sábado, 20 de julho de 2013

BRASIL SE DEU AO RESPEITO NAS RELAÇÕES COM OS OUTROS PAÍSES, diz Lula


A ONU que criou Israel é a mesma que deveria ter força para criar o Estado Palestino”. A afirmação é do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em palestra na quinta-feira (18), na Universidade Federal do ABC. Segundo Lula, os países desenvolvidos não agem seriamente na questão da paz, e a “ONU não representa” uma governança mundial. “Isso vai continuar por algum tempo”, afirmou o ex-presidente, que cobrou mudança no Conselho de Segurança da organização. “Quanto mais gente na mesa de negociação, mais fácil construir a paz”.

Ao longo de cerca de duas horas, Lula comentou diversos momentos de seus oito anos de governo. Como quando diz não ter abaixado a cabeça para os Estados Unidos, logo que assumiu a Presidência da República. “Nenhum de nós quer romper relação com os EUA (Estados Unidos), pela importância, mas você não pode ser dependente de um país ou de um bloco. Quanto mais diversificada a relação, mais chance tem de fazer a coisa funcionar”, afirmou. Lula também comentou a importância de ter inserido a fome como pauta central de discussões em todos os fóruns mundiais, além da aproximação com os países da América Latina e da África e dos esforços para mudar as instituições multilaterais e a governança global.

Ao citar uma reuniãodo G8, Lula disse que, em política exterior, o mais importante é se fazer respeitar. “Em política internacional, ninguém respeita quem não se respeita. Ninguém respeita lambe-botas. Em uma reunião do G8, cumprimentei cada companheiro e sentei numa mesa. Eis que chega o Bush, e todo mundo levantou. Eu disse ao Celso (Amorim) para não levantar. Isso parece bobagem, mas política é feita de gestos. Eu apenas quis dizer que ninguém levantou quando cheguei e eu não levantei pra ninguém”, disse.

PILARES DA POLÍTICA EXTERNA

Lula abriu sua conferência, “Brasil no mundo: mudanças e transformações”, falando que a política externa adotada no seu governo se baseou em três pilares: fome, aproximação com América Latina e países africanos e governança global. O ex-presidente comentou sua história de vida, para justificar por que elegeu a fome como tema crucial em todos os fóruns internacionais dos quais participou durante seu governo. “Uma das coisas de que me orgulho na nossa política externa é ter conseguido colocar a questão da fome como central”, contou.“Nunca o mundo discutiu tanto esse tema (...). Eles queriam falar de comércio internacional, e eu querendo debater a questão da fome”. O ex-presidente também lembrou que essa luta ainda continua e que, recentemente o Instituto Lula, junto com a FAO (Organização da ONU para Alimentação e Agricultura) e a União Africana, realizou um encontro na Etiópia para discutir a questão.

O ex-presidente destacou a aproximação do Brasil com a América Latina e com os países africanos. “Queremos ter relação com os Estados Unidos, o que não podemos é nos tornar dependentes. Por isso, nos voltamos para a América Latina”, disse Lula, ao destacar que o período recente vivido na região foi o mais progressista e de esquerda da história. Lula lembrou que foi justamente nessa época que aconteceu a primeira reunião dos países latinos sem a presença dos EUA e do Canadá e que o número de empresas brasileiras em países latino-americanos aumentou "enormemente" a partir de seu governo.

Em relação à África, o ex-presidente contou a dificuldade que enfrentou, inclusive dentro da diplomacia, para convencer as pessoas de que era importante ampliar as relações com os países africanos. Lula contou que era difícil convencer os diplomatas a deixarem Paris para morar na África. Ao comentar a dívida histórica do Brasil com os países africanos, o ex-presidente explicou qual foi a estratégia de seu governo em relação ao assunto. “Nós não podemos pagar nossa dívida com a África em dinheiro, mas podemos pagar com solidariedade”, destacou. Como resultado da integração, foram criadas 19 novas embaixadas brasileiras na África e o comércio do Brasil com os países africanos saltou de US$ 5 bilhões para US$ 26 bilhões.

Depois de dizer que o Brasil possui tecnologia para transformar a savana africana em um território de grande produção agrícola, Lula reclamou das dificuldades e da burocracia para aprovar investimentos e auxílio a países mais necessitados. “Nossas instituições financeiras são tão sérias que não emprestam dinheiro para quem precisa, só para quem não precisa”, afirmou o ex-presidente, criticando as exigências e garantias financeiras para a liberação dos empréstimos pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Lula creditou à aproximação do Brasil aos países africanos a eleição de Roberto Azevêdo ao cargo de diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), José Graziano ao cargo de diretor-geral da FAO e a eleição do ex-ministro Paulo Vannuchi para uma das vagas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da (OEA) Organização dos Estados Americanos.

O terceiro pilar da política externa do governo Lula foi a constante luta por uma mudança nos organismos multilaterais e pela construção de uma governança global. O ex-presidente contou como foi a atuação do Brasil em relação ao programa nuclear do Irã. Segundo Lula, o Brasil havia conseguido um acordo com o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, durante a crise sobre o enriquecimento de urânio no país, mas foi traído pelos países desenvolvidos, que mudaram as exigências após a divulgação do tratado. Para Lula, esse episódio provou que os países desenvolvidos não aceitariam um novo ator na cena global. Ao falar sobre as missões de paz que o Brasil lidera, Lula destacou a atuação brasileira no Haiti: “Graças a Deus, estamos lá, porque não se sabe quais as intenções de quem estaria no [nosso] lugar”.

CONSERTO DO TELHADO

Em relação às manifestações no país, Lula disse que “as pessoas se incomodam com o pobre tendo carro ou andando de avião”, lembrando que, em 2007, 48 milhões de brasileiros usavam o transporte aéreo e que, cinco anos depois, esse número subiu para 101 milhões. “Em 10 anos, fizemos com que 53 milhões começassem a andar de avião. Claro que tem problema em aeroporto. O pobre compra um carro e não consegue andar. É claro que tem protesto. Aí ele fala, 'p*** que pariu, vamos protestar contra esse prefeito'. E viva o protesto, porque de protesto em protesto vamos consertando o telhado”, afirmou.

Ao comentar o vazamento de informações pelo ex-técnico da NSA (agência de segurança dos EUA), Lula disse que Snowden, hoje considerado foragido pelos Estados Unidos, presta um serviço à democracia, e que espera não ter tido suas conversas monitoradas. "Eu não sei qual foi o critério da negativa [do pedido de asilo ao Brasil]. Eu acho que esse rapaz está prestando um serviço à democratização, denunciando um comportamento não recomendável para um país presidido pelo Barack Obama. Não é aceitável, e eu acho que os países têm de pedir uma explicação. Eu espero que ele não tenha ouvido as minhas conversas. É uma irresponsabilidade, um desatino", arrematou.

Lula encerrou a palestra destacando o aniversário de 95 anos de Nelson Mandela, completados na quinta-feira. Ao final, o ex-presidente respondeu algumas perguntas da plateia e brincou com os participantes, dizendo que continua viajando. "É um jeito de não encher o saco da Dilma", afirmou.

A palestra fez parte da Conferência Nacional “2003-2013: uma nova política externa”. O encontro contou também com a participação dos ministros Antonio Patriota (Relações Exteriores), Celso Amorim (Defesa), Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) e Maria do Rosário (Direitos Humanos), além de intelectuais e líderes sindicais.”


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