sexta-feira, 5 de abril de 2013

ÍNTEGRA DA ENTREVISTA DE LULA PARA O JORNAL URUGUAIO “LA REPÚBLICA”


José Mujica e Lula em foto de arquivo tirada ainda na presidência de Lula

Lula: QUERO TRABALHAR PARA CONSTRUIR UMA DOUTRINA DA INTEGRAÇÃO

“O jornal uruguaio ‘La República’ publicou, na quarta-feira (3) uma entrevista de quatro páginas com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na entrevista, Lula defende o MERCOSUL, diz que a integração latino-americana não pode ser apenas comercial e que é necessário pensar em um parlamento do bloco, com autoridade para tomar e implantar decisões.

Por Gustavo Carabajal em “La República”

Lula disse que as críticas ao MERCOSUL “não têm sustentação teórica, econômica ou social”, e completou: “nós temos diferenças como qualquer bloco ou qualquer aliança de negócios”, como deve ser em um mundo democrático. O bloco serve, justamente, para que essas divergências sejam explicitadas e que uma solução seja encontrada. Lula lembrou que, se compararmos o MERCOSUL de hoje com o de 2002, fica fácil perceber o grande avanço. “O caso do Uruguai é um bom exemplo: em 2002, o fluxo de comércio com o Brasil foi US$ 825 milhões, em 2010, e chegou a US$ 2,9 bilhões”, disse.

O ex-presidente viajou na quinta (4) para Montevidéu, onde participa de evento promovido pela “Friedrich Ebert Stifung” do Uruguai. Além do ex-presidente, participarão o presidente uruguaio José Mujica e o secretário geral da “Conferência Sindical de Trabalhadores das Américas”, o paraguaio Víctor Báez.

Leia abaixo a entrevista completa:

La República: Desde que deixou a presidência, o senhor tem trabalhado na construção de uma integração na qual participem todos os países da região. Essa experiência lhe deixa otimista sobre a possibilidade de criação de instrumentos que façam avançar a integração latino-americana?

Luiz Inácio Lula da Silva: Eu tenho algumas preocupações com a integração da América do Sul e com a integração da América Latina. Nós já demos alguns passos importantes, ou seja, já fortalecemos o MERCOSUL. As pessoas desacreditavam muito no MERCOSUL e, no final da década de 1990, começo de 2002, o pessoal ainda tinha certa descrença, achavam que a ALCA [Área de Livre Comércio das Américas] era a solução, e nós conseguimos, com o tempo, provar que a melhor solução era a integração entre nós. Era explorar o máximo possível a potencialidade das nossas similaridades, e ver em que um país podia ajudar o outro no ponto de vista comercial. Isso deu resultado extraordinário.

Mas a minha preocupação é que a integração não pode ser vista apenas do ponto de vista comercial. A integração tem que ser vista do ponto de vista político, do ponto de vista cultural, do ponto de vista social, do ponto de vista universitário, ou seja, em toda a sua amplitude é possível que a gente discuta integração. Por isso, eu tomei a iniciativa de deixar a presidência e começar a discutir a integração ouvindo movimento social, intelectuais, empresários, sindicalistas e políticos.

Nós precisamos criar essa cultura de integração, nós precisamos definir, na nossa cabeça, o que é essa integração que nós queremos. É copiar o modelo da União Europeia? É construir alguma coisa nova? O que está na cabeça de cada dirigente?

Quando você está na presidência, você lida muito mais com as coisas práticas: o cotidiano do comércio, o cotidiano do desejo dos empresários, você conversa menos com o movimento sindical na questão da integração, se bem que nós evoluímos, na integração do MERCOSUL, na questão sindical Nós precisamos evoluir na UNASUL [União das Nações Sul-Americanas] também. Eu quero me dedicar para que a gente possa construir uma doutrina sobre integração. Uma das ideias é tentar socializar as coisas boas que aconteceram em cada país. Quais as políticas públicas que deram resultado em cada país? Socializá-las, para saber em que condições elas podem ser implementadas em outros países.

