Submarino IKL Classe Tupi S34 Tikuna Foto - MB
99 ANOS DA FORÇA DE SUBMARINOS: HISTÓRIA E PODER DA MARINHA DO BRASIL
Por Fernanda Corrêa, historiadora, estrategista e pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.
“No último dia 17 de julho, a Força de Submarinos da Marinha do Brasil completou 99 anos. Parabenizo à Força de Submarinos pelos seus 99 anos de História e Poder, os quais contribuíram na defesa incondicional dos interesses brasileiros nas águas jurisdicionais, e aproveito para tornar pública a minha satisfação em ser agraciada Submarinista Honorária pela Força de Submarinos durante a cerimônia militar alusiva ao aniversário da Força.
O SUBMARINO NAS DISCUSSÕES DO SÉCULO XX
No final do século XIX e início do século XX, as principais teorias de estratégia naval que eram discutidas pelas principais Marinhas do mundo defendiam a aquisição dos grandes encouraçados de aço e atribuíam pouca importância aos submersíveis no contexto das guerras. Apesar de, no Brasil, não ter se construído nenhum tipo de submersível, teve precursores que contribuíram com soluções tecnológicas no aperfeiçoamento dos submersíveis, tais como o maquinista naval Luiz Jacintho Gomes, o engenheiro civil Luis de Mello Marques e o Almirante Emílio Júlio Hess.
Desde 1891, o então Tenente Felinto Perry promovia uma campanha naval para aquisição de submersíveis para o Brasil. Suas publicações nos meios midiáticos da época trouxeram os submersíveis para o centro do debate sobre o reaparelhamento naval da época, despertando o interesse da Marinha, da diplomacia e do Senado brasileiro. Além desses nomes citados, destacaram-se nesses intensos e promissores debates o Almirante Alexandrino Faria de Alencar, o Barão do Rio Branco e o Deputado Laurindo Pitta.
Em 1904, o Ministro da Marinha, Almirante Júlio César de Noronha, incluiu três submersíveis no então Programa de Construção Naval. A aprovação desse programa pelo Congresso Nacional deveu-se, em particular, ao empenho do Deputado Laurindo Pitta na Câmara dos Deputados em defesa da reconstituição do Poder Naval Brasileiro. O Programa também incluiu a aquisição de três encouraçados de aço, os quais transformaram a MB, em 1910, na 3ª maior Marinha do mundo em termos de tonelagem.
Em 1911, o então Ministro da Marinha, Almirante Joaquim Marques Baptista de Leão criou a Subcomissão Naval em La Spezia, na Itália, para fiscalizar a construção dos três submersíveis encomendados ao Governo daquele país, e nomeou como chefe dessa Subcomissão o já Capitão-de-corveta Felinto Perry. Os submersíveis italianos somente chegaram ao Brasil, em 1914. Os F1, F3 e F5 eram submarinos de patrulha costeira, tinham 370 toneladas, movidos a propulsão diesel-elétrica e tinham dois tubos lança-torpedos. Eles subemergiam cerca de 40 metros e navegavam a até 9 nós submersos.
Em 11 de junho de 1913, Felinto Perry participou da cerimônia de entrega, na Itália, do primeiro submersível construído pelo estaleiro italiano, o F1. Em 1914, os FF, como ficaram conhecidos na História, já se encontravam território nacional e, em 17 de julho deste mesmo ano, foi criada a Flotilha de Submersíveis, subordinada ao Comando da Defesa Móvel, sediada na Ilha de Mocanguê Grande, em Niterói, município do estado do Rio de Janeiro. Assim que foi criada a Flotilha, iniciaram-se os preparativos para também criar a primeira Escola de Submersíveis. Felinto Perry também foi o primeiro Comandante da Flotilha de Submersíveis. A primeira turma de oficiais submarinistas foi formada em 1915. Os FF atuaram, principalmente, no treinamento e no adestramento das tripulações. A fim de servir de base de apoio móvel para os submersíveis, em 1917, a Flotilha de Submersíveis incorporou o Tender Ceará. Foi dentro desse tender, então, que as instalações da Escola de Submersíveis foram transferidas nesse mesmo ano e lá permaneceu até 1937.
Em 1928, a Flotilha de Submersíveis e a Escola de Submersíveis passaram a se chamar, respectivamente, Flotilha de Submarinos e Escola de Submarinos e, em 1929, o submarino-de-esquadra Humayta, também construído no mesmo estaleiro italiano, cumpriu uma histórica travessia de 5.100 milhas marítimas, em 23 dias, de La Spezia ao Rio de Janeiro, sem escalas.
Em 1933, os FF foram desativados e a Flotilha de Submarinos foi extinta. No entanto, o Tender Ceará e o submarino-de-esquadra Humayta permaneceram em atividade sob a administração do Comando da Defesa Móvel e sob operação do Chefe do Estado-Maior da Armada.
