segunda-feira, 20 de abril de 2009

MEIRELLES: É PREMATURO GARANTIR TAXA DE JUROS DE UM DÍGITO

O jornal Folha de São Paulo publicou o seguinte texto que li hoje no site “vermelho”:

“O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, acha ainda "prematuro" dizer se a economia brasileira já reúne as condições para conviver com uma nova taxa de equilíbrio de juros, de apenas um dígito. Segundo ele, há ainda um "ambiente de grande incerteza" e não é possível saber em que ponto estará a economia brasileira encerrada a crise atual.

A taxa básica Selic, definida pelo BC, está hoje em 11,25%, e o mercado projeta juros de 9,25% para o final do ano. Meirelles, por outro lado, diz que, no Brasil, não necessariamente ocorrerá o mesmo que nos EUA, onde os juros, hoje perto de zero, devem subir tão logo comece uma recuperação mais forte da economia.

Esse tema é sensível no Palácio do Planalto, já que o governo Lula não gostaria de trabalhar com alta de juros no ano eleitoral de 2010, embora analistas considerem possível esse cenário.

Em seu sétimo ano à frente do BC, ele não admite erros na condução da política monetária nem o que muitos dão como certo -que sairá candidato nas eleições de 2010.

Meirelles não critica a atual política fiscal expansionista, sempre apontada pelo BC no passado como um entrave para maiores reduções dos juros. Segundo ele, a relação dívida pública/PIB se manterá estável, em 37%, mesmo com o aumento dos gastos do governo Lula. A seguir, trechos da entrevista, concedida na sala do BC em Brasília.

A TAXA DE EQUILÍBRIO DE JUROS NO BRASIL MUDOU DE PATAMAR? O PAÍS PODE CONVIVER COM UMA TAXA BÁSICA DE JUROS DE UM DÍGITO?

É um pouco prematuro dizer, pois temos uma conjugação de dois fatores, estruturais e conjunturais. Estrutural é a queda dos prêmios de risco, resultado da gradual estabilização da economia brasileira. As taxas de juros reais (descontada a inflação) já estiveram acima de 20% e hoje estão ao redor de 5%.

Mas vêm caindo nos últimos anos de forma gradual, independentemente dos ciclos, de subidas e descidas. Existe, hoje, um movimento cíclico, conjuntural, que é a crise mundial, que leva a uma desaceleração da atividade. Qual será a conjugação desses dois fatores no futuro? O momento é prematuro para ver.

MAS, SE TIRARMOS OS EFEITOS CONJUNTURAIS, O SR. AVALIA QUE VAMOS VOLTAR À REALIDADE ANTERIOR, DE JUROS BÁSICOS ALTOS, OU AS TAXAS BAIXAS VIERAM PARA FICAR E ESTAMOS NUM NOVO PATAMAR DE JUROS NO PAÍS?

Esse é o ponto. Existe um movimento estrutural, mas, terminado o aspecto cíclico, vamos voltar ao ponto em que estávamos antes da crise ou não? Ou terá seguimento a evolução estrutural?

PELA EXPERIÊNCIA DO SR., EM QUE PONTO ESTAMOS?

É prematuro dizer, vamos aguardar. Eu não posso falar porque estaria fazendo uma sinalização indevida. Depois, existe um ambiente de grande incerteza.

BANQUEIROS CENTRAIS TÊM DITO QUE, NO PRÓXIMO ANO, DIANTE DA POLÍTICA EXPANSIONISTA PARA COMBATER A CRISE, O MUNDO TERÁ DE FAZER AJUSTES NA SUA POLÍTICA MONETÁRIA. ISSO PODE ACONTECER AQUI NO BRASIL?

Existem diferenças entre economias. O que estávamos discutindo na pergunta anterior em última análise é qual é a taxa de equilíbrio no Brasil e onde estaremos no final dessa crise em relação à taxa real de juros versus onde estará naquele momento a taxa de equilíbrio. Nos EUA, com as taxas de juros zero, claramente a taxa nominal está baixa. Certamente haverá nos EUA, num certo momento, um aumento de juros. Isso não é necessariamente uma situação aplicável a todos os países, dependerá da situação de cada um.

O SR. CITOU ALGUNS FATORES ESTRUTURAIS QUE PERMITEM A QUEDA DOS JUROS. ESSES FATORES JÁ NÃO ESTAVAM PRESENTES EM SETEMBRO DO ANO PASSADO, QUANDO O BC AUMENTOU OS JUROS DA ÚLTIMA VEZ, DECISÃO HOJE MUITO CRITICADA? OLHANDO HOJE, AQUELA DECISÃO FOI EQUIVOCADA?

