Por Luciano Martins
Costa, no “Observatório da Imprensa”
“Uma das vantagens que
os jornais supostamente oferecem em relação aos outros meios de informação é o
sistema de organização das notícias: elas
são distribuídas por seções temáticas, quase sempre agrupadas em cadernos
específicos, facilitando a busca do leitor por seus assuntos preferidos.
O fato de esse pacote
de informações se renovar diariamente reforça a percepção de uma ordem e uma
correlação entre os acontecimentos, o que também funciona para passar ao leitor
a confiança de que, a cada dia, ele está recebendo o que há de mais atual, e
que, com isso, estaria adquirindo um conhecimento objetivo sobre a realidade
que lhe interessa.
Por isso, quando a
imprensa quebra esse elo, a consequência pode ser desastrosa.
Por exemplo, no domingo
passado, o jornal “O Globo” publicou
como sendo recente o resultado de uma pesquisa sobre credibilidade da imprensa
que havia sido divulgada pela “agência de Relações Públicas Edelman” quatro
meses antes. O estudo, feito anualmente há uma década, dizia que a mídia é a
entidade mais confiável para os brasileiros, com 66% de aprovação, contra 64%
das empresas, 59% das ONGs e 33% do governo.
O resultado, divulgado
no primeiro trimestre deste ano, se refere a levantamento feito no ano
anterior, ou seja, é um retrato desatualizado da realidade. Portanto, se
apresentado como atual, é uma mentira. E por que razão o jornal carioca
venderia aos seus leitores, como se fosse fresco, esse peixe congelado?
Os leitores atentos
haverão de perceber que essa publicação, que foi imediatamente reproduzida por
outros veículos noticiosos, passa a impressão de que a credibilidade da
imprensa aumentou justamente quando caía a reputação de outras instituições,
todas atingidas pela onda de protestos que ocorreram a partir de maio, ou seja,
dois meses depois de distribuída pela “Edelman” a pesquisa referente a 2012.
Mas existe outro
aspecto a ser considerado nessa questão. A publicação da pesquisa defasada
sobre a credibilidade da imprensa foi feita em meio a uma série de outros
levantamentos que mostram a queda da popularidade do atual governo.
Produzidos no calor dos
protestos que paralisaram as grandes cidades brasileiras, esses estudos foram
sendo levados ao público numa cronologia regular, a partir do início de junho,
como se fossem resultados de consultas sequenciais, o que pode produzir em
muitas pessoas a impressão de que o governo está rolando ribanceira abaixo.
JOGO PERIGOSO
Essa técnica de
manipulação é muito conhecida entre os marqueteiros e jornalistas, e costuma
ser praticada em períodos eleitorais. Se serve para registrar as mudanças de
humor de eleitores em meio às emoções produzidas pela propaganda dos
candidatos, esse tipo de cobertura produz distorções fundamentais na percepção
de outros contextos que devem ser vistos no longo prazo, como a avaliação da
eficiência de um governo.
Funciona assim: o “Datafolha”
produz uma pesquisa, constatando que a presidente Dilma Rousseff sofreu a
primeira queda em sua alta taxa de popularidade, perdendo 8 pontos na aprovação
popular, mas ainda venceria uma eleição em primeiro turno. Em seguida, os
jornais reproduzem a pesquisa destacando declarações de líderes da oposição
vinculando o governo às manifestações de rua e prevendo novas quedas de
popularidade. Na sequência, nova pesquisa, desta vez com uma queda de 27 pontos
porcentuais.
A notícia original,
dada pela “Folha de
S. Paulo”, usa o verbo “despencar”, que é repetido por todos os outros
veículos, como num túnel de ecos. Novamente, repetem-se as “análises” com base
em declarações de políticos da oposição, que vinculam os indicadores aos
protestos que se multiplicam nas ruas.
Interessante observar
que a mesma sequência de constatações é feita por outra série de pesquisas,
estas produzidas para a “Confederação Nacional do Transporte”, mostrando
tendência semelhante. No entanto, os jornais publicam esses resultados, com
diferenças de poucos dias em relação aos levantamentos do “Datafolha”, como se
fossem novas prospecções, quando são, na verdade, novas tomadas do mesmo
contexto.
Dessa forma, passa-se
para o leitor a impressão de que a aprovação do governo está “despencando”,
para usar a palavra preferida dos jornais. No entanto, o que está “despencando”
é a confiança dos brasileiros no processo democrático.
O fato mais relevante
dessas pesquisas, que está sendo omitido pela imprensa, é a declaração de
intenção no voto nulo ou em branco. Na
última pesquisa do CNT/DMA, a presidente Dilma aparece com mais intenções de
voto espontâneo do que o ex-presidente Lula da Silva e o dobro das intenções
dirigidas aos possíveis candidatos Marina Silva e Aécio Neves. Na pesquisa
estimulada, ela ainda venceria as eleições em dois turnos.
Além disso, a imprensa
está escamoteando um dado fundamental nessa pesquisa, a mais recente: na pergunta sobre que partido o
entrevistado quer ver na Presidência da República a partir de 2015, a resposta
espontânea mostra que 22,1% apontam o PT, apenas 5,6% preferem o PSDB e 2,1%
citam o PMDB.
No conjunto dos
levantamentos, vistos desde o início de junho, o retrato mostra que o que caiu
foi a confiança no processo político:
mais de 50% dos brasileiros estariam dispostos a se abster em 2014. Com a
redução do total dos votos válidos, ficaria mais fácil influenciar o resultado
das urnas – e essa possibilidade parece
estar no horizonte estratégico da mídia tradicional.
Mas esse é um jogo
muito perigoso.”
FONTE: escrito por Luciano Martins Costa, no “Observatório da Imprensa”.
Transcrito no portal de Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/os-dados-das-pesquisas-de-opiniao-escondidos-pela-imprensa). [Imagem do Google acrescentada por este blog ‘democracia&política’].
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