EIKE
BATISTA, no “O Globo”
“Eike Batista não se reconhece
como o aposentado dos “obituários empresariais” que têm sido publicados e
promete seguir empreendendo. Ele assume a responsabilidade pela derrocada da
OGX, mas diz que confiou demais em quem não merecia confiança. Entre os
arrependimentos, cita a exposição excessiva de sua vida e ter recorrido ao
mercado de ações.
RIO - Ao longo dos
últimos meses, decidi que não me pronunciaria sobre a avalanche que se abateu
sobre minha vida privada e principalmente sobre meus negócios. Mudei de ideia
nos últimos dias diante da grande insistência de amigos próximos e alguns de
meus executivos. Venho a público então submeter à reflexão aspectos que têm
passado em branco quando se analisa minha trajetória empresarial.
Eu me tornei um
empreendedor ainda no início dos anos 80, quando me aventurei no garimpo da
Amazônia. Aprendi bastante em regiões de fronteira, ambientes hostis à
atividade produtiva, enormes dificuldades de toda ordem para transportar
equipamentos, surtos de malária que me obrigaram a substituir equipes inteiras
da noite para o dia, o desafio de extrair minério em locais quase inacessíveis
e meu próprio questionamento em torno das possibilidades de êxito diante das
adversidades que se apresentavam. Acabei por me tornar proprietário de minas em
diversos países e decidi estabelecer-me em definitivo no Brasil e me desfazer
das participações que detinha na área de mineração.
Muitas vezes as pessoas
imaginam que surgi do nada, em meio a uma febre desenfreada de aberturas de
capital, e que surfei na onda de um mercado em alta que, sem qualquer razão
aparente, me ofereceu um cheque em branco com algumas dezenas de bilhões para
que eu pudesse brincar de empreender. Nestes últimos anos aprendi muito, errei
e acertei em diversos projetos contribuindo para geração de riqueza para
terceiros, para mim e principalmente para investidores. Se algum dia mereci a
confiança do mercado, foi porque havia uma trajetória de mais de 30 anos de
muito trabalho, desafios superados, sucesso e uma capacidade comprovada de
cumprir compromissos.
Como entendo que a OGX
está na origem da crise de credibilidade que se abateu sobre meu nome e que
acabou por turvar as realizações e conquistas de empresas como MPX, MMX e LLX,
começo por ela.
O que aconteceu desde
que ficou claro que a OGX não
estaria apta a apresentar os resultados que um dia pareceu possível alcançar?
Eu me tornei de repente um aventureiro inconsequente que arregimenta recursos
para seu próprio benefício e não se importa se entregará o que havia anunciado?
Hoje é difícil lembrar, mas a OGX foi construída por algumas das cabeças
coroadas por décadas de serviços prestados a empresas de renome. Eu não investi
na indústria do petróleo sem me cercar daqueles que eu e o mercado entendíamos
estar entre os mais capacitados profissionais com que se podia contar. Ao
arrematar os campos que arrematou, a expectativa em torno da OGX era altíssima.
Esta mesma expectativa parecia uma irrelevância diante dos prognósticos que
recebi de diversas empresas independentes no mercado do petróleo. Uma delas foi
a DeGolyer & MacNaughton (D&M). De acordo com um relatório divulgado em
2011, auditado por empresas independentes de renome internacional, a OGX
possuiria recursos aproximados de 10,8 bilhões de barris de petróleo
equivalente (incluídos recursos contingenciais e prospectivos). Meu corpo
técnico me reafirmava, dia após dia, a mesma coisa. Minhas empresas eram
auditadas por três das maiores agências de risco do mundo, e nunca uma delas
veio a mim ou a público alertar que não era bem assim.
Evidentemente, eu
estava extasiado com as informações que me chegavam. Podia tê-las guardado para
mim? Não, eu era o controlador de uma companhia de capital aberto e o que fiz
foi compartilhar todo aquele esplendor e respectivos desafios com o mercado,
além dos riscos envolvidos e chances de sucesso neste negócio de tão alto
risco.
Tive ofertas para
vender fatias expressivas ou mesmo o controle da OGX a partir de um valuation de 30 bilhões de dólares. Há
dois anos, coloquei mais um bilhão de dólares do meu bolso na companhia. Eu
perdi e venho perdendo bilhões de dólares com a OGX. Alguém que deseja iludir o
próximo faz isso a um custo de bilhões de dólares? Se eu quisesse, poderia ter
realizado uma venda programada de 100 milhões de dólares por semestre ao longo
de 5 anos. Eu teria embolsado 5 bilhões de dólares e ainda assim permaneceria
no controle da OGX. Mas não o fiz. Quem mais perdeu com a derrocada no valor da
OGX foi um acionista: Eike Batista. Ninguém perdeu tanto quanto eu, e é justo
que assim seja. Eu investi em um negócio de risco. É injusto e inaceitável, por
outro lado, ouvir que induzi deliberadamente alguém a acreditar num sonho ou
numa fantasia. Quem mais acreditou na OGX fui eu. Continuo acreditando e por
isso estamos, nestes últimos meses, reinventando a companhia. Não desistirei
deste desafio.
