Por Emir Sader
Em primeiro lugar, porque a crise soviética não desembocou numa solução de esquerda – como esperavam os trotskistas e poderiam supor os social-democratas –, mas numa alternativa plenamente capitalista, de direita.
Em segundo lugar, porque trouxe com ela a desmoralização do socialismo, do Estado, da economia planificada, da política, dos partidos, das soluções coletivas, junto com a desqualificação da esquerda, do movimento sindical, do mundo do trabalho.
Alterou-se não apenas o cenário político, mas também o ideológico. Com a desaparição de alternativas, o liberalismo se impôs, carimbando seu sistema político como “a democracia”, a economia capitalista como “a economia”.
Mas a principal vitória ideológica do liberalismo renascido foi a desqualificação, como superado, de todo o ideário da esquerda, que até esse momento aparecia como a superação histórica do capitalismo. A desaparição da URSS era considerada como a negação de uma evolução histórica que levaria do capitalismo ao socialismo; surgia a teorização do fim da história, com a vitória do capitalismo e da democracia liberal.
Completou-se o quadro com a ruptura da aliança, na Europa, entre socialistas e comunistas, com aqueles aderindo ao neoliberalismo e estes ficando isolados e sem base importante de apoio popular. Na América Latina, o fenômeno similar foi a adesão dos nacionalismos (mexicano, argentino) e da social-democracia (chilena, venezuelana, brasileira) ao neoliberalismo.
No plano ideológico, a direita revigorou-se, assumindo a bandeira das “reformas” e da “modernização”, agora identificadas com o mercado e contra o Estado. A esquerda ficou na defensiva, como se tivesse deixado de representar o futuro da humanidade, para representar o passado. O capitalismo assumiu ares de dinamismo, de eficácia, de modernização, enquanto o socialismo e o Estado foram projetados como arcaicos, estagnantes, antidemocráticos.
O auge do modelo neoliberal passou, relativamente, logo, com a crise capitalista iniciada em 2008 se encarregou de terminar com o consenso das políticas econômicas neoliberais. Mas a ideologia que o acompanhou segue vigente: mercado, consumismo, soluções individuais, desqualificação da política – e, com ela, dos partidos, dos Estados e governos, dos parlamentos.
Ideologicamente, a esquerda segue na defensiva, porque não construiu uma interpretação contemporânea para disputar com a narrativa neoliberal. Mesmo os sucessos de governos latino-americanos não foram codificados em um modelo pós-neoliberal para difundi-los. O prestígio do Lula por todo o mundo revela o potencial de uma proposta dessa ordem, mas ela não foi formulada, ainda que verbalizada pelo Lula e pela Dilma.
Vivemos um período de transição, entre um modelo velho que teima em sobreviver – e conta com o monopólio mundial dos meios de comunicação para isso – e um mundo novo, com avanços reais, mas ainda sem capacidade de formulação e menos ainda de sua difusão.”
FONTE: escrito pelo cientista político Emir Sader no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=1225) [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
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