Eu penso que nós estamos fazendo isso. Temos que fazer com muito cuidado porque, como o Brasil é muito grande, O Brasil não pode se apresentar como se fosse um país que queira ter certa hegemonia. O Brasil tem que se apresentar com muita generosidade, com muita humildade, tentando construir parcerias, e isso pressupõe construir confiabilidade muito grande, e aí depende muito do nosso comportamento. É isso que quero tentar fazer, e vou tentar fazer fora da Presidência, aquilo que começamos a fazer na Presidência e que a Dilma está fazendo enquanto presidente. Mas eu acho que, fora do governo, você tem mais espaço para agir, para conversar e para chamar outros setores da sociedade. Esse é o meu sonho, esse é o meu desejo e, eu espero ter tempo pela frente para poder realizar esse desejo.

O progressismo tem história, ideias e programas na América Latina, mas também apresenta grandes diferenças que são importantes. Como superar essas diferenças para construir uma doutrina única?

Eu acho que nós não precisamos superar divergências, nós precisamos é aprender a conviver com as divergências, ou seja, o PT é o mais digno exemplo da convivência democrática na diversidade. A “Frente Ampla” uruguaia é um exemplo extraordinário. Acho que a política da Argentina é um exemplo extraordinário de convivência democrática na diversidade. No Paraguai, começa a fortalecer políticas de oposição para superar o bipartidarismo existente há um século.

Eu penso que as coisas estão andando no MERCOSUL, as coisas estão andando na UNASUL, e as coisas vão andar na CELAC. É importante lembrar que a CELAC é a primeira reunião de todos os países da América Latina e do Caribe sem a participação de americanos e canadenses. Só latino-americanos. O que estamos querendo com isso? Estamos querendo construir pontos que sejam de comum acordo entre nós. Não queremos que ninguém abdique dos seus pensamentos, de suas convicções.

O que queremos é o seguinte: entre a minha convicção e a convicção de outro companheiro, tem um caminho do meio a ser seguido por nós dois. Ou seja, se a minha não pode ser, se a dele não pode ser, nós temos que construir outra. Eu acho que é isso que nós buscamos; sempre tentar construir um caminho da praticidade, o chamado caminho do meio que, pode estabelecer pontos comuns entre os mais diferentes países. Acho que ninguém precisa abrir mão das suas convicções ideológicas, ninguém precisa abrir mão das suas convicções programáticas, nós não queremos isso, o que nós queremos é que as pessoas saibam que, entre a política correta, adotada em determinado Estado, e a política correta adotada em outro Estado, você tem que construir uma política que seja comum aos dois Estados. E, nós conseguimos fazer isso na construção da UNASUL; nós conseguimos fazer isso na criação do Conselho de Defesa, nós conseguimos fazer isso na construção do Banco do Sul. Tudo isso são instrumentos que nós vamos aprendendo e vamos colocando em prática. Por isso, eu estou convencido que as nossas divergências históricas não são problemas para construir os consensos futuros.

O senhor considera que o Uruguai com a “Frente Ampla”, aprendeu a trabalhar a diversidade? Ela tem algo a contribuir para essa experiência regional?

Eu sou suspeito para falar da “Frente Ampla”, porque eu tenho por demais admiração por ela. Aliás, uma das coisas que eu ainda sonho em fazer no Brasil é criar uma espécie de “Frente Ampla”, em que a gente possa juntar todos os partidos para funcionar 365 dias por ano e não apenas em época de eleição para construir uma candidatura.

Eu acho que a “Frente Ampla” é uma lição uruguaia para a América Latina e o mundo, ou seja, é o bom modo de fazer política, é a boa convivência democrática entre diferentes forças políticas sem que ninguém abra mão das suas convicções, dos seus princípios, mas estabelecendo uma cesta de pontos comuns que permita a ele transitar pelo cotidiano da política uruguaia e fazer o que estão fazendo, um processo de transformação extraordinário que começou com a eleição muito importante de Tabaré [Vázquez] para prefeito de Montevidéu, duas vezes, na eleição de Tabaré para presidente e na eleição de [Juan Pepe] Mujica. Eu acho que a “Frente Ampla” sempre será um bom exemplo a ser seguido, pelo menos, por mim.

O senhor, junto com Hugo Chávez e Néstor Kirchner, foram três dos principais líderes do processo de integração. Hoje (com a ausência deles) os analistas conferem ao Brasil e à sua pessoa a condução do processo regional. Compartilha dessa impressão?

Eu não compartilho dessa visão porque, individualmente, nenhum de nós nunca teve papel de liderança.

