Ilustração sacada da rede reproduz a revista “Veja” e um dos parceiros da revista dos Civita, “o campeão de ética” Demóstenes Torres
[Esse senador do DEM (colocado pela "Veja" na fotomontagem como o mais alto "mosqueteiro da ética" [!!!], apesar de baixinho) foi flagrado agindo como auxiliar do criminoso Cachoeira no Congresso e de suas tramas em conluio com a revista “Veja”. Demóstenes não é petista. Assim, com toda a benevolência e mansidão do STF, PGR-MP e da mídia, continua impune, solto, regiamente pago com dinheiro público].
A GUERRA DE RÓTULOS DA MÍDIA QUE SEMEIA A INTOLERÂNCIA E O ÓDIO
A LINGUAGEM SELETIVA DO ‘MENSALÃO’
Por Venício A. de Lima
“Quando pouco ainda se falava sobre “história conceitual”, isto é, sobre a semântica histórica de conceitos e palavras, foi publicado o indispensável “Palavras-Chave” (um vocabulário de cultura e sociedade) [1ª edição 1976; tradução brasileira “Boitempo”, 2007], do ex-professor de Cambridge Raymond Williams (1921-1988).
Ao analisar as mudanças na significação de 130 “palavras-chave”, como ciência, democracia, ideologia, liberal, mídia, popular e revolução, Williams argumentava que as questões de significação de uma palavra estão inexoravelmente vinculadas aos problemas em cuja discussão ela está sendo utilizada. E, mais ainda, que o uso dos diferentes significados de palavras identifica formas diversas de pensar e ver o mundo. Para ele, a apropriação de um determinado significado que serve a um argumento específico exclui aqueles outros significados que são inconvenientes ao argumento. Trata-se, portanto, de uma questão de poder.
Anos mais tarde, através do precioso “Language and Hegemony in Gramsci” do cientista político estadunidense, radicado no Canadá, Peter Ives (1ª edição 2004), soube-se que o filósofo sardenho desenvolveu o conceito de hegemonia – a formação e a organização do consentimento – a partir de seus estudos de linguística. Poucos se lembram de que, por ocasião da unificação italiana (1861), apenas entre 2,5% e 12% da população falavam a mesma língua. Daí serem previsíveis as enormes implicações sociais e políticas da unificação linguística, sobretudo o enorme poder de ajustamento e conformidade em torno da institucionalização de uma língua única que se tornaria a língua italiana.
Na verdade, não só as palavras mudam de significação ao longo do tempo, como palavras novas são introduzidas no nosso cotidiano e passam a constituir uma nova linguagem, um novo vocabulário dentro do qual se aprisionam determinadas formas de pensar e ver o mundo.
Mais recentemente, a leitura tardia do impressionante “LTI – A linguagem do Terceiro Reich” (1ª. edição 1947, tradução brasileira “Contraponto”, 2009), do filólogo alemão Victor Klemperer (1881-1960), dissipou qualquer dúvida que ainda restasse sobre a importância fundamental das palavras, da linguagem, do vocabulário para a conformação de determinada maneira de pensar. Está lá:
“O nazismo se embrenhou na carne e no sangue das massas por meio de palavras, expressões e frases impostas pela repetição, milhares de vezes, e aceitas inconsciente e mecanicamente. (…) A língua conduz o meu sentimento, dirige a minha mente, de forma tão mais natural quanto mais eu me entregar a ela inconscientemente. (…) Palavras podem ser como minúsculas doses de arsênico: são engolidas de maneira despercebida e parecem ser inofensivas; passado um tempo, o efeito do veneno se faz notar” (p.55).
Vale a epígrafe do LTI retirada de Franz Rosenzweig (1886-1929): “A linguagem é mais do que sangue”.
BALANÇO DO ANO
As referências a Williams, Ives (Gramsci) e Klemperer são apresentadas aqui para justificar a escolha que fiz diante da necessidade de produzir um balanço de 2013 em relação ao setor de mídia.
O que de mais importante aconteceu no nosso país de 2005 para cá – vale dizer, ao longo dos últimos oito anos – e se consolidou em 2013 com as várias semanas de julgamento televisionado, ao vivo, no Supremo Tribunal Federal?
