Li hoje no site Terra Magazine, do jornalista Bob Fernandes, o seguinte artigo publicado no jornal norte-americano The New York Times. O autor, Mikhail Gorbachev, foi líder da extinta União Soviética de 1985 até o seu colapso em 1991. Laureado com o Prêmio Nobel da Paz em 1990, ele é atualmente o presidente da Fundação Internacional de Estudos Socioeconômicos e Políticos (A Fundação Gorbachev):
“O G20 já teve duas reuniões, incluindo a última em Londres. Ele se tornou um fórum estabelecido, um reconhecimento, tardio na minha opinião, de que o mundo mudou e que as instituições antigas não acompanharam as necessidades que crescem rapidamente.
Antes tarde do que nunca, claro. Ainda assim, há dúvidas sobre o conteúdo e o funcionamento deste novo órgão - perguntas que devem ser respondidas o mais rápido possível.
A primeira pergunta é se as decisões adotadas no encontro em Londres podem estancar a crise econômica e financeira global, colocando a economia mundial novamente em um espiral de crescimento.
Uma resposta definitiva só deve surgir com o tempo, mas a minha impressão inicial é que as decisões tomadas em Londres podem ser um bom começo. Estas decisões representam concessões, o que é normal. Ainda assim, necessitamos de pontos de referência mais claros sobre a estrutura do sistema de governança financeira e econômica e das tarefas do grupo.
Prevenir crises como esta não deveria ser a única ou principal preocupação do G-20. O que precisamos é de uma transição para um modelo novo, integrando fatores sociais, ambientais e econômicos.
A segunda pergunta diz respeito ao lugar do G-20 dentro do sistema de instituições globais. O que é este grupo: Um "politburo global", um "clube dos poderosos", um protótipo para um governo mundial? Como será a interação com as Nações Unidas - a organização mundial universal?
Estou convencido de que nenhum grupo de países, mesmo que eles representem 90 por cento da economia mundial, deveria substituir ou sobrepujar as Nações Unidas. Mas claramente, o G-20 poderia reivindicar uma liderança coletiva sobre os problemas mundiais se administrar com respeito a opinião dos não membros. A presença de países no G-20 que representam diferentes regiões geográficas, diferentes níveis de desenvolvimento e diferentes culturas é um sinal de esperança.
Ainda assim, este grupo não passa de uma improvisação pressionada por condições extremas de um inesperado levante global. Ele não inclui alguns países bastante influentes, regionalmente ou até de forma mais ampla, como o Egito, a Nigéria ou o Iran. E o grupo também não foi claro quanto a seus métodos.
Para evitar erros, o G-20 deve ser muito transparente e trabalhar junto às Nações Unidas. Pelo menos uma vez ao ano, suas reuniões devem acontecer na sede da ONU. Ela deveria submeter um relatório à Assembléia Geral da ONU, para ser discutido de forma substancial.
Por fim, há a questão da abrangência desta nova instituição. Será que ela deveria ficar restrita às questões econômico-financeiras ou, mais cedo ou mais tarde, deverá também abordar questões políticas? A resposta, da qual muito depende, não é óbvia.
Aqueles que são contra um papel de ação política para o G-20 diriam que a comunidade mundial conferiu ao Conselho de Segurança da ONU a responsabilidade principal para manter a paz e a segurança mundial. Portanto, nossa preocupação principal deve ser fortalecer o papel daquele órgão. É verdade que todas as tentativas de ignorar ou contorná-lo, seja no Oriente Médio, Europa ou qualquer outro lugar, acabou sempre mal.
No entanto, é também verdade que o papel principal do Conselho de Segurança é reagir de imediato a crises perigosas. Sabemos por experiência que ele não está preparado para abordar questões conceituais e de longo prazo. Além disso, a longa demora em reformar este órgão da ONU o deixou, francamente, menos representativo que o G-20, que é particularmente bem equipado para abortar questões políticas ligadas aos desafios globais de segurança, pobreza e o meio ambiente. Além do mais, as outras organizações e grupos, como o G-8 ou a OTAN, discutem problemas políticos.
Eu acredito que, com uma abordagem equilibrada e bem pensada, o G-20 pode encontrar um lugar privilegiado na arquitetura da política mundial. Se ele ajudar a reverter a crise econômica, ganhará a credibilidade para liderar.
Um dos problemas prontos para o debate político é a militarização da política e da economia mundial - a militarização do pensamento. Nós a herdamos do século XX, talvez o mais sangrento e trágico da história.
É um emaranhado de problemas: A militarização desvia fundos da economia real, estimula conflitos e cria uma ilusão de que as soluções militares, em vez de políticas, é que são viáveis. Ao iniciar uma séria discussão sobre o tópico dentro do G-20 e assumindo uma posição política sobre ele, os líderes mundiais poderiam preparar o terreno para aqueles órgãos da ONU que são responsáveis pelo progresso da área - o Conselho de Segurança e a Conferência de Desarmamento em Genebra.
Depois da reunião em Londres, o primeiro ministro britânico, Gordon Brown, chamou a reunião de um passo em direção à nova ordem mundial e uma "nova era moderna de cooperação internacional".
Apesar de ainda haver muito que fazer antes que isto se torne realidade, é esta a direção que devemos seguir.”
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