Olha, eu acho que o Kirchner teve papel extraordinário na construção da UNASUL, na construção do fortalecimento do MERCOSUL. Acho que o Chávez teve papel estupendo. É importante lembrar que Chávez era presidente de um país totalmente comprometido com a sua relação com os Estados Unidos. Foi a partir de Chávez que a Venezuela se voltou para o Brasil, para a América do Sul, para a América Latina. Então, você tinha dois presidentes, de dois países importantes com vocação latino-americanista, sul-americana, vocação continental muito forte e dois presidentes com disposição de não se submeterem à lógica de dominação que tantos presidentes se submeteram durante tanto tempo. Isso contribuiu de forma extraordinária para que a gente pudesse costurar essa parceria fantástica que deu no que está dando hoje.

Mesmo assim, eu acho que o que foi importante na construção da UNASUL é que, não apenas Kirchner, Chávez, eu, mas também a eleição de outros companheiros. É bem importante lembrar de Michelle Bachelet e [Ricardo] Lagos no Chile; é importante lembrar a eleição de Nicanor [Duarte] no Paraguai, que foi um avanço para a política paraguaia; depois, a eleição de [Fernando] Lugo. É importante, também, lembrar que a eleição de Rafael Correa, no Equador, e de Alan García, no Peru, contribuíram com isso. Uribe, um pouco mais reticente, mas não deixou de contribuir para que pudéssemos construir essa unidade. Então, eu acho que era um desejo coletivo que estava represado e ele conseguiu aflorar quando a América Latina deu um show ao eleger políticos democráticos, políticos de esquerda e políticos progressistas.

Eu acho que o que nós precisamos é ter em conta que o Brasil sempre será um país importante, pela sua dimensão territorial, pela sua dimensão populacional, pelo seu grau de desenvolvimento industrial, de conhecimento científico e tecnológico. O Brasil sempre será muito importante. Exatamente, por isso, o Brasil não tem que ter a preocupação de querer liderar, tem que ter a preocupação de construir parcerias, para que todos juntos subam o degrau da escada conjuntamente. Não pode ter alguém no 10º degrau, alguém no 8º e alguém no 6º, ou seja, na construção de uma integração, na construção de projetos comuns, precisa subir todo mundo junto.

É esse o papel do Brasil; é o papel de contribuir, cada vez mais, na organização da unidade dos países latino-americanos.

Ultimamente, o MERCOSUL tem recebido duras críticas que afirmam que o bloco se enfraquece pelas disputas comerciais entre seus próprios membros, que tentam blindar sua balança comercial da crise financeira global com medidas protecionistas. Como recuperar a confiança para fortalecer a integração?

Primeiro, eu não sei quem está fazendo essas críticas ao MERCOSUL, porque essas críticas não têm nenhuma sustentação, nem teórica, nem econômica, nem social. Nunca tivemos uma situação, eu diria, tão importante no MERCOSUL. Nós temos divergências? Temos, como há divergências em qualquer bloco, como há divergência em qualquer parceria comercial.

Eu acho que o problema que nós temos no MERCOSUL, do ponto de vista econômico, foi resolvido, ou seja, nós temos divergências setoriais, e é importante que os tenhamos porque assim a gente resolve. O que eu acho que está faltando aprimorar no MERCOSUL é a participação do setor social em suas decisões, ou seja, fortalecer o MERCOSUL sindical, o MERCOSUL social.

É preciso criar o parlamento do MERCOSUL, e ele funcionar de verdade, criar regras. Eu acho que todo mundo deseja essas coisas; nós precisamos superar as divergências e colocar para funcionar aquilo que não está funcionando, mas se você comparar o MERCOSUL de hoje com o MERCOSUL de 2002, nós demos um avanço extraordinário. Quem tiver dúvida é só olhar a balança comercial. O fluxo da balança comercial Brasil/Argentina, Brasil/Uruguai, Brasil/Paraguai e também o fluxo entre os demais países, para você ver como cresceu de forma extraordinária, e ainda pode crescer muito mais. O caso do Uruguai é um bom exemplo, em 2002 seu fluxo comercial com o Brasil foi de US$ 825 milhões; em 2010, já havia atingido os US$ 2,9 bilhões.

A morte de Chávez gerou todo tipo de comentários por tratar-se de um líder que construiu uma barreira sólida frente às políticas imperialistas e porque demonstrou que os países podem seguir seu caminho para a independência e o progresso sem depender da tutela estadunidense. O que o senhor opina sobre as especulações sobre sua doença? Considera que, com Maduro, se inaugura o chavismo como doutrina política para seguir trazendo o espírito integracionista?