Estou convencido de que foi a formação de uma linguagem nova, seletiva e específica, com a participação determinante da grande mídia, dentro da qual parcela dos brasileiros passaram a “ver” os réus da Ação Penal nº 470, em particular aqueles ligados ao Partido dos Trabalhadores.
Ainda em 2006 (cf. capítulo 1 de “Mídia: crise política e poder no Brasil”; Editora “Fundação Perseu Abramo”), argumentei que uma das consequências mais visíveis da crise política foi o aparecimento, na grande mídia, de uma série de novas palavras/expressões como mensalão, mensaleiros, partidos do mensalão, CPI do mensalão, valerioduto, CPI chapa-branca, silêncio dos intelectuais, homem da mala, doleiro do PT, conexão cubana, operação Paraguai, conexão Lisboa, república de Ribeirão Preto, operação pizza, dança da pizza, dentre outros.
Em artigo publicado na “Folha de S.Paulo”, Fábio Kerche também chamou atenção para a recuperação pela grande mídia de dois conceitos clássicos de nossa sociologia política – coronelismo e populismo –, que passaram a ser utilizados na cobertura da crise política com nova significação desvinculada de suas raízes e especificidades históricas (cf. “Simplificações conceituais” in “Folha de S.Paulo”, 23/3/2006, p. A-3).
O verdadeiro significado dessas novas palavras/expressões, dizia à época, só pode ser compreendido dentro dos contextos concretos em que surgiram e passaram a ser utilizadas. São tentativas de expressar, de maneira simplificada, questões complexas, ambíguas e de interpretação múltipla e polêmica (aberta). Elas buscam reduzir (fechar) um variado leque de significados a apenas um único “significado guarda-chuva” facilmente assimilável. Uma espécie de rótulo.
Exaustivamente repetidas na cobertura política, tanto da mídia impressa como da eletrônica, essas palavras/expressões vão perdendo sua ambiguidade original pela associação continuada a apenas um conjunto de significados. É dessa forma que elas acabam sendo incorporadas ao vocabulário cotidiano do cidadão comum.
Mas elas passam, também, a ser utilizadas, por exemplo, nas pesquisas de “opinião pública”, muitas vezes realizadas por institutos controlados pela própria grande mídia. Esse movimento circular viciado produz não só aferições contaminadas da “opinião pública” como induz o cidadão comum a uma percepção simplificada e muitas vezes equivocada do que realmente se passa.
Relacionei ainda as omissões e/ou as saliências na cobertura que a grande mídia oferecia da crise política – evidentes já àquela época –, protegendo a si mesma em relação à destinação de recursos publicitários e/ou favorecendo politicamente à oposição político-partidária ao governo Lula e ao Partido dos Trabalhadores (PT). Algumas dessas omissões foram objeto de denúncia do jornalista Carlos Dorneles, então na “Rede Globo” (13/10/2005) e do ombudsman da “Folha de S.Paulo” (23/10/2005).
DE 2005 A 2013
Nos últimos oito anos, o comportamento da grande mídia não se alterou. Ao contrário. A crise política foi se transformando no “maior escândalo de corrupção da historia do país” e confirmou-se o padrão de seletividade (omissão e/ou saliência) na cobertura jornalística, identificado desde 2005.
Até 2005, “mensalão” era apenas “o imposto que pode ser recolhido pelo contribuinte que tenha mais de uma fonte pagadora. Se o contribuinte recebe, por exemplo, aposentadoria e salário e não deseja acumular os impostos que irão resultar num valor muito alto a pagar na declaração mensal, ele pode antecipar esse pagamento por meio de parcela mensal”.
Nos últimos anos, “mensalão” passou a ser “um esquema de corrupção” e tornou-se “mensalão do PT”, enquanto situações idênticas e anteriores [de outros partidos], raramente mencionadas, foram identificadas pela geografia e não pelo partido político (“mensalão mineiro”...). Como resultado, foi se construindo, sistematicamente, uma associação generalizada, seletiva e deliberada entre corrupção e os governos Lula e o PT, ou melhor, seus filiados e/ou simpatizantes.
