quarta-feira, 29 de abril de 2009

O QUE FALTA PARA A ECONOMIA BRASILEIRA

Li hoje no site Terra Magazine, do jornalista Bob Fernandes, o seguinte artigo de Julio Gomes de Almeida. O autor é professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda:

“Todo o cuidado é pouco com interpretações pretensamente definitivas em um contexto de crise econômica porque estas costumam alternar momentos melhores e piores. Isso é particularmente verdadeiro se a crise tem matriz global e, no plano das economias centrais, é de gravidade comparável com a grande crise de 1929. A economia brasileira vivencia um momento em que se avolumam sinais de melhora, sem que, inequivocamente, se possa falar em recuperação.

Para a indústria, afora uma nova rodada de crise, a tendência é de um gradativo aumento do nível de produção (que em fevereiro era 17% inferior com relação ao auge anterior à crise) para ir recuperando o terreno perdido, algo que pode ser concluído nos meses finais do ano. No mês de março é esperado um avanço do setor em bases superiores ao crescimento da produção de janeiro e fevereiro (+2,2% e +1,8% com relação ao mês anterior). Na comparação com março de 2008, a indústria deve recuperar parte do terreno perdido, mas isto deverá ser interpretado com cautela porque a base de referência, o mesmo mês do ano passado, teve um desempenho desfavorável e, além disso, contou com dois dias úteis a menos do que março último.

O que pode reverter esse processo é uma piora na queda das exportações de manufaturados (o que parece estar ocorrendo) combinado com uma perda de mercados internos em função de uma concorrência muito forte de produtos importados decorrente do excesso de capacidade produtiva a nível mundial causada pela crise internacional. O dumping que acompanha em muitos casos essa maior concorrência deve ser combatido por uma política de valoração aduaneira e agilização dos processos anti-dumping.

No comércio, os últimos dados do IBGE mostram que pelo segundo mês consecutivo (janeiro e fevereiro) há avanço marginal no setor (+1,8% e +1,5%, respectivamente), indicando também uma melhora gradativa. Esse avanço tem sido determinado em larga escala pelo desempenho do setor de alimentos e bebidas, decorrente do fato de que o rendimento médio da população manteve-se relativamente preservado por mecanismos institucionais (salário mínimo, programas sociais) e de mercado (o rendimento real médio das pessoas ocupadas parou de crescer, mas ainda não mostra sinais de declínio). Também foi beneficiado por um deslocamento do consumo de bens de maior valor unitário para bens de menor valor, em função do receio do consumidor em assumir compromissos a prazo e da escassez e encarecimento do crédito.

No mês de março contra o mesmo mês de 2008, as vendas reais do varejo podem retroceder. Um efeito calendário - qual seja, a Páscoa que caíra em 2008 no mês de março e que em 2009 ficou para abril - concorrerá para isso, mas, o varejo poderá começar a sentir os efeitos da retração do consumo popular decorrente do aumento do desemprego na passagem de 2008 para 2009, combinado com o esgotamento do efeito deslocamento do consumo dos produtos de maior valor unitário dependentes do crédito para produtos de menor valor, que beneficiava o comércio de produtos básicos.

No emprego, os dados do Caged, o cadastro do emprego formal, dão indicação de que o impacto da crise sobre o emprego formal está se tornando progressivamente menos intenso, de forma que em março (seguindo fevereiro), já há um modesta retomada das contratações. As contratações líquidas foram de 34.818 pessoas (contra 206.556 em março do ano passado).

Considerando como critério de aferição de melhora/piora da situação do emprego formal a diferença entre os saldos líquidos de contratações formais no mês de referência com relação a esse mesmo mês do ano anterior, são observadas as seguintes etapas durante os meses de crise: esta inicialmente reduz o saldo de contratações com relação ao ano anterior que era de 105.794 em agosto para 31.673 em setembro; valores negativos começam em outubro (-143.859) e são crescentes até dezembro (-335.532); refluem desde então até o valor ainda negativo, porém muito mais baixo de -171.738 em março último.

Aqui vale também a advertência de que a menos que ocorra um agravamento da crise externa, o processo de gradativa recomposição do mercado de trabalho formal avançará ao longo do ano, porém nesse caso, os níveis de contratação anteriores à crise dificilmente serão alcançados em 2009.

Uma última referência é para o setor externo. O Brasil sofreu uma "fuga de capitais" nos momentos mais agudos da crise internacional nos meses finais do ano passado e com menor intensidade nos meses iniciais de 2009. Um elevado volume de reservas internacionais impediu que esse processo causasse, ao contrário de episódios anteriores de crise, problemas cambiais mais sérios. Mas, o que o mês de março registrou para o balanço de pagamentos do país foi o retorno para valores positivos dos fluxos líquidos de capitais. O processo ainda é muito incipiente, podendo sofrer novo retrocesso sem aviso prévio e, além disso, está muito longe de recompor os fluxos anteriores de entrada de recursos e está restrito à entrada de capitais estrangeiros de curto prazo. Mas é uma sinalização relevante de que, não se agravando o quadro financeiro internacional, o Brasil preservará sua solidez externa mesmo diante de uma situação tão adversa como a crise atual.

O que falta para consolidar esse quadro mais favorável da economia é uma ação forte do governo onde o impacto negativo da situação externa ainda não foi revertido e os sinais de melhora chegam muito devagar, vale dizer, na questão da disponibilidade e do custo do crédito. Havendo progresso nesse tema, a economia poderá sair mais rápido e de forma mais equilibrada da retração imposta pela atual crise internacional.”

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