[...]. Foi uma perda irreparável para a política nos dias de hoje, sobretudo na América Latina. Eu acho que Maduro está desafiado a se superar. Ele não tem o carisma do companheiro Chávez, portanto, está fadado a ter uma política muito mais orgânica do que Chávez. Ele vai ter que cuidar mais da relação política, vai ter que cuidar mais das alianças com outros setores, vai ter que tentar colocar mais gente em torno da mesa para poder construir, de forma orgânica, a força que o carisma de Chávez construía na Venezuela.

Maduro é um ser humano extraordinário, uma figura que eu penso estar totalmente preparada para dar sequência ao governo do Chávez. Considero que ele vai ganhar as eleições, vai governar e ele sabe que só há uma hipótese de a gente obter sucesso: é governar para a maioria do povo. E ele sabe que deve fazer isso, industrializar a Venezuela, torná-la quase autossuficiente na produção de alimentos, coisa que nós, já há algum tempo, estamos ajudando a Venezuela, e eu acho que o Brasil precisa ajudar mais ainda, para que a Venezuela possa ter segurança alimentar e para que possa ser um país menos dependente do petróleo e ter um parque industrial razoável.

Como controlar o déficit e a inflação alta, no contexto de uma política que considera o gasto social, o investimento público e um processo de maior igualdade como condição econômica do crescimento e não como mera aspiração moral?

Primeiro, não é correto utilizar a palavra “gasto”. Na verdade, você está fazendo um investimento quando você faz política social. Na medida em que faz política de transferência de renda, em que melhora as condições de vida do povo, você está fazendo com que a economia tenha dinamismo maior, que a economia gere mais emprego, que a economia gere mais transferência de renda.

Aqui no Brasil, nós temos um exemplo. Obviamente que todo país só deve gastar aquilo que tem condições de gastar, ninguém deve fazer dívida acima da sua capacidade de arrecadação, porque isso pode ser bom por um tempo, mas depois não se sustenta. Isso a gente não precisa aprender na universidade, isso a gente aprende dentro de casa, com o salário da gente. Se você ganha um salário e gasta, todo mês, mais do que ganha, um dia a sua conta vai estourar e você não vai conseguir se consertar. A economia de uma cidade ou de um Estado é a mesma coisa; você só pode gastar aquilo que você arrecada e, quanto melhor você gastar, mas você vai fazer a economia crescer.

Fazendo com que as políticas sociais levem dinheiro para as camadas mais pobres da população, você estará dinamizando o crescimento da própria economia. Aqui no Brasil, nós conseguimos fazer isso, mantivemos a inflação controlada e a economia crescendo até hoje. Isso já faz dez anos. Eu acho que o Uruguai é também um bom exemplo desse mesmo caminho.

Para ser competitiva, a região precisa desenvolver políticas de inovação técnica e industrial que beneficiem o setor produtivo. O senhor acredita ser possível a construção de uma infraestrutura produtiva integrada, com planejamento estratégico comum que nos permita melhorar nossa competitividade no mercado global?

Eu estou convencido que, aí outra vez, entra o papel estratégico no Brasil, ou seja, o crescimento, seja industrial, seja científico e tecnológico, tem que ser partilhado com o crescimento e desenvolvimento também industrial, científico e tecnológico dos países do MERCOSUL. Eu acho que esse é um papel que está reservado ao Brasil. É compartilhar com seus parceiros do MERCOSUL a possibilidade de participar desse momento de desenvolvimento, desse momento de crescimento da economia, ou seja, as indústrias podem ter parte produzindo coisas no Brasil, parte produzindo coisas em outros países, porque é assim que a gente constrói um bloco muito forte. Eu acho que a gente tem que procurar ter acesso a outros mercados globais, que esse é objetivo importante. Mas acho que a gente tem que ter em conta que nós ainda temos muita coisa para fazer entre nós. Muito potencial para explorar comercial, industrial e cientificamente as parcerias entre Brasil e Uruguai, entre Brasil e Argentina, entre Brasil e Paraguai, entre Brasil e Venezuela. Ainda é muito pouco o que nós conseguimos até agora; a gente pode conseguir mais. Os países têm possibilidade de oferecer mais. Na medida que a gente consiga ter acesso às novas tecnologias, a um processo de inovação em que a gente consiga produzir de forma mais competitiva, nós poderemos, sim, entrar nesse mundo globalizado cada vez mais difícil.

