Há poucos dias circulou na internet e em centenas de e-mail a seguinte notícia:
“Vestibular da Universidade de São Paulo cobrou dos candidatos a interpretação do seguinte trecho de poema de Camões:
"Amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente, é um contentamento descontente, dor que desatina sem doer ".
Uma vestibulanda de 19 anos deu a sua interpretação em forma de poesia:
"Ah! Camões, se vivesses hoje em dia, tomavas uns antipiréticos, uns quantos analgésicos e Prozac para a depressão. Compravas um computador, consultavas a Internet e descobririas que essas dores que sentias, esses calores que te abrasavam, essas mudanças de humor repentinas, esses desatinos sem nexo, não eram feridas de amor, mas somente falta de sexo!"
Ganhou nota dez. Foi a primeira vez que, ao longo de mais de 500 anos, alguém desconfiou que o problema de Camões era falta de mulher...”
Ao receber esses e-mail, percebi que a vestibulanda descobriu, também, o mal que acomete a nossa grande imprensa e os seus associados membros do PSDB, DEM-PFL e PPS.
Eles ficam oscilando feito pêndulo, de um extremo ao outro.
Eu já me preocupava com essa disfunção de comportamento por nós presenciada em todos os meios de comunicação.
Sobre isso, em 25 de fevereiro último, elaborei e postei o artigo “Kassab e a imprensa paulista ciclotímica”. Na ocasião, escrevi:
“A nossa imprensa, especialmente a paulista, demonstra estar em processo de ciclotimia. Cada vez pior nos últimos cinco anos. Segundo o dicionário, essa é a "forma de alienação mental mais ou menos grave, caracterizada pela alternância de períodos de superexcitação e de depressão melancólica".
Ora ela investiga e acusa, eufórica e escandalosamente, as minúcias de supostas irregularidades do governo federal. Ora mergulha em introvertimento e, deprimida, desinteressada, nada comenta sobre irregularidades do governo estadual de São Paulo ou da prefeitura da cidade.”
Também, sobre a mesma doença, que espero ser tratável, escrevi neste blog, em 28 de março, sob o título “Dossiês “fajutos”?”, a seguinte constatação:
A imprensa e a oposição ora classificam como grave alguma coisa, e como muito bom essa coisa ter vazado para a imprensa e sido denunciada para o público. Ao contrário, no momento seguinte passa a ser criminoso o vazamento. Ora classifica um dossiê como algo muitíssimo importante,ora o tratam como “fajuto”.
É uma inconstância que muitos já diagnosticaram por “ferida de amor”, saudades do ‘charmoso’, ‘muito culto e admirado nos países ricos’, ‘poliglota’, ‘neoliberal’ e ‘chic’ FHC...
Escrevi no artigo de 28 de março:
“A grande mídia e a oposição são muito eficientes em classificar como fajutos, falsos, criminosos, todos os documentos que revelem algo contra o PSDB, o PFL (DEM), FHC, Serra e outros do mesmo grupo de interesses.
Foram inúmeros os casos. Relembrarei somente alguns.
Recordam-se do levantamento de dados de escutas telefônicas que descobriram uma articulação do ex-presidente do BNDES, Mendonça de Barros, e o então presidente FHC para criminosamente influenciar em uma licitação (das teles) “até o limite da irresponsabilidade”?
O que ocorreu após? A grande mídia e os partidos do governo, PSDB e PFL, conseguiram eficientemente transformar o fato em somente um crime de escuta clandestina daquelas conversas telefônicas do presidente. Foi o “escândalo dos arapongas”, “resquício dos governos militares”...
Lembram-se da revelação publicada em 2005, documentada, de todos os políticos que fizeram campanha usando caixa dois com dinheiro público da estatal FURNAS Centrais Elétricas S.A.?
Lá constam políticos como José Serra (R$ 7 milhões), Geraldo Alkmin (R$ 9,3 milhões), Rodrigo Maia (R$ 200 mil), ACM Neto (R$ 150 mil), Gilberto Kassab (R$ 100 mil), Eduardo Azeredo (R$ 500 mil), Aluízio Nunes Ferreira (R$ 50 mil), Roberto Jefferson (R$ 75 mil) e muitos outros, especialmente do PSDB e do PFL (nenhum do PT, na época).
A veracidade do documento de Furnas foi analisada pela polícia, com o apoio do “Laboratório de Perícias” de Campinas. A conclusão, assinada pelo Prof. Dr. Ricardo Molina em 28/10/2005, afirma “a ausência de indícios de falsidade na cópia” (apesar de isso não garantir a autenticidade do suposto original). Conclui o Dr. Molina: “o documento não apresenta indícios de manipulação fraudulenta”.