“Mensaleiro” passou a designar qualquer envolvido na Ação Penal nº 470, independentemente de ter sido ou não comprovada a prática criminosa de pagamento e/ou recebimento de mensalidades em dinheiro “sujo” com o objetivo de se alterar o resultado nas votações de projetos de lei no Congresso Nacional.
A generalização seletiva tornou-se a prática deliberada e rotineira da grande mídia e, aos poucos, as palavras “petista” – designação de filiado ao Partido dos Trabalhadores – e “mensaleiro”, se transformaram em palavrões equivalentes a “comunista”, “subversivo” ou “terrorista” na época da ditadura militar (1964-1985). “Petista” e “mensaleiro” tornaram-se, implicitamente, inimigos públicos e sinônimos de corruptos e desonestos.
O escárnio em relação aos “mensaleiros petistas” atingiu o seu auge com a prisão espetaculosa de alguns dos réus, por determinação do presidente do STF, no simbólico feriado da Proclamação da República (15 de novembro), antes do trânsito em julgado da Ação Penal nº 470, com ampla cobertura ao vivo das principais emissoras de televisão. Ofereceu-se, assim, a oportunidade para que articulistas da grande mídia passassem a citar seletivamente os nomes dos petistas detidos precedidos do adjetivo “presidiário”.
Da mesma forma, o que poderia ser questionado como uma prisão arbitrária (antes do trânsito em julgado; exposição desnecessária em périplo aéreo por três cidades do país; regime fechado para condenados em regime aberto; substituição arbitrária do juiz da vara de execuções penais de Brasília etc.) foi se transformando em “um privilégio dos mensaleiros petistas”.
Na cobertura oferecida pela grande mídia, esses “privilégios” foram identificados pelas visitas inicialmente permitidas em dias diferentes daqueles dos demais detidos no complexo da Papuda; pela solicitação de regime diferenciado em função da saúde precária de um dos “mensaleiros petistas” e pela remuneração elevada do emprego oferecido (em seguida descartado) a outro.
SINAIS DE INTOLERÂNCIA
Não é necessário mencionar aqui as inúmeras e pendentes questões – inclusive jurídicas – envolvendo o polêmico julgamento da Ação Penal nº 470 e os interesses político-partidários em jogo relativos a situações idênticas e anteriores que, todavia, ainda não mereceram a atenção correspondente do Poder Judiciário e, muito menos, da grande mídia.
O ano de 2013, certamente, poderá ser lembrado como aquele em que ocorreu o julgamento da Ação Penal nº 470 e pelo desmesurado papel que a grande mídia desempenhou em todo o processo. Um vocabulário seletivo específico e uma linguagem correspondente se consolidaram em relação aos eventos nomeados pela nova palavra “mensalão”.
Tendo como referência os ensinamentos de Williams, Ives (Gramsci) e Klemperer, vale a pergunta: até que ponto esse vocabulário e essa linguagem influenciam a maneira pela qual alguns dos envolvidos passaram a ser “vistos” pela população brasileira (ou parte dela) e contribuem para criar um clima político não democrático, de intolerância, de ódio e de recusa intransigente a sequer ouvir qualquer posição diferente da sua?
Para além da formação seletiva de um vocabulário e de uma linguagem específicas, bastaria relembrar as declarações do ministro Celso Melo por ocasião do julgamento dos embargos infringentes: “Nunca a mídia foi tão ostensiva para subjugar um juiz”.
VALE A PENA REPETIR COM VICTOR KLEMPERER:
“Palavras podem ser como minúsculas doses de arsênico: são engolidas de maneira despercebida e parecem ser inofensivas; passado um tempo, o efeito do veneno se faz notar”.
PS do Viomundo: E agora “O Globo” e a “Folha” se dedicam conjuntamente a “virar” a Papuda, a provocar uma rebelião para jogar na conta do Zé Dirceu!
FONTE: escrito por Venício A. de Lima, jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (CERBRAS) da UFMG e organizador/autor, com Juarez Guimarães, de “Liberdade de Expressão: as várias faces de um desafio”, “Paulus”, 2013, entre outros livros. Artigo publicado no portal “Viomundo’ (http://www.viomundo.com.br/politica/venicio-lima-a-guerra-de-rotulos-da-midia-que-semeia-a-intolerancia-e-o-odio.html). [Trechos entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].