Em setembro, o trimestre encerrado sobre o mesmo trimestre do ano anterior mostrava uma demanda doméstica crescendo a 9,3% ao ano. E o produto (PIB) crescendo a 6,8%. Claramente insustentável. E é importante mencionar que a dinâmica da crise internacional alterou-se radicalmente com a falência do Lehman Brothers (em 15 de setembro), o que representou uma quebra da estrutura de funcionamento do sistema financeiro mundial.

Isso alterou totalmente a dinâmica da crise, gerou uma série de reações em cadeia. E o Banco Central do Brasil reagiu com rapidez a essa nova situação por meio de medidas muito fortes, de gestão de liquidez, que era o problema mais grave naquele momento.

O BANCO CENTRAL ERROU ALGUMA VEZ SOB SEU COMANDO?

(Pausa) Muito difícil analisar situações depois dos efeitos das medidas tomadas. É aquela questão que se chama síndrome clássica de um banco central, de qualquer um.
Tem de agir preventivamente. Na medida em que aja preventivamente e não exista o problema, pode-se argumentar que errou, porque não existia o problema e não era necessária a medida preventiva.

Do nosso ponto de vista, o resultado da política monetária no Brasil nos últimos anos tem sido um sucesso. Porque a taxa média de crescimento do país nos últimos cinco anos foi de 4,6% versus 1,9% dos anos anteriores. O Brasil acumulou US$ 205 bilhões de reservas, a taxa de juros real da economia caiu substancialmente nesse período, criou-se em média 1,5 milhão de novas vagas de trabalho por ano, a renda média aumentou, a massa salarial estava crescendo em média 6%, 7%, 8% nos últimos anos.

ENTÃO O SR. DIRIA QUE O BC, NA SUA ADMINISTRAÇÃO, NÃO ERROU?

Eu não estou fazendo essa afirmação.

RESPONDENDO À PERGUNTA COM UM SIM OU NÃO...

A pergunta não tem um sim ou não, os resultados foram extremamente positivos.

HÁ ALGUMA DECISÃO DE POLÍTICA MONETÁRIA QUE O SR. TOMOU E QUE FARIA DIFERENTE HOJE?

Com os dados disponíveis na época, que é a única maneira de essa pergunta fazer sentido, não.

ESTAMOS PASSANDO POR UM MOMENTO EXPANSIONISTA NA POLÍTICA FISCAL. O GOVERNO ACABOU DE REDUZIR O SUPERÁVIT PRIMÁRIO (ECONOMIA PARA PAGAMENTO DOS JUROS DA DÍVIDA PÚBLICA) PARA 2,5% DO PIB. COMO ISSO PODE AFETAR A POLÍTICA MONETÁRIA NO PRÓXIMO ANO NO BRASIL?

Hoje temos um choque externo. Em razão disso, existe uma flexibilização das políticas monetária e fiscal, consistentes. Vamos aguardar o desenvolvimento da crise, a retomada das atividades, para ver onde a economia brasileira vai se equilibrar mais à frente.

MAS NÃO PODE HAVER AUMENTO DA NECESSIDADE DE FINANCIAMENTO DO GOVERNO POR CONTA DESSE AUMENTO DE GASTOS, QUE PODE LEVAR A UM AUMENTO DA TAXA DE JUROS?

A nossa previsão hoje é que, se levarmos em conta apenas a questão da nova meta do superávit primário, com as demais condições da economia de acordo com as previsões do mercado, a relação dívida/produto (tamanho da dívida pública em relação ao PIB brasileiro) deve permanecer onde está. Vai ficar nos 37%. O que vai significar, grosso modo, que nós teremos uma situação estável do ponto de vista dessa variável básica, que eu acho a mais importante.

E A QUESTÃO CAMBIAL? QUANTO O BANCO CENTRAL GANHOU COM A ALTA DO DÓLAR?

O resultado do Banco Central no segundo semestre do ano passado, produto do resultado nas reservas dos choques cambiais, foi a transferência líquida para o Tesouro de R$ 181 bilhões, sendo que grande parcela foi a variação cambial, R$ 171 bilhões, que deu efeitos positivos nas reservas.

O QUE ESSA FORTE ALTA DO DÓLAR, QUE NÃO ESTAVA NO CENÁRIO, SIGNIFICOU PARA O BANCO CENTRAL?