Oficial e publicamente, o deputado Roberto Jefferson confirmou que, na sua parte, o documento de Furnas era verdadeiro. Recebera exatamente os nele especificados R$ 75 mil.
O que aconteceu após? Aquilo foi rotulado de “dossiê fajuto” e nunca mais se ouviu falar nisso na mídia.
Lembram-se da relação dos 'sanguessugas', dos 'vampiros', das centenas e centenas de ambulâncias ôcas, somente cascas, vendidas para órgãos públicos com grande superfaturamento na gestão do ex-Ministro da Saúde Serra (o melhor do mundo segundo ele mesmo, FHC e o PSDB)?
A grande mídia, com galhardia, conseguiu, depois de muitas idas e vindas e ajuda de delegado não ligado à investigação, reduzir tudo, na cabeça do eleitor, ao caso do 'suposto dossiê contra Serra', ‘fajuto’, tentado adquirir pelos "aloprados do PT", para vazá-lo com fins eleitoreiros.
Lembram-se do espetáculo televisivo no ano passado, em cadeia nacional, do STF julgando a aceitação da denúncia do “mensalão” contra integrantes do PT? Os ministros do STF que aceitaram as denúncias viraram heróis nacionais, com capas de revistas e reportagens especiais a eles dedicadas.
E onde está o dossiê do “mensalão do PSDB” que inteligentemente a mídia o reduziu, como camuflagem, a “mensalão mineiro”?
VAZAMENTO É O QUE IMPORTA – VAZAMENTO NÃO IMPORTA
Agora, vejo a grande mídia e a oposição denominando o levantamento em curso das despesas com cartões corporativos, e do seu anterior equivalente “contas tipo B” usado pelo governo FHC, como dossiê fajuto, ilegal, criminoso etc naquilo que concerne ao governo FHC/PSDB/PFL(DEM).
Parênteses. Também, a imprensa já esqueceu e escondeu que os gastos do tucano Serra com tais cartões foram muito mais reprováveis e em escalas relativas muito superiores aos do governo federal.
Assim, há duas semanas, o vazamento daquele dossiê esquisitamente muito “edulcorado” sobre FHC e a ‘doutora’ Ruth era o crime mais grave dos últimos tempos, segundo a imprensa.
Surpreendentemente, tão logo foi descoberto que o próprio PSDB, por intermédio do Senador Álvaro Dias, réu confesso, estava envolvido no vazamento, isso deixou de ser comentado pela imprensa. Deixou de ser crime.
Hoje, todos os jornais em suas manchetes, criticam capciosamente que, a pedido da Casa Civil, a Polícia Federal somente vai investigar o crime de vazamento de notícia sigilosa, e não o de fazer levantamento de dados referentes a FHC e Dra. Ruth. Todos sabemos, e a imprensa está cansada de saber, que por lei feita em governo anterior a Lula, fazer levantamento de dados, ‘dossiê’, não é enquadrado como infração da lei. Logo, a polícia não pode investigar isso. Somente a revelação de dados sigilosos é delito previsto em lei.
Porém, a imprensa continua distorcendo e martelando.
Por exemplo, publica “O Estado de São Paulo” hoje em sua primeira página: “Investigação da PF se limita ao vazamento do dossiê anti-FHC”. “O Ministério da Justiça determinou ontem à Polícia Federal que abra inquérito para investigar apenas o vazamento do dossiê com gastos do então presidente Fernando Henrique Cardoso. A PF não vai apurar quem produziu o dossiê, elaborado a partir de dados reunidos pela Casa Civil da Presidência. "O foco da investigação é o vazamento de dados", disse o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa.”
O jornal “O Globo” bate na mesma tecla: “PF vai apurar quem vazou, mas não quem fez o dossiê”. “Depois de conversar com a colega Dilma Rousseff, da Casa Civil, o ministro da Justiça, Tarso Genro, determinou ontem à Polícia Federal que abra inquérito para apurar quem vazou o dossiê com informações sobre gastos do governo Fernando Henrique. Mas a PF não vai investigar, deixou claro, quem produziu o dossiê no Palácio do Planalto e por quê.”
Assim, concluo, a vestibulanda da USP foi feliz em diagnosticar os desatinos de Camões, trazendo-nos também o esclarecimento da razão dos contra-sensos da oposição e da grande mídia. Falta de sexo...
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