presidente Bill Clinton deixou o posto.
Uma investigação do Congresso norte-americano
constatou que Rich, que arrecadou milhões de dólares para as campanhas de
políticos democratas, desempenhou papel central na campanha que persuadiu
Clinton a perdoar seu ex-marido Marc Rich, um operador de petróleo que era
procurado nos Estados Unidos por sonegação tributária e formação de quadrilha.
Documentos obtidos pelo ICIJ mostram que, em abril
de 2006, ela detinha US$ 144 milhões em um fundo nas ilhas Cook, uma cadeia de
atóis de coral e formações vulcânicas no Pacífico a cerca de 11 mil quilômetros
de distância da residência de Rich em Manhattan. Entre os ativos controlados
pelo fundo, está o iate “Lady Joy”, no qual Rich costumava receber celebridades
e arrecadar dinheiro para caridade.
Rich, que renunciou à cidadania dos Estados Unidos
em 2011 e agora é cidadã austríaca, não respondeu a perguntas sobre seu fundo ‘offshore’.
Outro norte-americano proeminente que consta dos
arquivos é membro da dinastia Mellon, criadora de companhias renomadas como a “Gulf
Oil” e o “Mellon Bank”. James Mellon --autor
de livros sobre Abraham Lincoln e sobre Thomas Mellon, o patriarca de sua
família-- usou quatro empresas nas IVB e em Lichtenstein a fim de operar
títulos e transferir dezenas de milhões de dólares entre contas ‘offshore’
controladas por ele.
Como outros usuários do sistema ‘offshore’, Mellon
parece ter tomado medidas que o distanciam de seus ativos ‘offshore’, de acordo
com os documentos. Ele, muitas vezes, usava nomes de terceiros como
conselheiros e acionistas de suas empresas, em lugar do seu, um recurso
jurídico que os proprietários de entidades ‘offshore’ muitas vezes empregam a
fim de preservar o anonimato.
Contatado na Itália, onde vive alguns meses por
ano, Mellon disse ao ICIJ que de fato costumava ter "muitas"
companhias ‘offshore’, mas que abriu mão de todas elas. Ele diz que as criou
por "vantagens tributárias" e por motivos de responsabilidade
judicial, a conselho de seus advogados. "Mas jamais violei as leis tributárias", acrescenta.
Quanto ao uso de prepostos, Mellon diz que "é assim que essas empresas são estabelecidas",
e acrescentou que era útil para pessoas como ele, que viajam muito, entregar o
comando de seus negócios a terceiros. "Ouvi
falar recentemente de um candidato à presidência que tinha muito dinheiro nas
ilhas Cayman", disse Mellon, que assumiu a cidadania britânica, em
alusão a Mitt Romney, candidato à presidência dos Estados Unidos em 2012.
"Nem todo mundo que controla
companhias ‘offshore’ é picareta".
CRESCIMENTO ‘OFFSHORE’
O anonimato do mundo ‘offshore’ muitas vezes
dificulta rastrear o fluxo de dinheiro. Um estudo conduzido por James Henry,
antigo economista chefe da consultoria McKinsey, estima que indivíduos ricos
tenham entre US$ 21 trilhões e US$ 32 trilhões guardados em paraísos
tributários ‘offshore’ --o equivalente ao
tamanho das economias dos Estados Unidos e Japão combinadas.
E mesmo em meio à crise da economia mundial, o
sistema ‘offshore’ continuou a crescer, diz Henry, membro do conselho da ‘Tax
Justice Network’, uma organização internacional de pesquisa e ação política que
critica os paraísos fiscais. As pesquisas dele demonstram, por exemplo, que os
ativos administrados pelos 50 maiores "bancos privados" do planeta --que muitas vezes usam paraísos tributários
para servir aos seus clientes de alto patrimônio-- cresceram de US$ 5,4
trilhões em 2005 a mais de US$ 12 trilhões em 2010.
Henry e outros críticos argumentam que o sigilo ‘offshore’
tem efeito corrosivo sobre os governos e sistemas judiciais, permitindo que
funcionários públicos corruptos saqueiem os tesouros nacionais e oferecendo
cobertura a redes de tráfico humano, mafiosos, exploradores de espécies animais
ameaçadas e outros criminosos.