[Esse senador do DEM (colocado pela "Veja" na fotomontagem como o mais alto "mosqueteiro da ética" [!!!], apesar de baixinho) foi flagrado agindo como auxiliar do criminoso Cachoeira no Congresso e de suas tramas em conluio com a revista “Veja”. Demóstenes não é petista. Assim, com toda a benevolência e mansidão do STF, PGR-MP e da mídia, continua impune, solto, regiamente pago com dinheiro público].
A GUERRA DE RÓTULOS DA MÍDIA QUE SEMEIA A INTOLERÂNCIA E O ÓDIO
A LINGUAGEM SELETIVA DO ‘MENSALÃO’
Por Venício A. de Lima
“Quando pouco ainda se falava sobre “história conceitual”, isto é, sobre a semântica histórica de conceitos e palavras, foi publicado o indispensável “Palavras-Chave” (um vocabulário de cultura e sociedade) [1ª edição 1976; tradução brasileira “Boitempo”, 2007], do ex-professor de Cambridge Raymond Williams (1921-1988).
Ao analisar as mudanças na significação de 130 “palavras-chave”, como ciência, democracia, ideologia, liberal, mídia, popular e revolução, Williams argumentava que as questões de significação de uma palavra estão inexoravelmente vinculadas aos problemas em cuja discussão ela está sendo utilizada. E, mais ainda, que o uso dos diferentes significados de palavras identifica formas diversas de pensar e ver o mundo. Para ele, a apropriação de um determinado significado que serve a um argumento específico exclui aqueles outros significados que são inconvenientes ao argumento. Trata-se, portanto, de uma questão de poder.
Anos mais tarde, através do precioso “Language and Hegemony in Gramsci” do cientista político estadunidense, radicado no Canadá, Peter Ives (1ª edição 2004), soube-se que o filósofo sardenho desenvolveu o conceito de hegemonia – a formação e a organização do consentimento – a partir de seus estudos de linguística. Poucos se lembram de que, por ocasião da unificação italiana (1861), apenas entre 2,5% e 12% da população falavam a mesma língua. Daí serem previsíveis as enormes implicações sociais e políticas da unificação linguística, sobretudo o enorme poder de ajustamento e conformidade em torno da institucionalização de uma língua única que se tornaria a língua italiana.
Na verdade, não só as palavras mudam de significação ao longo do tempo, como palavras novas são introduzidas no nosso cotidiano e passam a constituir uma nova linguagem, um novo vocabulário dentro do qual se aprisionam determinadas formas de pensar e ver o mundo.
Mais recentemente, a leitura tardia do impressionante “LTI – A linguagem do Terceiro Reich” (1ª. edição 1947, tradução brasileira “Contraponto”, 2009), do filólogo alemão Victor Klemperer (1881-1960), dissipou qualquer dúvida que ainda restasse sobre a importância fundamental das palavras, da linguagem, do vocabulário para a conformação de determinada maneira de pensar. Está lá:
“O nazismo se embrenhou na carne e no sangue das massas por meio de palavras, expressões e frases impostas pela repetição, milhares de vezes, e aceitas inconsciente e mecanicamente. (…) A língua conduz o meu sentimento, dirige a minha mente, de forma tão mais natural quanto mais eu me entregar a ela inconscientemente. (…) Palavras podem ser como minúsculas doses de arsênico: são engolidas de maneira despercebida e parecem ser inofensivas; passado um tempo, o efeito do veneno se faz notar” (p.55).
Vale a epígrafe do LTI retirada de Franz Rosenzweig (1886-1929): “A linguagem é mais do que sangue”.
BALANÇO DO ANO
As referências a Williams, Ives (Gramsci) e Klemperer são apresentadas aqui para justificar a escolha que fiz diante da necessidade de produzir um balanço de 2013 em relação ao setor de mídia.
O que de mais importante aconteceu no nosso país de 2005 para cá – vale dizer, ao longo dos últimos oito anos – e se consolidou em 2013 com as várias semanas de julgamento televisionado, ao vivo, no Supremo Tribunal Federal?
