sexta-feira, 19 de julho de 2013

OS OUTROS NOMES DA UDN, por Mauro Santayana


Por Mauro Santayana

O médico Juscelino, que fora telegrafista e oficial da Força Pública de Minas, provinha da “low middle class”, filho de uma professora e de um caixeiro-viajante morto aos 33 anos. Não pertencia, pela atividade, nem pela formação, ao setor da sociedade tradicionalmente ligado à velha aristocracia remanescente do Império. No governo, fora o preenchimento de cargos que exigiam conhecimento jurídico, Juscelino buscou realizadores, preferindo a presença de engenheiros e pragmáticos. Isso exacerbou o ódio da UDN. Seus líderes eram, quase todos, bacharéis – com a notória exceção do jornalista Carlos Lacerda. O temor de perder seu poder na sociedade nacional se expressava no ódio contra a coligação PSD-PTB, aliança das classes médias urbanas com os trabalhadores e os empresários nacionalistas – a chamada burguesia nacional. Tratava-se de um movimento de forças modernizadoras. O bacharelismo delirante desses líderes mereceu de Afonso Arinos filho, então jovem diplomata - que rompera com Lacerda - a ferina observação de que “a UDN pensa que o povo come habeas corpus”. A UDN, que não podia confessar que combatia Juscelino por estar rompendo o poder das oligarquias, acusava, pela imprensa, o presidente de ser o “Pé de Valsa”, o corrupto e corruptor, o irresponsável construtor de Brasília, o esbanjador dos recursos públicos. 

Quando, enfim, os bacharéis mais reacionários ocuparam o poder com os militares, coube-lhes encontrar as fórmulas jurídicas para defender o estupro do Estado de Direito. Totalitários por sua natureza, Carlos Medeiros da Silva e Francisco Campos, antigo fundador da corporação fascista “Legião de Outubro”, e redator solitário da Constituição de 1937, redigiram o Ato Institucional, em que se valiam do argumento absoluto da força. Em sua visão do Direito, “a Revolução” (na verdade apenas um golpe militar clássico) se legitimava por si mesma, ou seja, pela sua vitória sem combate. Outros juristas, como Gama e Silva e Alfredo Buzaid dariam seu aval à Ditadura. Esses fatos servem para realçar a corajosa resistência democrática de tantos outros grandes advogados, alguns até mesmo de origem oligárquica, como Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva, perseguidos sistematicamente pelo Poder. A partir de certo momento, os advogados, em sua maioria, decidiram partir para a resistência. A bomba contra a OAB atesta essa bravura.

O “corrupto” Juscelino sofreu todas as perseguições conhecidas. Foi humilhado por um interrogatório movido por oficiais inferiores. Reproduzia-se, de alguma forma, o que pretenderam os golpistas contra Getúlio, ao instaurar Inquérito Policial Militar em uma dependência da Força Aérea: a fim de o interrogar, julgar e condenar o Presidente - também sob o pretexto da corrupção – com o aplauso da UDN dos bacharéis. Getúlio os venceu, ao denunciá-los em sua Carta Testamento e na corajosa decisão de deixar a vida. E tanto os venceu que seu sucessor, Juscelino, retomou seu Projeto Nacional.

Hoje, o cerco é contra o presidente Lula. A imprensa, de modo geral, se soma aos bacharéis da velha UDN, que trocou de nome, mas não de alma. O desvario da chamada “opinião publicada” chega aos limites da insânia: o Procurador Geral da República entrou no clima geral. Na realidade – e se trata também de um crime, que deve ser combatido – houve o uso de recursos do chamado “Caixa Dois”. Esse é um velho mal do sistema político brasileiro e de outros sistemas (o caso norte-americano é exemplar). Se formos andar para trás, chegaremos a Mauá e ao financiamento que sempre fez aos candidatos da Monarquia, da qual – não obstante seus conhecidos méritos – foi sócio privilegiado.

A oposição tem várias faces, e uma muito nítida, a de Tartufo. Se seus líderes, que dominam a maioria do Parlamento, estivessem interessados em moralizar o processo eleitoral, teriam proibido taxativamente o uso de “caixa-dois” e das doações clandestinas às campanhas e teria imposto um teto às doações registradas. Como no velho exemplo de Lampedusa, mudou-se tudo, para tudo continuar no mesmo. E para confirmar essa postura, o Senador Artur Virgílio reconhece (uma vez que os tucanos foram apanhados com o bico na gamela) que o uso do “caixa-dois” é corriqueiro nas campanhas eleitorais.

Mais uma vez – e vale voltar à Carta-Testamento de Vargas -, os golpistas se reúnem. Eles só admitem crescimento econômico para o próprio desfrute. Quando um governo começa a distribuir renda, como no sistema escandinavo, a fim de sustentar um tímido “welfare state”, como faz Lula com o “Bolsa-Família”, contra ele se reúnem bacharéis e banqueiros, políticos, jornalistas e inocentes úteis. 

A diferença é que, desta vez, não podem contar com os quartéis. Os militares se encontram vacinados contra a interferência no processo político, e se preocupam muito mais com a defesa da soberania nacional sobre o território brasileiro. Dessa forma, podem esquecer o apelo ao golpe, seja parlamentar, com o pretendido impeachment, seja por outros meios, como a infiltração de agentes provocadores nos movimentos populares, como já está ocorrendo.”


FONTE: escrito pelo jornalista Mauro Santayana. Transcrito no portal de Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/os-outros-nomes-da-udn-por-mauro-santayana). [Imagem do Google acrescentada por este blog ‘democracia&política’].

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