sábado, 28 de dezembro de 2013

O BRASIL E SEU 'MAR INTERIOR'


Por José Luís Fiori

O Brasil possui capacidade econômica e tecnológica para explorar os recursos oferecidos pelo oceano, mas não possui o poder de defender a soberania desse mar.

Situado entre a costa leste da América do Sul, e a costa oeste da África Negra, o Atlântico Sul ocupa lugar decisivo do ponto de vista do interesse econômico e estratégico brasileiro: como fonte de recursos, como via de comunicação, e como meio de projeção da influência do país no continente africano.

Além do “pré-sal” brasileiro, existem reservas de petróleo na plataforma continental argentina, e na região do Golfo da Guiné, sobretudo na Nigéria, Angola, e no Congo, Gabão, São Tomé e Príncipe. Na costa ocidental africana, também existem grandes reservas de gás na Namíbia, e de carvão, na África do Sul; e na bacia atlântica se acumulam crostas cobaltíferas, nódulos polimetálicos (contendo níquel, cobalto, cobre e manganês), sulfetos (contendo ferro, zinco, prata, cobre e ouro), além de depósitos de diamante, ouro e fósforo, entre outros minerais relevantes, e já foram identificadas grandes fontes energéticas e minerais na região da Antártica. Além disso, o Atlântico Sul é via de transporte e comunicação fundamental entre o Brasil e a África, e é espaço crucial para a defesa dos países ribeirinhos, dos dois lados do oceano.

A Argentina tem 5 mil km de costa, sustenta uma disputa territorial com a Grã Bretanha, e tem importante projeção no território da Antártida e nas passagens interoceânicas do canal de Beagle e do estreito de Drake. Do outro lado do Atlântico, a África do Sul ocupa o vértice meridional do continente africano, e é um país bioceânico, banhado simultaneamente pelo Atlântico e pelo Índico, com 3000 km de costas marítimas, e cerca de 1 milhão de km2 de águas jurisdicionais, ocupando posição muito importante como ponto de passagem entre o “ocidente’ e o “oriente”, por onde circula cerca de 60% do petróleo embarcado no Oriente Médio na direção dos EUA e da Europa. Finalmente, a Nigéria e Angola têm 800 e 1600 km de costa atlântica, respectivamente, e as reservas de petróleo do Golfo da Guiné estão estimadas em 100 milhões de barris.

Mas não há dúvida que o Brasil é o país costeiro que tem maior importância econômica e geopolítica dentro do Atlântico Sul, com seus 7490 km de costa, e seus 3.600 milhões de km2 de território marítimo, que podem chegar a 4,4 milhões - mais do que a metade do território continental brasileiro - caso sejam aceitas as reivindicações apresentadas pelo Brasil perante a “Comissão de Limites das Nações Unidas”: quase o dobro do tamanho do Mar Mediterrâneo e do Caribe, e quase 2/3 do Mar da China.

O interesse estratégico do Brasil nessa área vai além da defesa de seu mar territorial, e inclui toda sua “Zona Exclusiva Econômica” (ZEE), por onde passa cerca de 90% do seu comércio internacional; e onde se encontram cerca de 90% das reservas totais de petróleo do Brasil, e 82% de sua produção atual; e mais 67% de suas reservas de gás natural. Além disso, o Brasil possui três ilhas atlânticas que têm importante projeção sobre o território da Antártida, e que são altamente vulneráveis do ponto de vista de sua segurança.

Apesar disso, o controle militar do Atlântico Sul segue em mãos das duas grandes potências anglo-saxônicas. A Grã-Bretanha mantém um cinturão de ilhas e bases navais através do Atlântico Sul, que lhe conferem enorme vantagem estratégica no controle da região. E os EUA dispõem de três comandos que operam na mesma área: o USSOUTHCOM, criado em 1963; o AFRICOM, criado em 2007; e a sua IV Frota Naval, criada durante a II Guerra Mundial e reativada em 2008, com objetivo explícito de policiar o Atlântico Sul.
Além disso, as duas potências anglo-saxônicas controlam, em comum, a Base Aérea da Ilha de Ascenção, onde operam, simultaneamente, a Força Aérea dos EUA, a Força Aérea do Reino Unido e forças dos países da OTAN. Na mesma Ilha de Ascenção, estão instaladas estações de interceptação de sinais e bases do sistema de monitoramento global, denominado “Echelon”, que permite o monitoramento e controle de todo o Oceano Atlântico. Caracterizando-se enorme assimetria de poder e de recursos entre as forças navais e aéreas, das potências anglo-saxônicas e da OTAN, e a dos demais países situados nos dois lados do Atlântico Sul.

Nesse ponto, o Brasil não tem como enganar-se: possui a capacitação econômica e tecnológica para explorar os recursos oferecidos pelo oceano, mas não possui, atualmente, a capacidade de defender a soberania do seu “mar interior”. A capacitação naval do Brasil foi inteiramente dependente da Grã Bretanha e dos Estados Unidos, pelo menos até a década de 70, e o Brasil segue sendo um país vulnerável do ponto de vista da sua capacidade de defesa de sua costa, e de sua plataforma marítima. E esse panorama só poderá ser modificado no longo prazo, depois da construção da nova frota de submarinos convencionais e nucleares que deverão ser entregues à Marinha brasileira entre 2018 e 2045, e depois que o Brasil adquira capacidade autônoma de construção de sua própria defesa aérea. De imediato, entretanto, o cálculo estratégico do Brasil tem que assumir essa assimetria de poder como um dado de realidade e como uma pedra no caminho de sua política de projeção de sua influência no continente africano, e sobre esse seu imenso “mar interior”.

FONTE: escrito por José Luís Fiori e transcrito no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/O-Brasil-e-seu-/29888).

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