quinta-feira, 2 de agosto de 2012

E SE O GOLPE DE 2005 TIVESSE DADO CERTO?

Alguns dos frustrados com o fracasso do golpe

Por Emir Sader

“Um historiador inglês (Neill Ferguson, "História virtual") se dedicou a pensar vias alternativas daquelas que triunfaram efetivamente na história realmente existente, como exercícios de pensamento sobre o que teria sido se não fosse. Por exemplo: e se a Alemanha de Hitler tivesse triunfado na Segunda Guerra? E se a URSS não tivesse desaparecido? E outras circunstâncias como essas.

No Brasil, podemos pensar o que teria acontecido se várias tentativas de golpe militar – antes e depois da de 1964 – tivessem triunfado, o que teria acontecido com o Brasil. Um bom exercício, também, para entender o presente, quando as mesmas forças que protagonizaram essas tentativas no passado – as fracassadas e a vencedora de 1964 – se excitam de novo e, como toda força decadente, tratam de dar, aos estertores da sua última tentativa, dimensão épica, que somente uma classe que não pode olhar para sua vergonhosa história golpista pode fazer. Juízes, jornalistas, políticos derrotados, usam os superlativos que suas pobres formas de expressão permitem, para falar “do julgamento do século”, do “maior caso de...”.

Pudessem assumir a história do Brasil como ela realmente ocorreu e ocorre, se dariam conta que o maior julgamento da nossa história teria sido o da ditadura militar – aventura da qual essas mesmas forças participaram ativamente -, que destruiu a democracia no país, violou todos os direitos humanos, em todos os planos – políticos, jurídicos, sociais, culturais, econômicos -, abriu as portas para o assalto do Estado e do país às grandes corporações nacionais e internacionais, impôs a ditadura também no plano da liberdade de expressão, prendeu, torturou, assassinou, fez desaparecer alguns dos melhores brasileiros.

Em suma, passar a limpo essa página odiosa da nossa história – que tem as impressões digitais dos mesmos órgãos de comunicação que lideraram a ofensiva golpista de 2005 – teria sido o maior julgamento da nossa história, onde seriam réus eles mesmos, junto à alta oficialidade das FFAA, grande parte dos empresários nacionais e internacionais, entre outros.

Podemos, por exemplo, especular o que teria sido o país se tivesse triunfado o golpe contra Getúlio, em 1954. Era movimento similar ao que triunfou uma década depois, com origem na “Doutrina de Segurança Nacional”, típica ideologia da guerra fria. Na Argentina, por exemplo, a queda de Perón, um ano depois do suicídio do Getúlio, introduziu o tipo de militar “gorila” (a expressão nasceu na Argentina, com o golpe de 1955), que se generalizaria a partir do golpe brasileiro.

Na Argentina, com a proscrição do peronismo, Arturo Frondizi conseguiu se eleger presidente, mas nem ele, nem os presidentes ou ditadores que o sucederam – houve novo golpe em 1966, que também fracassou, como o de 1955 - conseguiram estabilizar-se, frente à oposição do peronismo, principalmente do seu ramo sindical, que tornou impossível a vida a todos os governos, até o retorno de Peron, em 1973.

No Brasil, um objetivo central do golpismo era evitar a continuidade do getulismo, expressada no governo JK, mas também no governo Jango. A famosa frase – suprassumo do golpismo – de Carlos Lacerda, de que “Juscelino não deveria ser candidato; se fosse, não deveria ganhar; se ganhasse, não deveria tomar posse; se tomasse posse, não deveria poder governar”, espelhava aquele objetivo.

Se Getúlio não tivesse apelado para o gesto radical do suicídio, para brecar a ofensiva golpista, o movimento de 1964 teria surgido uma década antes. Ao invés das eleições relativamente democráticas de 1955, teríamos tido ditadura militar mais ou menos similar à de 1964. As consequências teriam sido ainda mais catastróficas, porque o sacrifício do Getúlio conquistou dez anos, que o movimento popular aproveitou para se fortalecer amplamente. Nessa década, avançou não apenas a industrialização, mas também o movimento sindical e outros movimentos populares, assim como a consciência social na massa da população. Uma ditadura – ou algum regime duro, mesmo se recoberto de formas institucionais, mas que impedisse a continuidade do regime getulista – teria atuado sobre um movimento popular com muito menor capacidade de organização e de consciência social.