Que a dívida pública caiu de 40,5% antes da crise para 37% neste momento. Esse resultado foi usado para diminuir a dívida pública líquida.

ISSO FOI DETERMINADO PELA CRISE, NÃO ERA UMA ESTRATÉGIA DO BC.

Não, era uma estratégia construir reservas, reduzir o passivo cambial num primeiro momento e elevar o ativo cambial num segundo momento. Tínhamos essa estratégia, de montar um mecanismo estabilizador automático. No passado, quando havia uma crise, ocorria uma depreciação do câmbio, aumentava a dívida pública, que elevava a desconfiança, que fazia maior depreciação.

Era um ciclo vicioso. E nós tivemos uma estratégia determinada, desde o início dessa administração, de reverter esse processo, de criar um ciclo virtuoso. E isso já tinha mostrado efeitos em outros momentos. A estratégia estava definida. A dimensão e a rapidez dessa crise é que não estavam no cenário.

É POSSÍVEL DIZER, ENTÃO, QUE A CRISE DEU AO TESOURO R$ 181 BILHÕES.

A crise gerou vários efeitos. Um deles é esse, positivo. Outro, negativo, a queda de arrecadação, que está acontecendo. Agora, note bem, isso custou caro. Não foi de graça, o Brasil pagou caro para construir a posição de reservas durante esses anos todos, aliás foi muito criticado. Nós sempre argumentamos que num momento de crise esse era um seguro que valeria a pena. A história mostrou que estávamos corretos.

DE QUANTO SÃO HOJE NOSSAS RESERVAS INTERNACIONAIS?

Estão em US$ 202 bilhões.

DURANTE ESSA CRISE, HOUVE UM RUÍDO FORTE, E RARO, NO RELACIONAMENTO ENTRE O BC E OS BANCOS BRASILEIROS, PRINCIPALMENTE POR CONTA DA ELEVAÇÃO DO "SPREAD" (DIFERENÇA ENTRE A TAXA A QUE OS BANCOS CAPTAM DINHEIRO E A QUE COBRAM EM FINANCIAMENTOS). O SR. DISSE QUE A CULPA ERA DOS BANCOS, QUE POR SEU LADO CULPAM MECANISMOS COMO DEPÓSITOS COMPULSÓRIOS. AFINAL, DE QUEM É A CULPA DO "SPREAD" ALTO?

O Banco Central adota uma atitude de autoridade monetária, não necessariamente agrada a todos os setores. Ele pode tomar determinadas atitudes que podem desagradar a um setor, inclusive o financeiro. Existem alguns mitos, como o de que o Banco Central subir a taxa de juros, a Selic, gera lucro para os bancos. Não é necessariamente o caso.

Muitas vezes os bancos estão aplicados em taxa prefixada e até perdem se o BC aumenta a taxa. A Selic é custo para os bancos, porque eles captam.
Existe uma série de mitos nesse processo. Na questão do "spread", sim, achamos que, em razão da crise e da insegurança, eles(os bancos) estavam subindo de uma forma que era negativa para a economia.

E estavam subindo mesmo depois da queda dos compulsórios e da estabilidade da Selic. Colocamos essa posição com a maior clareza possível, e hoje isso começa a ser entendido melhor. O Banco Central e a Fazenda estão trabalhando nisso, já tomamos medidas e, se preciso, vamos tomar mais.

O BC JÁ ESTÁ DETECTANDO ALGUMA QUEDA NO "SPREAD"?

Segundo indicações que temos, já existe uma queda de "spread". Achamos que é insuficiente, tanto que continuamos trabalhando e estamos aguardando os efeitos das novas medidas, principalmente a garantia dos depósitos e leilão sem direcionamento, além do cadastro positivo. Estamos aguardando, pois achamos que os "spreads" devem cair mais.

O SR. PRESIDIU UM BANCO NORTE-AMERICANO (BANKBOSTON). COMO VÊ A RECUPERAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO DOS EUA? PODE HAVER NOVA QUEBRA DE BANCO?

Não acho provável que haja uma quebra de um banco sistematicamente importante nos Estados Unidos, depois do compromisso explícito do G20, em Londres, de não permitir que isso ocorra.

O SR. VAI SE FILIAR A ALGUM PARTIDO EM OUTUBRO PARA SAIR CANDIDATO EM 2010?

No momento, a minha única preocupação é o Banco Central, a economia brasileira e tirar o país da crise. Depois, vou pensar em alguma coisa.”

Nenhum comentário: