Cruz Alta-RS
Da “Carta Maior”
O Estado do Rio Grande do Sul ganhou
prêmio da ONU por estimular a participação cidadã e adotar mecanismos
inovadores nos processos de decisões públicas. Segundo João Motta, Secretário de Planejamento, Gestão e
Participação Cidadã, o atual governo fez uma releitura das experiências
históricas no RS. "Jamais uma
experiência dessas poderia ser implantada se a população não aceitasse, não
participasse", destaca o governador Tarso Genro.
Por Najar Tubino
Porto Alegre - O Rio Grande do Sul obteve o
primeiro lugar na categoria três do “Prêmio
Nações Unidas ao Serviço Público”, para a região da América Latina e Caribe,
dirigida a melhorar a participação cidadã nos processos de decisões públicas,
através de mecanismos inovadores. A entrega acontecerá entre os dias 24 e 27 de
junho, em Manama, no Bahrein, onde a conferência de abertura discutirá o tema “transformação e inovação governamental:
criando um futuro melhor para todos”.
O governador Tarso Genro, que no
início do seu mandato definiu como prioridade a retomada do desenvolvimento
econômico e social, tendo como base as reivindicações da sociedade civil a
nível local e regional, comemorou a distinção da ONU:
“- Essa deferência da ONU,
considerando essa experiência inovadora de interesse mundial, é uma honra para
o povo gaúcho, porque jamais uma experiência dessas poderia ser implantada se a
população não aceitasse, não participasse. Essa forma de participação inovadora
reaproxima o governante do povo e daquela base que lhe dá legitimidade para
governar. Com esse sistema de participação popular, o cidadão comum interfere
na conduta do Executivo, corrige rumos, define projetos e interfere na própria
composição do orçamento. Portanto, dá um rigor muito maior à democracia”.
É preciso esclarecer que os projetos
que se candidatam na ONU passam por uma avaliação de especialistas em
administração pública das Nações Unidas e ele é considerado mundialmente como o
mais prestigiado reconhecimento internacional à excelência no serviço público.
São premiadas as contribuições criativas de instituições do serviço público que
promovem a melhoria e eficiência, destacando o papel e o profissionalismo da
gestão pública.
INTEGRAR EM REDE
O Rio Grande do Sul tem um histórico de iniciativas inovadoras envolvendo a participação da sociedade e seus movimentos organizados, desde a implantação do “Orçamento Participativo” na gestão Olívio Dutra em Porto Alegre, e o início das atividades do “Fórum Social Mundial”, em 2001. Antes disso, já baseado na Constituição de 1988, que abriu canais de participação com a população, foram criados em 1991 os “Conselhos Regionais de Desenvolvimento” (COREDES), que atualmente formam a base da regionalização do “Sistema Estadual de Participação Popular e Cidadã”. São 28 COREDES no estado.
Como esclarece João Motta, Secretário de Planejamento, Gestão e
Participação Cidadã, o atual governo fez uma releitura das experiências
históricas no RS, atualizando o tema em consonância com as mudanças globais,
não somente da democracia representativa, mas também da tecnologia digital e a
implantação de redes de diferentes níveis de informação e aglutinação. O
cidadão democrático, eleitor, também quer saber como será aplicado o dinheiro
nos projetos anunciados. Se possível, quer acompanhar o andamento da execução,
estabelecendo as prioridades.
“- A ideia do ‘Sistema’, diz João
Motta, é usar recursos modernos, como a tecnologia digital e a formação de
redes, como um elemento inovador. Existe um esvaziamento da representação
política tradicional, e uma distância entre a cidadania e a execução de
orçamentos. Se nós não fizéssemos uma releitura desse processo, não
conseguiríamos criar um novo Sistema”.
Mais uma citação teórica, para
depois entrarmos na parte prática do Sistema e as dificuldades de organização: Democracia quanto mais participativa, mais
trabalho dá.
“- As democracias em crise
demonstram, destaca Tarso Genro, que se nós nos ativermos a exercer a
representação política sem uma relação dialógica com a sociedade, que permita
através de mecanismos de transparência e de participação que as comunidades
interfiram sobre a conduta dos governantes, nós teremos Estados cada vez mais
autoritários e governos cada vez mais deslegitimados”.
UMA LONGA BATALHA
O “Sistema”, para abreviar a
nomenclatura, combina a democracia representativa – estável e indeclinável -, com a participação direta da cidadania,
não só nos mecanismos de gestão, mas também nas estruturas de decisão política.
O governador Tarso Genro escreveu isso no ato de instalação do Plano Plurianual (PPA) – 2012-2015-, em
15 de junho de 2011. E foi uma longa batalha até chegar ao Prêmio da ONU.
Começando pela elaboração do PPA. Em
oito meses, foram realizados nove seminários, envolvendo seis mil lideranças,
de 350 instituições debatendo o plano de desenvolvimento econômico e social e
estabelecendo prioridades. O resultado foram 12 mil manifestações, que se
traduziram em 23 áreas e 86 programas do PPA.
Também é necessário informar sobre a
situação do Rio Grande do Sul. A “Fundação de Economia e Estatística” (FEE) fez
um estudo de 1981 a 2009 sobre a economia do estado. Ela cresce nesse período
75,6%, média anual de 2%, porém, em 11 anos, o crescimento foi negativo. O PIB
cresceu 25,3%, e a renda per capita do estado atingiu R$ 18.596,00. O RS tem
mais de 10 milhões de habitantes, cerca de oito milhões de eleitores, teve uma
expansão média do PIB de 0,8%, precisaria de 90 anos para dobrar a renda da
população, mantidos os atuais níveis de crescimento. A economia ainda é
fortemente marcada pelo agronegócio (soja e pecuária), tem uma agroindústria
que mantém a população do interior ativa.
Mas, 55% da população se concentram
na região metropolitana de Porto Alegre. Municípios da fronteira oeste, por
exemplo, a região da campanha e da pecuária, têm perdido população. Em 10 anos,
os municípios de Uruguaiana e Alegrete perderam 25 mil habitantes entre 2000 e
2010, num universo de pouco mais de 500 mil habitantes. Os polos industriais
estão localizados nos municípios vizinhos da capital, em torno da estrada
Tabaí-Canoas, em Santa Cruz e Lajeado, ou então em Caxias, Passo Fundo,
Horizontina e Erechim. Em 1994, o PIB do RS representava 8,9% do PIB nacional.
Hoje, representa 6,6%. O estado ainda é a quarta economia do Brasil; entretanto,
à distância para a quinta (Paraná) está diminuindo.
A MÁQUINA NÃO É TRANSPARENTE
Implantar o sistema para retomar o
desenvolvimento econômico em bases sustentáveis não é uma questão retórica. As
prioridades regionais são diferentes, existem áreas de profunda desigualdade
social e os recursos são escassos. Para definir o funcionamento do sistema,
foram realizados três Seminários Internacionais, com a participação média de
500 especialistas, muitos de outros países. Em março de 2013, a abertura do
Seminário ficou a cargo do professor Pedro Hespanha, da Universidade de
Coimbra, que debateu o tema “A crise da
representação política, a Democracia Participativa e os Novos Movimentos
Sociais”, com Ricardo Henriques (UFF) e o cientista político e ativista,
Sérgio Gonzales Salgado, do “Movimento 15M”, de Barcelona.
Também participou o ministro da
Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Ele ressaltou o histórico
de participação do RS, da importância de incluir os movimentos sociais na
gestão da administração pública:
“- Foi a presença dos movimentos
sociais em Brasília e em todo o país que fez com que o governo compreendesse
que era preciso crescer repartindo o bolo. Precisamos romper a lógica de
isolamento do governo e da mera democracia representativa. A máquina não foi
feita para ser transparente e não foi feita para ser colocada a serviço da
maioria”.
Foram realizadas várias oficinas
fora do país, Espanha, Portugal, França, e também em Washington, na sede do
Banco Mundial, como explica João Motta:
“- Nós discutimos as propostas e,
principalmente, a metodologia do ‘Sistema’, profundamente. Ele foi muito
criticado por especialistas, que ajudaram moldar a estrutura. Por isso, criamos
um conceito muito consistente, que agora implantamos no ‘Portal da Participação’”.
Segundo a diretora para o Brasil do “Banco
Mundial”, Deborah L. Wetzel, o ineditismo do RS precisa ser estudado e
ampliado. O estado é uma exceção, disseram os especialistas do “Banco Mundial”,
quando se trata de participação cidadã, porque em várias partes do mundo, onde
se implantaram essas iniciativas, existe sério problema de envolvimento dos
cidadãos.
Isso não acontece no Rio Grande do
Sul, onde as duas últimas votações de prioridades para o orçamento reuniram
mais de um milhão de pessoas, sendo 120 a 130 mil votantes pela internet. A
grande maioria vai colocar o voto nas velhas urnas da Justiça Eleitoral, que
foram reaproveitadas pelo “Sistema”.
Então, a fórmula inovadora do RS
envolve local, regional, presencial, digital. Como enfatiza João Motta, sempre
ampliando espaços, para radicalizar a democracia.
A ESTRUTURA DO “SISTEMA”
O “sistema” é formado por quatro
instâncias: decisões orçamentárias,
controle social, diálogos sociais e participação digital, com destaque para
o gabinete digital, um canal aberto
para a população e o governador. Os “Conselhos Regionais de Desenvolvimento”
(COREDES) estão divididos em 28 regiões, englobando os 496 municípios. A decisão
das demandas e das prioridades, no nível microrregional, é tomada pelos
moradores, através dos “Conselhos Municipais de Desenvolvimento” (COMUDES). São
eleitos três delegados por COREDE para o “Fórum Estadual”, que define as
prioridades para o orçamento do ano. Na representação municipal, é eleito um
delegado a cada 30 representantes – numa
assembleia de 300 pessoas, são eleitos 10 delegados. No total, participam
das negociações finais mais de mil delegados.
Existe um cronograma anual. Em abril,
ocorrem as assembleias públicas regionais nos 28 COREDES e a escolha de 10
temas de interesse. Em maio, acontecem as assembleias públicas municipais e
microrregionais, em 494 municípios. Depois de eleitos, os delegados do
orçamento, em junho, realizam os fóruns regionais de delegados e a montagem das
cédulas de demandas. São definidos os delegados para o “Fórum Estadual de
Participação”.
Em 2013, nos dias 6 e 7 de agosto
acontecerá a “Votação das Prioridades”. O voto é aberto para qualquer cidadão,
não é obrigatório, e inclui eleição em dias úteis – no caso deste ano, terça e quarta-feira. Na gestão 2004-2008,
primeiros três anos em que a votação foi criada sob o nome de “Consulta Popular”,
a média de participantes chegou a 660,7 mil. Na gestão passada, 2007-2010, a
média alcançou 754,7 mil votantes. Em 2011, a votação envolveu 1,134 milhão de
cidadãos. No ano passado, foram 1,028 milhão de votantes. A expectativa da
próxima é de manter o patamar de um milhão. As reuniões regionais e municipais
têm alcançado um público médio acima dos outros anos. Nas duas primeiras
votações, as assembleias reuniram 60 e 70 mil pessoas, nos debates sobre os
temas, as demandas e a definição de prioridades. Em 2012, foram realizadas 542
assembleias municipais em 494 municípios.
Além dos COREDES, outro canal de
participação são os “Conselhos Setoriais de Direito”, onde no RS são
reconhecidos 23, específicos para diversos temas, desde a criança e o
adolescente, comunidade negra, povos indígenas, até os institucionais, como cultura,
saúde, meio ambiente, esporte e lazer. Em dois anos, ocorreram 20 conferências
temáticas.
SEMPRE FALAM A MESMA COISA
Lagoão é o nome de um município que
fica na região Altos da Serra de Botucaraí. Pois foi lá, em 2011, que estava
marcada a terceira interiorização do governo gaúcho. Mensalmente, durante um
dia, o governo transfere a sede da capital para uma cidade do interior. Até
agora, foram 25 interiorizações. Era um dia chuvoso, muitos secretários
perderam o rumo, ou atolaram, mas não conseguiram chegar à sede do município.
Por um motivo simples: não havia estrada.
Na recepção da comitiva oficial, três mil pessoas aguardavam ansiosamente a
chegada das autoridades. O refrão dos moradores era um só: sempre falam a mesma coisa, e não acontece nada.
Tarso Genro tomou uma decisão: precisamos deliberar. Não saio daqui sem
uma decisão, exatamente a definição de deliberar, resolver depois de exame ou
discussão, ou então consultar a si mesmo ou outrem, como diz o dicionário do
Aurélio. Tomaram a decisão de investir nas estradas do município. Hoje, João
Motta, que estava presente, lembra que aquela situação ajudou a tomar a decisão
de implantar o “Sistema”. Não tinha como não dar uma resposta para três mil
pessoas, que esperam há muitos anos por uma intervenção do estado. Aprovaram R$
25 milhões nos projetos para Lagoão.
A instância do “Sistema” é
deliberativa, se a pauta da população está organizada, e é apresentada na
interiorização, o governador aprova. O “Sistema” tem um comitê gestor paritário
governo e sociedade, com a coordenação executiva da Secretaria de “Planejamento,
Gestão e Participação Cidadã”. Toda a estrutura é agilizada ainda mais pelo “Gabinete
Digital”, dividido em três questões básicas: o governador pergunta – duas edições, 3.400 propostas recebidas
mais 360 mil votos; o governador escuta
– seis edições, mais de 10 mil interações; o governador responde, nove edições, mais de 500 perguntas
respondidas e mais de 100 questões resolvidas.
O gabinete do vice-governador também
está integrado ao “Sistema”, pelo “Programa de Combate às Desigualdades
Regionais”, onde foram definidas nove regiões para trabalhar. Em sete, o
programa foi instalado. Em 2013, completarão o quadro. Em todos os encontros, o
processo é o mesmo: definir prioridades de ação e encaminhar o projeto. Na
mesma linha, foi criada a “Secretaria do Gabinete dos Prefeitos”, com objetivo
de articular as prefeituras para se habilitar em projetos, na captação de
recursos, fortalecer as relações federativas, contribuir na formação e
desenvolvimento da gestão municipal.
Em 2013, foram disponibilizados para
o “Sistema” R$ 218 milhões, serão aplicados em diferentes áreas, como saúde,
educação, segurança pública, conforme o aprovado na “Votação das Prioridades”.
No ano passado, foram R$ 165 milhões. O Rio Grande do Sul é o terceiro estado
que mais acessou as verbas do PAC, cerca de R$ 30 bilhões, em obras de
infraestrutura, aeroportos regionais, estradas, pontes e portos.”
FONTE: reportagem de Najar Tubino
publicada no site “Carta Maior” (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/rs-e-premiado-pela-onu-por-modelo-de-participacao-cidada).
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