Em 1937, com a incorporação da nova classe italiana, a Flotilha de Submarinos foi reativada. Os submarinos da nova classe eram o Tupy, o Tymbira e o Tamoyo. Com a chegada desses submarinos, a Escola foi transferida, juntamente com a Flotilha, para a Ilha das Cobras. Em 1941, foi criada a Base da Flotilha de Submarinos, e a Ilha de Mocanguê Grande passou a ser sua sede. Com a criação dessa Base, a Escola de Submarinos voltou a funcionar na Ilha como um departamento daquela Base.
Os submarinos da classe T atuaram no contexto da 2ª Guerra Mundial quando a Flotilha de Submarinos foi incorporada à Força Naval do Nordeste, sediada em Recife. Além de participar intensamente do adestramento de escoltas a comboios, do adestramento de táticas antissubmarinos para unidades de superfície e aeronaves, estes submarinos atuaram junto a 4ª Esquadra dos EUA contra as forças do Eixo.
FORSUB: ORIGEM ESTADUNIDENSE
Na década de 1950, além da corveta holandesa Imperial Marinheiro, novos submarinos da classe Fleet-Type, de origem estadunidense, foram incorporados à Flotilha de Submarinos. Esses submarinos haviam sido empregados na 2ª GM. Além do grande raio de ação, os equipamentos e sistemas bem mais avançados que os até então conhecidos pela Flotilha de Submarinos permitiram que houvesse bastantes modificações na estrutura da Flotilha e na formação dos próprios submarinistas. Nessa década, foram adquiridos os submarinos Humaitá e o Riachuelo.
Em 1963, a Flotilha de Submarinos passou a se denominar Força de Submarinos, foi criada a Escola de Submarinos como Organização Militar autônoma na estrutura orgânica do Ministério da Marinha e foram adquiridos mais dois submarinos estadunidenses da classe Fleet-Type, o Rio Grande do Sul e o Bahia.
Para a Força de Submarinos, o Bahia foi uma grande aquisição na época, à medida que, após reformas feitas em território nacional, se tornou um recordista em maior profundidade. Quando foi entregue pelos EUA, o Bahia deslocava-se com 1.400 toneladas. Depois que passou por reformas no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, ganhou nova estrutura e mais velocidade. Era a primeira vez que um submarino do tipo Fleet-Type passava por reforma fora dos EUA. Em 1966, o submarino Bahia junto com o Humaitá realizaram a primeira transferência em alto mar de pessoas e cargas leves entre as embarcações deste tipo.
Na década de 1970, a Força de Submarinos adquiriu mais sete unidades de submarinos estadunidenses do tipo GUPPY (Greater Underwater Propulsion Power): o Guanabara, o Rio Grande do Sul, o Bahia, o Rio de Janeiro, o Ceará, o Goiás e o Amazonas. Adquiriu também um navio de resgate submarino.
A principal inovação tecnológica dos submarinos do tipo GUPPY foi o emprego do sistema esnórquel. Esse sistema, além de permitir recarregar as baterias e os grupos de ar comprimido, renovava o ar ambiente com o submarino submerso na cota periscópica. O Rio Grande do Sul foi o primeiro submarino brasileiro a operar com o sistema esnórquel.
Nesse contexto, houve no seio da Escola de Submarinos os primeiros esforços para a construção de um tanque de treinamento de salvamento e a obtenção de um treinador de ataque, o qual foi montado em 1966. Em 1973, a antiga Escola de Submarinos passou a ser denominada Centro de Instrução e Adestramento de Submarinos e Mergulho (CIASM) e, em homenagem ao Almirante Átilla Monteiro Achê, falecido em janeiro de 1978, em maio desse mesmo ano, o CIASM passou a se chamar Centro de Instrução e Adestramento Almirante Átilla Monteiro Achê (CIAMA).
FORSUB: ORIGEM INGLESA
Da Inglaterra, a FORSUB adquiriu 3 submarinos da classe Oberon: o Humaitá, o Tonelero e o Riachuelo. Essa aquisição permitiu um salto tecnológico imenso para a Força de Submarinos da MB, em especial, na área de detecção acústica e eletromagnética, introduzindo uma série de equipamentos eletrônicos altamente sofisticados, além de um sistema de direção de tiro com computação digital de dados e comando central unificado para as manobras dos lemes vertical e horizontal, conhecido como controle de governo e de profundidade, o CONGOP. Os submarinos da classe Oberon, além de terem permitido a Força de Submarinos adentrar na era da informática, trouxeram grande avanço operacional.
FORSUB: ORIGEM ALEMÃ
Com as classes de submarinos anteriores, a Força de Submarinos aprendeu a operá-los. No entanto, os novos tempos exigiam que a Marinha desenvolvesse suas próprias tecnologias. Assim sendo, a MB optou por buscar parceiros europeus dispostos a transferir tecnologia de construção de navios e que atendessem ao perfil operacional e tecnológico desejados.
