domingo, 8 de dezembro de 2013

AS JABUTICABAS CONSTITUCIONAIS DO SUPREMO

Wanderley Guilherme dos Santos 

A AP 470 continua a desafiar direitos constitucionais. Capaz de vir por aí outra jabuticaba nacional: a “prisão semiaberta cumprida sob incomunicabilidade[e em regime fechado...]

Por Wanderley Guilherme dos Santos, cientista político (PhD)

A Ação Penal 470 continua a desafiar direitos constitucionais. Durante o julgamento, foram indevidamente excluídas de referência todas as passagens dos documentos e dos testemunhos que comprovavam a inocência dos três presos políticos do PT nos crimes em que foram condenados. Ademais, cassou-se o direito de dupla instância de julgamento [exceto para o mensalão tucano, que continuou com o privilégio], a pretexto de que a fase de avaliação dos recursos, principalmente dos infringentes, atenderia ao direito assegurado pelos códigos pertinentes. E eis que, surgida a oportunidade, os encarniçados Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes e Luiz Fux, acompanhados pelos oscilantes habituais, quase impediram o julgamento dos recursos. Não é de espantar, em um colegiado que convalida a tese de que promotores não estão obrigados a provar que os acusados são cúmplices pelo conhecimento, e possivelmente artífices de supostos crimes cometidos.

Exigiu-se, sob a presidência de outro encarniçado ora aposentado, Carlos Ayres de Brito, que os acusados provassem que não tiveram conhecimento do crime, até porque não reconheciam que tal ilícito houvesse ocorrido. Como é curial, a tese é logicamente descabida, mas aceita alegremente, protestos em contrário não obstante, pela esmagadora maioria do Supremo. Só por isso e aquelas sessões, gravadas, serão objeto de escárnio pela eternidade do direito universal.

Sempre é bom relembrar o extraordinário silogismo descoberto em parceria por Ayres de Brito e Rosa Weber. Eis o seu enunciado: “Mandantes de crime escondem todas as provas; não há provas contra José Dirceu; logo, José Dirceu foi o mandante do crime”. Esta pérola, entre várias outras, está gravada também para os séculos futuros, juntamente com a alegação de que se trata de dedução legítima da “teoria do domínio dos fatos”.




Agora, adentramos o capítulo do cumprimento das penas. Não foi decisão que enobreça a jurisprudência fazer conduzir os condenados a Brasília. Legal ou não, expressou o desejo de saborear a sentença de um castigo suplementar. A data de 15 de novembro ficará condecorada por essa valentia sem mérito, em combate contra adversários doentes e previamente linchados. Ao que consta, a biografia do ministro Joaquim Barbosa registra outros episódios de bravura semelhante.

Tal como aconteceu durante as sessões do julgamento, é até apreciável, se vista por um ângulo maligno, a destreza com que juízes de inegável e subida competência jurídica aplicam golpes de surpreendente agilidade nos artigos, parágrafos e alíneas da legislação vigente. Casuísticas e sutilíssimas distinções são extraídas da definição de regimes abertos, semiabertos e fechados, incluindo considerações sobre a linearidade ou não dos benefícios atribuídos a cada regime, a natureza do tempo newtoniano e o paradoxo das maiorias rotativas.

Os dois últimos temas dizem tanto a respeito dos direitos de apenados quanto o Pilates interpretativo dos juízes. Trata-se tão somente de exibir independência dos juízes diante de réus, assim dito, poderosos. Pois, em geral, acredito mesmo na independência do Supremo Tribunal Federal e justo por isso nada me convencerá de que a Ação Penal 470 não constitui um trágico julgamento de exceção. Trágico para muitos dos condenados, trágico para a história do Judiciário brasileiro.



Mas não terminou. Agora é o direito de livre expressão a sofrer assédio certamente imoral por parte de juízes e ex-juízes. Onde se encontra a lei que retira a prisioneiros de qualquer índole o direito de expressão, e mais, de expressão impressa? Problema sério que o mundo contemporâneo, extravasando os limites de legislação obsoleta, apresenta. Como impedir que um preso mantenha um sítio na internet? Não há menção constitucional a essa modalidade específica de manifestar opinião. O direito à livre expressão (e impressão) de pensamento não hospeda qualificações.

Sabem os especialistas que a tese de que existem países integralmente democráticos é uma balela. A Inglaterra censura jornais e livros, a França proíbe filmes e os Estados Unidos, com o chamado “Ato Patriótico”, admite a prisão de pessoas sem comunicação à Justiça e a violação de correspondência. Mas têm fundamento legal, de um direito arcaico ou obtuso, mas têm. Não no Brasil. Os casos em que a manifestação de opinião está sujeita a penalidades são constitucionalmente consignados e, todos eles, sempre após o fato, nunca previamente. Capaz de vir por aí outra jabuticaba nacional: a prisão semiaberta cumprida sob incomunicabilidade.”

FONTE: escrito por Wanderley Guilherme dos Santos, graduado em filosofia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1958, Doutorado em Ciência Política na Stanford University, Pós-Doutorado em Teoria Antropológica na, UFRJ. Professor aposentado de teoria política da UFRJ, sendo professor e fundador do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro – IUPERJ. Artigo publicado no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/As-jabuticabas-constitucionais-do-Supremo/4/29736). [Imagens do Google e trecho entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].

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