"Tudo
existe para facilitar os negócios", diz David Marchant, editor do “OffshoreAlert”,
um boletim online de notícias. "Se
você é desonesto, pode aproveitar o sistema de modo negativo. Mas se for
honesto, pode aproveitá-lo positivamente".
Boa parte do trabalho de reportagem do ICIJ teve
por foco o trabalho de duas companhias ‘offshore’, a “Portcullis TrustNet”, de
Cingapura, e a “Commonwealth Trust Limited” (CTL), das IVB, que ajudaram dezenas
de milhares de pessoas a criar companhias, fundos e contas bancárias sigilosas ‘offshore’.
As autoridades regulatórias das IVB constataram que
a CTL violou repetidamente as leis de combate à lavagem de dinheiro das ilhas,
entre 2003 e 2008, por não registrar e confirmar as identidades e históricos de
seus clientes. "Essa empresa
específica sofre de problemas sistêmicos de lavagem de dinheiro em sua
organização", disse um funcionário da Comissão de Serviços Financeiros
das IVB no ano passado.
Os documentos mostram, por exemplo, que a CTL
estabeleceu 31 companhias em 2006 e 2007 para um indivíduo posteriormente
identificado por tribunais britânicos como testa de ferro de Muktar Ablyazov,
um magnata bancário do Cazaquistão acusado de roubar US$ 5 bilhões de bancos
daquela antiga república soviética. Ablyazov nega qualquer delito.
Thomas Ward, canadense que foi um dos fundadores da
CTL em 1994 e continua a trabalhar como consultor para a empresa, disse que os
procedimentos de verificação de credenciais de clientes da CTL são compatíveis
com os padrões setoriais nas IVB, mas que não há procedimento que permita
garantir que empresas como a CTL não sejam "enganadas por clientes desonestos" ou modo de perceber que
"alguém que parece honesto de acordo
com os indicadores históricos" possa "se provar desonesto mais tarde".
"É
errado, ainda que talvez conveniente, demonizar a CTL como se fôssemos o maior
problema", declarou Ward em resposta escrita a questões. "Em lugar disso, acredito que os problemas da
CTL sejam, no geral, proporcionais à sua participação de mercado".
O estudo de documentos da “TrustNet” pela ICIJ
identificou 30 clientes norte-americanos acusados em processos civis ou
criminais de fraude, lavagem de dinheiro e outros delitos financeiros graves.
Entre eles, estão antigos gigantes de Wall Street como Paul Bilzerian,
especializado em aquisições de empresas, condenado por fraude tributária e
violações das leis financeiras em 1989, e Raj Rajaratnam, um bilionário
administrador de fundos de ‘hedge’ sentenciado à prisão em 2011 em um dos
maiores escândalos de ‘insider trading’ (uso
indevido de informações financeiras privilegiadas) da história dos Estados
Unidos.
A “TrustNet” se recusou a responder perguntas para
este artigo.
LISTA SUJA
Os registros obtidos pelo ICIJ expõem a maneira
pela qual operadores ‘offshore’ ajudam seus clientes a criar complicadas
estruturas financeiras que abarcam países, continentes e hemisférios.
Uma funcionária do governo tailandês conectada a um
famoso ditador africano usou a ‘TrustNet’, de Cingapura, para criar uma empresa
sigilosa em seu nome nas IVB, mostram os documentos.
Essa funcionária tailandesa, Nalinee
"Joy" Taveesin, no momento serve como representante do governo da
Tailândia para questões de comércio internacional, Ela era parte do ministério
do primeiro-ministro Yingluck Shinawatra até renunciar no ano passado.
Taveesin criou sua companhia nas IVB em agosto de
2008. Isso aconteceu sete meses antes que ela fosse indicada como assessora do
ministro do Comércio tailandês e três meses antes que o Departamento do Tesouro
norte-americano a colocasse na lista negra como comparsa do ditador Robert
Mugabe, de Zimbábue.
O Departamento do Tesouro congelou os ativos de
Taveesin nos Estados Unidos, acusando-a de apoiar "apoiar secretamente as práticas cleptocráticas de um dos mais corruptos
regimes africanos", por meio do tráfico de pedras preciosas e de
outras transações realizadas em nome de Grace, a mulher de Mugabe, e outros
zimbabuanos poderosos.