A Guerra das Malvinas (1982) se tornou palco de observação para as autoridades brasileiras. Nessa Guerra, o submarino argentino San Luis, modelo IKL-209, disparou dois torpedos Special Surface Target (SST) e um MK e navegou em patrulha por 39 dias, dos quais por 36 manteve-se submerso no palco de operações navais, trazendo sérias dificuldades para a Marinha Real Britânica em detectá-lo. Com o fim da Guerra, o Governo brasileiro aprovou o investimento da MB na aquisição de submarinos convencionais modelo IKL e a construção do submarino com propulsão nuclear.
Em agosto de 1982, o Brasil propôs ao Consórcio alemão Ferrostaal/ Howaldtswerken Deutsche Werft AG (HDW) a aquisição de dois submarinos convencionais, o primeiro construído em território alemão, no estaleiro da HDW, em Kiel, com acompanhamento de técnicos e engenheiros brasileiros, e o outro construído no Brasil, com supervisão dos alemães. A escolha do Consórcio foi realizada pela própria MB.
Em 1985, antes mesmo de os dois submarinos encomendados estarem prontos, a MB assinou outro contrato, encomendando mais dois submarinos IKL do tipo 209 com 1.400 toneladas. Esses também foram construídos no AMRJ sob supervisão da HDW.
O primeiro submarino brasileiro modelo IKL chegou ao Brasil, em 1988. O nome de batismo da classe foi o mesmo nome desse primeiro submarino IKL incorporado à Força de Submarinos: classe Tupi. O segundo submarino dessa classe foi construído no AMRJ e foi batizado como Tamoio. Respectivamente, o terceiro e o quarto submarinos dessa classe foram batizados como Timbira e Tapajós. As características deles são: propulsão diesel elétrica, 4 motores de combustão principais acoplados a geradores e um motor elétrico principal de dupla armadura que aciona o eixo propulsor.
Em 1995, a MB assinou um quarto acordo com o Consórcio alemão, encomendando um quinto submarino IKL 214 de 1.400 toneladas. Batizado como Tikuna, esse novo submarino, de acordo com a MB, pertence a uma nova classe de submarinos, construído no Brasil e dispondo de tecnologias desenvolvidas por empresas e institutos de pesquisas brasileiros.
SUBMARINO NUCLEAR: PARCERIA ESTRATÉGICA FRANÇA-BRASIL
Desde a década de 1970, a MB busca dominar o ciclo completo do combustível nuclear e construir um submarino com propulsão nuclear. A fim de queimar etapas, a MB decidiu buscar parceiros que construíssem submarinos convencionais e nucleares, ao mesmo tempo, e que se dispusessem a transferir tecnologia de projeto de submarinos. Dentre os parceiros, destacaram a França e a Rússia. A França foi a única que aceitou transferir tecnologia de projeto de submarinos para a MB e ofereceu a sua mais moderna linha de produção de submarinos convencionais: a classe Scorpène. A previsão da MB é que o primeiro submarino convencional esteja concluído em 2016 e que o submarino com propulsão nuclear esteja concluído em 2025. A estatal francesa DCNS criou uma Escola de Projeto de Submarinos, associou-se em regime de joint venture com a empresa privada brasileira Odebrecht para construir a nova base e o estaleiro de submarinos, no município de Itaguaí, construiu uma indústria de fabricação de estruturas metálicas, está formando engenheiros e técnicos nas imediações da DCNS, em Cherbourg, e se comprometeu a oferecer assistência técnica por 15 anos nos contratos de transferência de tecnologia.
As seções 3 e 4 de vante, construídas na França, do primeiro submarino convencional tipo Scorpène da MB chegaram no Rio de Janeiro no último mês de junho. As seções foram transportadas do Porto de Sepetiba, por balsa, para o cais da estatal NUCLEP e de lá para a Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas (UFEM), onde já estão sendo construídas as demais partes do submarino.
Dentre as tarefas da estratégia naval, a Estratégia de Defesa Nacional tornou a negação do uso do mar prioritária em relação ao controle marítimo e a projeção de poder. Ao aceitar transferir tecnologia estratégica para a MB, a França está ciente das implicações políticas e estratégicas que seu aceite resultará tanto no Atlântico Sul quanto no sistema internacional.
Costumo dizer que o Brasil já goza do privilégio de ser uma potência hemisférica, pois abaixo da Linha do Equador não há nenhum outro país com a capacidade de dissuadir e de negar o uso do mar ao inimigo na mesma proporção que o Brasil. Um dos lemas dos submarinistas é: “só existem dois tipos de navios: os submarinos e os alvos”. Ciente e compartilhando dessa máxima, a Força de Submarinos é, inegavelmente, um dos braços mais fortes da Defesa Nacional e merece o aplauso e a atenção da sociedade brasileira.”
FONTE: escrito por Fernanda Corrêa, historiadora, estrategista e pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense. Transcrito no site “DefesaNet” (http://www.defesanet.com.br/prosub/noticia/11533/a-defesa-em-debate---forca-de-submarinos-da-mb---uma-historia-de-poder/).
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