Na Argentina, os militares tiveram que, em prazos mais ou menos curtos, convocar novas eleições. O fizeram depois de prescrever o peronismo, a grande força política e ideológica do campo popular argentino. No Brasil, teriam feito algo similar, castrando a democracia brasileira da vitalidade que os movimentos populares possuíam e imprimiam ao país.

De qualquer forma, grande parte dos retrocessos que a ditadura impôs ao Brasil teriam sido antecipados por um movimento de direita que tivesse se apropriado do Estado brasileiro em 1964. Nossa história seria ainda pior do que ela foi, a partir do golpe triunfante de 1964.

Outras tentativas golpistas existiram durante o governo do Juscelino, pelo menos duas de caráter militar – por membros da Aeronáutica -, de menor monta, mas as articulações golpistas nunca deixaram de existir, de tal maneira que os antecedentes do golpe de 1964 vêm da fundação da Escola Superior de Guerra por Golbery do Couto e Silva e Humberto Castelo Branco, vindos da guerra na Itália, sob influência e patrocínio diretos dos EUA, que desembocou finalmente no golpe vitorioso de 1964, que não por acaso teve nesses dois militares seus protagonistas fundamentais.

E se nos perguntarmos o que teria sido do Brasil se o movimento de um golpe branco contra o Lula – que poderia ter sido um ‘impeachment’ ou uma derrota eleitoral em 2006 – tivesse triunfado?

Se nos recordamos que o candidato da direita era o neoliberal acabado que é Alckmin, podemos imaginar os descalabros a que teria sido submetido o país. (O que torna ainda mais absurda a posição da ultraesquerda, que se absteve ou pregou o voto nulo diante da alternativa Lula ou Alckmin.) Só para recordar uma circunstância concreta, quando Calderon triunfou no México de forma evidentemente fraudulenta, nas eleições presidenciais de julho de 2006, Alckmin saudou-a como “o caminho que o Brasil deveria seguir”.

Significaria, antes de tudo, a retomada de um “Tratado de Livre Comércio” com os EUA, já que a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) tinha sido substituída [pelos EUA] por tratados bilaterais com países do continente, como o Chile, entre outros, depois que o Brasil contribuiu decisivamente para enterrar a ideia de uma America Latina totalmente aderida ao livre comércio, subordinada completamente aos EUA.

Os processos de privatização que FHC não tinha conseguido completar, pela resistência do movimento popular brasileiro, seriam retomados, atingindo a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, a Eletrobras, entre outras empresas sobreviventes do vendaval privatizante do governo dos tucanos.

Mas sem ir mais longe, bastaria imaginar o que teria sido o Brasil – e também a América Latina – se a crise internacional do capitalismo, iniciada em 2007 e ainda vigente, tivesse encontrado o Brasil tendo o neoliberal duro e puro do Alckmin como presidente. Estaríamos ainda pior do que um país como a Espanha ou a Grécia ou Portugal. Estaríamos devastados pela recessão, pelo desemprego, pelos compromissos escorchantes do FMI.

Basta esse quadro realista do que estaríamos vivendo se o golpe de 2005 tivesse dado certo. O seu objetivo inicial era tentar impor derrota de longo prazo à esquerda, que "teria fracassado com Lula seu principal dirigente", permitindo que as forças tradicionais da direita retomassem o controle do Estado brasileiro.

O julgamento que começa esta semana é, sobretudo, o julgamento de tentativa frustrada de golpe branco contra um governo popular e democrático, eleito pelo voto popular e legitimado pela reeleição do Lula e pela eleição da Dilma. O povo já disse sua palavra.”

FONTE: escrito pelo sociólogo e cientista político Emir Sader no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=1048) [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].

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