A OGX tem sido alvo de
todo tipo de movimento especulativo, com vendas a descoberto no mercado e
vazamentos de informações (falsas ou verdadeiras) numa escala sem precedentes e
totalmente irresponsável. Muita gente ganhou dinheiro com a OGX por conta de
toda esta excessiva especulação. Muitos também têm perdido dinheiro assim.
Sou solidário com os
investidores que acreditaram na OGX em sua origem e que me honraram com sua
confiança naquele momento ou mesmo depois, quando parecia que a companhia
entregaria resultados de grande magnitude. O que posso dizer a essas pessoas é
que acreditei nesse cenário tanto quanto elas. Investi e continuo investindo
quase todo meu patrimônio, tempo e dedicação na OGX e nas demais empresas X. E
lamento profundamente não ver confirmados os prognósticos de consultorias de
renome, auditados por agências de idêntico renome e referendados por executivos
de renome.
Sou um otimista
incorrigível em relação a meu país, a meus negócios e às pessoas que me cercam.
Ao longo de minha atividade empresarial, os êxitos e conquistas superaram
largamente fracassos e erros. Mas os fracassos aconteceram e eu nunca os
escondi. Tive experiências mal sucedidas com a fabricação de jipes, com uma empresa
concebida para concorrer com os Correios, com algumas minas fora do Brasil das
quais tive de abrir mão por fatores diversos. Mas eu nunca deixei de ser
transparente, pagar ninguém e nem de honrar meus compromissos. Sempre mirei
atividades de alto risco com possibilidades de elevados retornos para parceiros
e acionistas. Mineração é uma atividade de risco. Extração de petróleo é uma
atividade de alto risco. As promessas de retorno são elevadas, num caso e
noutro, mas o risco é grande. Isso jamais foi escondido, faço questão de
pontuar novamente.
Mais do que ninguém, me
pergunto onde errei. O que deveria ter feito de diferente? Uma primeira questão
talvez esteja ligada ao modelo de financiamento que escolhi para as empresas.
Hoje, se pudesse voltar no tempo, não teria recorrido ao mercado de ações. Eu
teria estruturado um private equity
que me permitisse criar do zero e desenvolver ao longo de pelo menos 10 anos
cada companhia. E todas permaneceriam fechadas até que eu estivesse seguro de
que havia chegado o momento de abrir o capital. Nos projetos que concebi, o
tempo se revelou fator de estresse vital para a reversão de expectativas sobre
companhias que ostentam resultados amplamente satisfatórios e possuem ativos
valiosos.
Nos casos de MPX, MMX e LLX, a depreciação do valor
de mercado é claramente incompatível com o que têm a oferecer. Esses últimos
investimentos que efetuei tiveram como importante motivação contribuir para um
Brasil mais competitivo, estruturado logisticamente e capaz de proporcionar um
futuro melhor para o conjunto de sua população. A MPX possui a maior carteira de projetos licenciados do país. Ela se
tornou modelo no conceito de térmicas ao longo da costa e gera hoje 2 mil
megawatts, o suficiente para alimentar a cidade do Rio de Janeiro. Em pleno
cenário de crise energética, foi dito publicamente por um membro da ANEEL que,
graças à MPX, não haveria apagão ou racionamento de energia. A MMX já produz 7 milhões de toneladas
anuais de minério de ferro e conta com um ativo de importância estratégica
vital, o Porto do Sudeste. Graças a ele será possível extrair minério de ferro
de Minas Gerais e exportar a partir do quadrilátero ferrífero com ampla
repercussão para a logística e para a balança comercial. A LLX conta com o Porto do Açu, pólo industrial para os setores de
petróleo e para o transporte de cargas em geral e a granel. É um
porto-indústria que revela, em escala crescente, sua capacidade de atrair novas
parceiras para sua retroárea de aproximadamente 90km2.
Dentre as empresas que
já se instalaram ou estão se instalando no Açu, estão Technip, National Oilwell
Varco (NOV), BP, GE, Wartsila e Vallourec, todas grandes corporações
internacionais que acreditam nos meus negócios e no Brasil.
As pessoas ainda comentam que sou o cara do papel, do power point. Por que não visitam o Porto do Açu? Por que não visitam o Porto do Sudeste? Por que não visitam as plantas da MPX? É justamente o oposto do que se tem falado: sou o cara da economia real, que, mesmo com muitos obstáculos, coloca as coisas de pé. No pico das obras de meus empreendimentos, 30 mil pessoas estavam empregadas tornando concreto o que até então eram apenas sonhos. Isso é papel? Trinta mil pessoas em atividade? Eu realmente gostaria que todos os que duvidam de minha capacidade de entregar pudessem visitar o Porto do Sudeste e o Porto do Açu e as térmicas da MPX já em operação. É um convite que gostaria de fazer a todos. São empreendimentos para o Brasil, para o futuro do país. Meu sentimento é de que, em pouco tempo, as pessoas vão olhar para trás e pensar que pude oferecer minha contribuição ao desenvolvimento do sistema logístico brasileiro. Coloquei 2 bilhões de dólares do meu bolso na construção de um estaleiro por acreditar nas encomendas da OGX. No total, investi mais de 4 bilhões de dólares em recursos próprios nas empresas X.