Estou convencido de que foi a formação de uma linguagem nova, seletiva e específica, com a participação determinante da grande mídia, dentro da qual parcela dos brasileiros passaram a “ver” os réus da Ação Penal nº 470, em particular aqueles ligados ao Partido dos Trabalhadores.
Ainda em 2006 (cf. capítulo 1 de “Mídia: crise política e poder no Brasil”; Editora “Fundação Perseu Abramo”), argumentei que uma das consequências mais visíveis da crise política foi o aparecimento, na grande mídia, de uma série de novas palavras/expressões como mensalão, mensaleiros, partidos do mensalão, CPI do mensalão, valerioduto, CPI chapa-branca, silêncio dos intelectuais, homem da mala, doleiro do PT, conexão cubana, operação Paraguai, conexão Lisboa, república de Ribeirão Preto, operação pizza, dança da pizza, dentre outros.
Em artigo publicado na “Folha de S.Paulo”, Fábio Kerche também chamou atenção para a recuperação pela grande mídia de dois conceitos clássicos de nossa sociologia política – coronelismo e populismo –, que passaram a ser utilizados na cobertura da crise política com nova significação desvinculada de suas raízes e especificidades históricas (cf. “Simplificações conceituais” in “Folha de S.Paulo”, 23/3/2006, p. A-3).
O verdadeiro significado dessas novas palavras/expressões, dizia à época, só pode ser compreendido dentro dos contextos concretos em que surgiram e passaram a ser utilizadas. São tentativas de expressar, de maneira simplificada, questões complexas, ambíguas e de interpretação múltipla e polêmica (aberta). Elas buscam reduzir (fechar) um variado leque de significados a apenas um único “significado guarda-chuva” facilmente assimilável. Uma espécie de rótulo.
Exaustivamente repetidas na cobertura política, tanto da mídia impressa como da eletrônica, essas palavras/expressões vão perdendo sua ambiguidade original pela associação continuada a apenas um conjunto de significados. É dessa forma que elas acabam sendo incorporadas ao vocabulário cotidiano do cidadão comum.
Mas elas passam, também, a ser utilizadas, por exemplo, nas pesquisas de “opinião pública”, muitas vezes realizadas por institutos controlados pela própria grande mídia. Esse movimento circular viciado produz não só aferições contaminadas da “opinião pública” como induz o cidadão comum a uma percepção simplificada e muitas vezes equivocada do que realmente se passa.
Relacionei ainda as omissões e/ou as saliências na cobertura que a grande mídia oferecia da crise política – evidentes já àquela época –, protegendo a si mesma em relação à destinação de recursos publicitários e/ou favorecendo politicamente à oposição político-partidária ao governo Lula e ao Partido dos Trabalhadores (PT). Algumas dessas omissões foram objeto de denúncia do jornalista Carlos Dorneles, então na “Rede Globo” (13/10/2005) e do ombudsman da “Folha de S.Paulo” (23/10/2005).
DE 2005 A 2013
Nos últimos oito anos, o comportamento da grande mídia não se alterou. Ao contrário. A crise política foi se transformando no “maior escândalo de corrupção da historia do país” e confirmou-se o padrão de seletividade (omissão e/ou saliência) na cobertura jornalística, identificado desde 2005.
Até 2005, “mensalão” era apenas “o imposto que pode ser recolhido pelo contribuinte que tenha mais de uma fonte pagadora. Se o contribuinte recebe, por exemplo, aposentadoria e salário e não deseja acumular os impostos que irão resultar num valor muito alto a pagar na declaração mensal, ele pode antecipar esse pagamento por meio de parcela mensal”.
Nos últimos anos, “mensalão” passou a ser “um esquema de corrupção” e tornou-se “mensalão do PT”, enquanto situações idênticas e anteriores [de outros partidos], raramente mencionadas, foram identificadas pela geografia e não pelo partido político (“mensalão mineiro”...). Como resultado, foi se construindo, sistematicamente, uma associação generalizada, seletiva e deliberada entre corrupção e os governos Lula e o PT, ou melhor, seus filiados e/ou simpatizantes.