Taveesin afirma que sua relação com os Mugabe é
"estritamente social" e que sua inclusão na lista negra dos Estados
Unidos só aconteceu por ela ter sido culpada em função dessa proximidade. Por
meio de sua secretária, Taveesin negou veementemente que seja proprietária de
uma empresa nas IVB. O ICIJ confirmou sua propriedade por meio de documentos da
‘TrustNet’ que a identificam como acionista de uma empresa, em sociedade de seu
irmão, e mencionam o endereço de sua empresa legítima em Bancoc como seu
endereço de contato.
Os registros obtidos pelo ICIJ também revelam uma
companhia secreta pertencente a Muller Conrad "Billy" Rautenbach, um
empresário do Zimbábue incluído na lista negra norte-americana na mesma data em
que Taveesin, por seus contatos com o regime de Mugabe. O Departamento do
Tesouro alega que Rautenbach ajudou a organizar grandes projetos de mineração
no Zimbábue que "beneficiam pequenos
números de funcionários públicos corruptos de primeiro escalão".
Quando a CTL criou uma companhia para Rautenbach
nas IVB em 2006, ele estava foragido da Justiça, devido a acusações de fraude
na África do Sul. As acusações pessoais contra ele foram descartadas, mas uma
companhia sul-africana que ele controlava se admitiu culpada de acusações
criminais e pagou multa de cerca de US$ 4 milhões.
Rautenbach nega as alegações das autoridades
norte-americanas, afirmando que cometeram "grandes erros factuais e judiciais" em sua decisão de incluí-lo
na lista negra, disse seu advogado Ian Small Smith. O advogado afirmou que a
companhia de Rautenbach nas IVB era um "veículo de propósitos especiais para fins de investimento em Moscou",
e que cumpria todas as obrigações de prestação de contas às autoridades. A
empresa já não está ativa.
SERVIÇO COMPLETO
Os clientes de serviços ‘offshore’ são atendidos
por todo um setor de intermediários bem remunerados --contadores, advogados e bancos que oferecem cobertura, criam estruturas
financeiras e transferem ativos em nome dos clientes.
Documentos obtidos pelo ICIJ mostram como dois
importantes bancos suíços, o ‘UBS’ e o ‘Clariden’, trabalharam com a ‘TrustNet’
a fim de prover aos seus clientes companhias protegidas pelas leis de sigilo
das IVB e outros paraísos fiscais.
O ‘Clariden’, controlado pelo ‘Credit Suisse’,
solicitava níveis de confidencialidade tão elevados para certos clientes,
demonstram os registros, que um funcionário da ‘TrustNet’ definiu as
solicitações do banco como o "cálice sagrado" das entidades ‘offshore’
--uma companhia tão anônima que a polícia
e as autoridades regulatórias encontrariam "um muro de silêncio" caso
tentassem descobrir as identidades dos proprietários.
O ‘Clariden’ se recusou a responder perguntas sobre
seu relacionamento com a ‘TrustNet’.
"Devido
às leis suíças de sigilo bancário, não estamos autorizados a fornecer qualquer
informação sobre titulares de contas, existentes ou supostos", o banco
declarou. "Como regra geral, o ‘Credit
Suisse’ e as companhias a ele relacionadas respeitam as leis e regulamentos dos
países nos quais se envolvem".
Um porta-voz do UBS disse que o banco aplica "os mais elevados padrões internacionais"
para combater a lavagem de dinheiro, e que a ‘TrustNet’ "é um dos 800 provedores de serviço com os
quais os clientes do UBS escolheram trabalhar em todo o mundo a fim de atender
às suas necessidades patrimoniais e de planejamento de sucessão. Esses
prestadores de serviços também são empregados por clientes de outros bancos".
A ‘TrustNet’ se descreve como prestadora de
serviços completos --sua equipe inclui
advogados, contadores e outros especialistas que podem formular pacotes de
sigilo para atender às necessidades e aos patrimônios de seus clientes.
Esses pacotes podem ser simples e baratos, a exemplo de uma companhia aberta
nas IVB. Ou podem ser estruturas sofisticadas que combinam múltiplas camadas de
fundos, companhias, fundações, produtos de seguros e os chamados
"prepostos", para servirem como acionistas e conselheiros.