Acho que temos que aproveitar o bom nível de escolaridade que têm Argentina e Uruguai. Obviamente que isso é uma vantagem, para a gente construir esse parque industrial do MERCOSUL com mais facilidade e ser mais competitivo.

A verdade é a seguinte: nós temos a metade do planeta que ainda não tem acesso à esses benefícios. Metade da China, metade da Índia, metade do continente africano, metade do continente latino-americano de pessoas que querem trabalhar, ganhar salário, virar cidadãos. E essa gente vai consumir o que a gente produzir, seja na indústria, seja no campo, seja produto sofisticado, seja produto primário. Eu penso que nós estamos aptos e ávidos para crescer e crescer fazendo justiça social.

O papel do Brasil é utilizar o seu potencial de desenvolvimento para criar uma indústria do MERCOSUL. Criar tudo que o Brasil puder construir em parceria com Argentina, Paraguai, Uruguai é muito importante.

O que o senhor acha do papel que tem, atualmente, a ONU, que parece a cada dia mais superada pela conjuntura?

Durante 8 anos que fui presidente, dediquei parte do meu tempo para convencer as pessoas que não era possível a ONU continuar hoje com a mesma representatividade que ela teve no pós-guerra. O mundo de hoje não é o mundo de 1948; a ONU de hoje não representa o mundo. É só você pegar o mapa político do mundo que você vai perceber isso. Então, o que nós defendemos é que a ONU tenha mais representatividade, que esteja presente na América Latina, que esteja presente na África, que esteja presente na Índia e em outros países, para que as decisões da ONU sejam mais representativas. Veja que, hoje, você não tem nenhuma governança global capaz de resolver qualquer problema, por menor que ele seja. Não há uma governança global com autoridade legal para impor.

Eu fico imaginando… Foi a ONU que criou o Estado de Israel, a ONU é que deveria garantir a paz no Oriente Médio e demarcação das terras [palestinas]. Por que não faz isso?

A ONU está enfraquecida, sobretudo os membros permanentes do Conselho de Segurança. Quatro membros permanentes do Conselho de Segurança mais a Alemanha são os cinco maiores vendedores de armas do mundo, ou seja, o mundo é quase dividido geograficamente, de comum acordo com os interesses de cada membro do conselho. Quando, na verdade, você poderia aprovar a reforma da ONU com participação de mais países. Quantos países da África? Se são 54 países, discuta, sei lá, se são África do Sul, Nigéria e Egito juntos. De 54 países, pode ter três. Por que a Europa, tão pequenininha, tem tantos e a África, tão grande, não tem nenhum? Por que a América Latina é tão grande e não tem nenhum? Por que a Índia, com 1 bilhão de habitantes não está presente? Seria apenas uma questão de bom senso. Exercitar a democracia sem que nenhum país queira ter a hegemonia, como os americanos querem ter. É por isso que eu defendo a reforma da ONU; porque hoje ela representa muito pouco.

Quanto a figura do presidente Mujica contribui para a causa da integração latino-americana?

Eu acho que o companheiro Mujica é um daqueles seres humanos que, se não tivesse nascido, teria que nascer. Eu acho que sua trajetória política, sua capacidade de exercitar o debate democrático, sua tranquilidade de conviver com as diversidades o transforma em um dos dirigentes políticos mais extraordinários que eu conheci. Ou seja, eu nunca vi ninguém que passou pelos maus bocados, como passou Mujica, que foi tão maltratado na ditadura uruguaia, eu nunca vi um homem tão tranquilo, tão democrático, tão afável e tão humanista. A figura dele contribui, e a figura dele é a garantia de que é possível acreditar no ser humano; vale a pena acreditar no ser humano. Ele é parte importante do fortalecimento do MERCOSUL.

O senhor voltará a se candidatar em 2014?

Recentemente, eu já afirmei que não em uma entrevista no Brasil. Estarei com 72 anos, e acho que vai ser hora de eu ficar contando minhas experiências. Acho que já dei minha contribuição. Mas, como eu disse na outra entrevista, a gente não sabe das circunstâncias do futuro. Em política, a gente não descarta nada, definitivamente.”

FONTE: entrevista conduzida por Gustavo Carabajal e publicada no jornal uruguaio “La República”. Transcrita no portal “Vermelho” com tradução do “Instituto Lula” (
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=210008&id_secao=7
).

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