“Mensaleiro” passou a designar qualquer envolvido na Ação Penal nº 470, independentemente de ter sido ou não comprovada a prática criminosa de pagamento e/ou recebimento de mensalidades em dinheiro “sujo” com o objetivo de se alterar o resultado nas votações de projetos de lei no Congresso Nacional.
A generalização seletiva tornou-se a prática deliberada e rotineira da grande mídia e, aos poucos, as palavras “petista” – designação de filiado ao Partido dos Trabalhadores – e “mensaleiro”, se transformaram em palavrões equivalentes a “comunista”, “subversivo” ou “terrorista” na época da ditadura militar (1964-1985). “Petista” e “mensaleiro” tornaram-se, implicitamente, inimigos públicos e sinônimos de corruptos e desonestos.
O escárnio em relação aos “mensaleiros petistas” atingiu o seu auge com a prisão espetaculosa de alguns dos réus, por determinação do presidente do STF, no simbólico feriado da Proclamação da República (15 de novembro), antes do trânsito em julgado da Ação Penal nº 470, com ampla cobertura ao vivo das principais emissoras de televisão. Ofereceu-se, assim, a oportunidade para que articulistas da grande mídia passassem a citar seletivamente os nomes dos petistas detidos precedidos do adjetivo “presidiário”.
Da mesma forma, o que poderia ser questionado como uma prisão arbitrária (antes do trânsito em julgado; exposição desnecessária em périplo aéreo por três cidades do país; regime fechado para condenados em regime aberto; substituição arbitrária do juiz da vara de execuções penais de Brasília etc.) foi se transformando em “um privilégio dos mensaleiros petistas”.
Na cobertura oferecida pela grande mídia, esses “privilégios” foram identificados pelas visitas inicialmente permitidas em dias diferentes daqueles dos demais detidos no complexo da Papuda; pela solicitação de regime diferenciado em função da saúde precária de um dos “mensaleiros petistas” e pela remuneração elevada do emprego oferecido (em seguida descartado) a outro.
SINAIS DE INTOLERÂNCIA
Não é necessário mencionar aqui as inúmeras e pendentes questões – inclusive jurídicas – envolvendo o polêmico julgamento da Ação Penal nº 470 e os interesses político-partidários em jogo relativos a situações idênticas e anteriores que, todavia, ainda não mereceram a atenção correspondente do Poder Judiciário e, muito menos, da grande mídia.
O ano de 2013, certamente, poderá ser lembrado como aquele em que ocorreu o julgamento da Ação Penal nº 470 e pelo desmesurado papel que a grande mídia desempenhou em todo o processo. Um vocabulário seletivo específico e uma linguagem correspondente se consolidaram em relação aos eventos nomeados pela nova palavra “mensalão”.
Tendo como referência os ensinamentos de Williams, Ives (Gramsci) e Klemperer, vale a pergunta: até que ponto esse vocabulário e essa linguagem influenciam a maneira pela qual alguns dos envolvidos passaram a ser “vistos” pela população brasileira (ou parte dela) e contribuem para criar um clima político não democrático, de intolerância, de ódio e de recusa intransigente a sequer ouvir qualquer posição diferente da sua?
Para além da formação seletiva de um vocabulário e de uma linguagem específicas, bastaria relembrar as declarações do ministro Celso Melo por ocasião do julgamento dos embargos infringentes: “Nunca a mídia foi tão ostensiva para subjugar um juiz”.
VALE A PENA REPETIR COM VICTOR KLEMPERER:
“Palavras podem ser como minúsculas doses de arsênico: são engolidas de maneira despercebida e parecem ser inofensivas; passado um tempo, o efeito do veneno se faz notar”.
PS do Viomundo: E agora “O Globo” e a “Folha” se dedicam conjuntamente a “virar” a Papuda, a provocar uma rebelião para jogar na conta do Zé Dirceu!
FONTE: escrito por Venício A. de Lima, jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (CERBRAS) da UFMG e organizador/autor, com Juarez Guimarães, de “Liberdade de Expressão: as várias faces de um desafio”, “Paulus”, 2013, entre outros livros. Artigo publicado no portal “Viomundo’ (http://www.viomundo.com.br/politica/venicio-lima-a-guerra-de-rotulos-da-midia-que-semeia-a-intolerancia-e-o-odio.html). [Trechos entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].
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