Quando criam companhias para seus clientes, os
serviços ‘offshore’ muitas vezes apontam falsos acionistas e conselheiros --testas de ferro que substituem os
proprietários que não desejam ver suas identidades reveladas. Graças à
proliferação de acionistas e conselheiros falsos, os investigadores que
trabalham em casos de lavagem de dinheiro e outros crimes muitas vezes chegam a
becos sem saída quando tentam descobrir quem realmente está no comando de uma
companhia ‘offshore’.
Uma análise conduzida pelo ICIJ,
"Guardian" e BBC identificou um grupo de 28 "conselheiros de fachada" que servem
como representantes hipotéticos em mais de 21 mil conselhos de empresas, entre
eles; alguns dos conselheiros individuais têm seus nomes identificados como
conselheiros em mais de quatro mil companhias.
Entre os testas de ferro identificados pelos
documentos obtidos pelo ICIJ está um operador britânico que serviu como
conselheiro de uma empresa nas IVB, a “Tamalaris Consolidated”, que a União
Europeia definiu como fachada para a “Islamic Republic of Iran Shipping Line”,
companhia de navegação iraniana acusada pela União Europeia, ONU e Estados
Unidos de ajudar no programa de desenvolvimento nuclear do Irã.
ZONA DE IMPUNIDADE
Há grupos internacionais trabalhando há décadas
para limitar as trapaças tributárias e a corrupção no mundo ‘offshore’.
Nos anos 90, a “Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico” (OCDE) começou a pressionar os centros ‘offshore’
para que atenuassem suas normas de sigilo e combatessem com mais rigor a
lavagem de dinheiro, mas esse esforço perdeu o vigor na década de 2000, quando
o governo Bush retirou o apoio norte-americano à campanha, de acordo com Robert
Goulder, antigo editor chefe do "Tax Notes International".
Uma segunda "grande cruzada" contra os
paraísos fiscais, escreve Goulder, começou quando as autoridades dos Estados
Unidos decidiram confrontar o UBS, forçando o banco suíço a pagar US$ 780
milhões, em 2009, para encerrar, em acordo extrajudicial, um processo no qual o
banco era acusado de ajudar cidadãos norte-americanos a sonegar impostos. As
autoridades norte-americanas e alemãs estão pressionando os bancos e governos a
compartilhar informações sobre clientes e contas ‘offshore’. O
primeiro-ministro britânico David Cameron prometeu usar sua liderança do G8, o
fórum dos países mais ricos do mundo, para ajudar a reprimir a sonegação de
impostos e a lavagem de dinheiro.
Promessas como essa costumam ser recebidas com
ceticismo, dado o papel que importantes membros do G8 - Estados Unidos, Reino Unido e Rússia --desempenham como origem e
destino de dinheiro sujo. A despeito dos novos esforços, o mundo ‘offshore’
continua a ser "uma zona de impunidade" para qualquer pessoa
determinada a cometer crimes financeiros, disse Jack Blum, ex-investigador do
Senado norte-americano e hoje advogado especializado em casos de lavagem de
dinheiro e fraude tributária.
"O fedor
periodicamente fica tão forte que alguém precisa se aproximar e recolocar a
tampa na lata de lixo, deixando-a fechada por algum tempo", diz Blum.
"Houve algum progresso, mas ainda
resta muito a avançar".
FONTE: reportagem de Gerard Ryle, Marina
Walker Guevara, Michael Hudson, Nicy Hager, Duncan Campbell E Stefan Candea. Colaboraram Mar Cabra, Kimberley Porteous, Frederic
Zalac, Alex Shprintsen, Prangtip Daorueng, Roel Landingin, Francois Pilet,
Emilia Díaz-Struck, Roman Shleynov, Harry Karanikas, Sebastian Mondial e Emily
Menkes. O “International Consortium for
Investigative Journalists” é uma rede independente de repórteres de mais de
60 países que colaboram em investigações internacionais. É um projeto do “Center for Public Integrity”, de
Washington. Texto publicado no portal UOL/Folha com tradução de Paulo Migliacci
(http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1256886-arquivos-secretos-expoem-impacto-mundial-de-paraisos-fiscais.shtml).
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