Tomei a decisão de
reestruturar o controle das companhias. Faço isso com a certeza de que tenho um
legado a deixar ao país, e não abrirei mão de colaborar na condição de
acionista relevante em cada companhia. Honrarei todos os meus compromissos. Não
deixarei de pagar um único centavo de cada dívida que contraí. Acredito no meu
país e nunca desistirei de investir recursos próprios em ativos que contribuem
para toda a sociedade.
Eu me enxergo e
continuarei a me enxergar como um parceiro do Brasil. Acho que cumpri esse
papel ao conceber e entregar projetos que terão uma importância crucial nas
próximas décadas. Falhei e decepcionei muitas pessoas, em especial por conta da
reversão de expectativas da OGX.
Esta reversão contaminou todo o Grupo X e acarretou um déficit de credibilidade
com o qual nunca me deparei em minha trajetória. Mas o fato é que fui tão
surpreendido quanto cada um de meus investidores, colaboradores e todo o mercado.
Esta é a verdade. Hoje me sinto frustrado por não ter sido capaz de entregar o
que eu mesmo esperava nos casos da OGX e
da OSX, esta última concebida em
parte para oferecer suporte à primeira em suas atividades. Mas acredito que a
OGX reestruturada se tornará um player relevante no setor em que atua, assim
como confio numa OSX redimensionada a partir de um novo cenário.
Sempre agi de boa-fé e sempre o farei. Acho que era isso o que mais gostaria de dizer e que, assim espero, sintetiza meu percurso empresarial nos últimos cinco anos. Com minha estrutura de capital equacionada, continuarei a empreender e tenho convicção de que ainda vou gerar riqueza novamente e deixar um país melhor com estes ativos que criei do zero. Eu talvez faça isso agora sem o mesmo peito aberto de antes. Talvez tenha confiado demais em pessoas que não mereciam essa confiança, ainda que, no final, a responsabilidade seja toda minha. Com certeza eu também não me submeteria à exposição pública excessiva de tempos recentes, da qual me arrependo sobretudo por haver exposto igualmente minha família e meus amigos a uma curiosidade indesejada.
O orgulho de erguer do
nada tantas empresas em tempo tão curto me colocou no centro do palco e eu me
vi como o porta-voz de um novo empreendedor, que não tem vergonha de expor suas
conquistas e mostrar que é possível gerar riqueza e ao mesmo tempo contribuir
com o desenvolvimento do país. Tenho consciência de que fui um símbolo para as
pessoas, a representação de um Brasil que prospera, que dá certo e está
preparado para desempenhar um papel de preponderância global. A destruição de
valor dos meus negócios colocou por terra talvez o sonho de muita gente que
acreditou na possibilidade de partir do zero e se tornar um empreendedor de
sucesso. Espero que elas procurem enxergar o que deu certo em minha trajetória
e peço que esperem alguns anos para uma avaliação mais definitiva do que terei
sido capaz de construir com o apoio dos que acreditaram e dos que ainda
acreditam em mim. Houve muitos acertos e eles ficarão mais evidentes em tempo
não tão longo. Não me refiro apenas aos negócios propriamente ditos. Nestes
últimos cinco anos, apoiei causas de naturezas diversas, que me levaram a
investir centenas de milhões de reais próprios em projetos de interesse público
e social ou mesmo de caráter humanitário, principalmente na Cidade do Rio de
Janeiro, o que hoje é esquecido por muitos. Isso eu faria e farei novamente se
estiver a meu alcance.
Nos últimos meses, meu
obituário empresarial tem ocupado as páginas de blogs, jornais e revistas. Só
posso dizer que me vejo muito longe desse Eike aposentado. Tenho 57 anos e
muita energia para arregaçar mangas e tirar do papel novos projetos. Sou um
empreendedor brasileiro, acredito no que faço, amo meu país. A cada dia, minha
cabeça fervilha com ideias novas, que nascem do nada e tomam forma aos poucos.
Eu me alimento dessa capacidade de sonhar e de realizar. Empreender está no meu
sangue, no meu DNA. É minha fonte inesgotável de energia e de vida.
— Honrarei todos os meus
compromissos. Não deixarei de pagar um único centavo de cada dívida que
contraí.”
FONTE: jornal “O Globo”. Transcrito no
portal de Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/eike-se-pronuncia-sobre-a-crise-de-suas-empresas).
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