Por Mauro Santayana
“Sexta-feira (21 junho), em Diamantina, o governador
Aécio Neves fez o elogio de Juscelino, ao transferir para aquela cidade as
solenidades comemorativas de 21 de abril. Para que ficasse bem nítida a
intenção, Aécio convidou a filha de Juscelino, Maristela Kubitschek Lopes, para
ser a Oradora Oficial da cerimônia. Esse elogio a Juscelino seria impensável,
durante os últimos anos de sua vida. Oficialmente, Juscelino era um “morto
civil”. Durante o seu governo, no qual rompera os cânones do imobilismo, o
presidente fora acusado de corrupção e de ofender a família brasileira com seus
amores, reais ou fictícios. O político mineiro, ao candidatar-se para suceder
Vargas, e eleger-se em 3 de outubro de 1955 e a empossar–se em 31 de janeiro do
ano seguinte – herdara todo o ódio que a
União Democrática Nacional endereçara a Vargas. O partido constituía o
velho resíduo do bacharelismo nacional, de origem oligárquica, que perdera sua
posição hegemônica na sociedade, a partir da Revolução de 30.
A política deixara de ser assunto restrito (ou quase
restrito) aos advogados. Novas forças surgiam, em consequência da ação
modernizadora de Vargas, e a UDN não podia admiti-las. O último grande ato de
poder dos udenistas fora a Constituição de 1946, na qual, a pretexto de
salvaguardar a ordem jurídica, os advogados exageraram em suas idéias
“soi-disant” liberais, mas mantiveram para a classe dominante as posições
angulares do poder. E como não podiam deixar de fazer, inscreveram na Lei
Fundamental seus próprios privilégios corporativos.
O médico Juscelino,
que fora telegrafista e oficial da Força Pública de Minas, provinha da “low
middle class”, filho de uma professora e de um caixeiro-viajante morto aos 33
anos. Não pertencia, pela atividade, nem pela formação, ao setor da sociedade
tradicionalmente ligado à velha aristocracia remanescente do Império. No
governo, fora o preenchimento de cargos que exigiam conhecimento jurídico,
Juscelino buscou realizadores, preferindo a presença de engenheiros e
pragmáticos. Isso exacerbou o ódio da UDN. Seus líderes eram, quase todos,
bacharéis – com a notória exceção do
jornalista Carlos Lacerda. O temor de perder seu poder na sociedade
nacional se expressava no ódio contra a coligação PSD-PTB, aliança das classes
médias urbanas com os trabalhadores e os empresários nacionalistas – a chamada burguesia nacional. Tratava-se
de um movimento de forças modernizadoras. O bacharelismo delirante desses
líderes mereceu de Afonso Arinos filho, então jovem diplomata - que rompera com Lacerda - a ferina
observação de que “a UDN pensa que o povo
come habeas corpus”. A UDN, que não podia confessar que combatia Juscelino
por estar rompendo o poder das oligarquias, acusava, pela imprensa, o
presidente de ser o “Pé de Valsa”, o corrupto e corruptor, o irresponsável
construtor de Brasília, o esbanjador dos recursos públicos.
Quando,
enfim, os bacharéis mais reacionários ocuparam o poder com os militares,
coube-lhes encontrar as fórmulas jurídicas para defender o estupro do Estado de
Direito. Totalitários por sua natureza, Carlos Medeiros da Silva e Francisco
Campos, antigo fundador da corporação fascista “Legião de Outubro”, e redator
solitário da Constituição de 1937, redigiram o Ato Institucional, em que se
valiam do argumento absoluto da força. Em sua visão do Direito, “a Revolução” (na verdade apenas um golpe militar clássico)
se legitimava por si mesma, ou seja, pela sua vitória sem combate. Outros
juristas, como Gama e Silva e Alfredo Buzaid dariam seu aval à Ditadura. Esses
fatos servem para realçar a corajosa resistência democrática de tantos outros
grandes advogados, alguns até mesmo de origem oligárquica, como Victor Nunes
Leal e Evandro Lins e Silva, perseguidos sistematicamente pelo Poder. A partir
de certo momento, os advogados, em sua maioria, decidiram partir para a resistência.
A bomba contra a OAB atesta essa bravura.
O “corrupto”
Juscelino sofreu todas as perseguições conhecidas. Foi humilhado por um
interrogatório movido por oficiais inferiores. Reproduzia-se, de alguma forma,
o que pretenderam os golpistas contra Getúlio, ao instaurar Inquérito Policial
Militar em uma dependência da Força Aérea: a fim de o interrogar, julgar e
condenar o Presidente - também sob o
pretexto da corrupção – com o aplauso da UDN dos bacharéis. Getúlio os
venceu, ao denunciá-los em sua Carta Testamento e na corajosa decisão de deixar
a vida. E tanto os venceu que seu sucessor, Juscelino, retomou seu Projeto
Nacional.
Hoje, o
cerco é contra o presidente Lula. A imprensa, de modo geral, se soma aos
bacharéis da velha UDN, que trocou de nome, mas não de alma. O desvario da
chamada “opinião publicada” chega aos
limites da insânia: o Procurador Geral da
República entrou no clima geral. Na realidade – e se trata também de um
crime, que deve ser combatido – houve o uso de recursos do chamado “Caixa Dois”.
Esse é um velho mal do sistema político brasileiro e de outros sistemas (o caso norte-americano é exemplar). Se
formos andar para trás, chegaremos a Mauá e ao financiamento que sempre fez aos
candidatos da Monarquia, da qual – não
obstante seus conhecidos méritos – foi sócio privilegiado.
A oposição
tem várias faces, e uma muito nítida, a de Tartufo. Se seus líderes, que
dominam a maioria do Parlamento, estivessem interessados em moralizar o
processo eleitoral, teriam proibido taxativamente o uso de “caixa-dois” e das
doações clandestinas às campanhas e teria imposto um teto às doações
registradas. Como no velho exemplo de Lampedusa, mudou-se tudo, para tudo
continuar no mesmo. E para confirmar essa postura, o Senador Artur Virgílio
reconhece (uma vez que os tucanos foram
apanhados com o bico na gamela) que o uso do “caixa-dois” é corriqueiro nas
campanhas eleitorais.
Mais uma vez
– e vale voltar à Carta-Testamento de
Vargas -, os golpistas se reúnem. Eles só admitem crescimento econômico
para o próprio desfrute. Quando um governo começa a distribuir renda, como no
sistema escandinavo, a fim de sustentar um tímido “welfare state”, como faz
Lula com o “Bolsa-Família”, contra ele se reúnem bacharéis e banqueiros,
políticos, jornalistas e inocentes úteis.
A diferença
é que, desta vez, não podem contar com os quartéis. Os militares se encontram
vacinados contra a interferência no processo político, e se preocupam muito
mais com a defesa da soberania nacional sobre o território brasileiro. Dessa
forma, podem esquecer o apelo ao golpe, seja parlamentar, com o pretendido impeachment, seja por outros meios, como
a infiltração de agentes provocadores nos movimentos populares, como já está
ocorrendo.”
FONTE: escrito pelo jornalista Mauro
Santayana. Transcrito no portal de Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/os-outros-nomes-da-udn-por-mauro-santayana). [Imagem do Google acrescentada por este blog ‘democracia&política’].
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