Usinas nucleares Angra
II e I
‘O BRASIL TEM UM PRÉ-SAL DE URÂNIO A
EXPLORAR’, DIZ NOVO PRESIDENTE DA INB
Com
309 mil toneladas do minério, país tem a sétima maior reserva do mundo. Para
Aquilino Senra, que está assumindo as “Indústrias Nucleares do Brasil” (INB),
há potencial para alcançar a primeira posição
Por Marcio Beck, do jornal “O Globo”
“O Brasil possui, atualmente,
segundo dados da ‘Agência Internacional de Energia Atômica’ (AIEA) a sétima
maior reserva de concentrado de urânio do mundo, de 309 mil toneladas.
Considerando as reservas ainda não exploradas, o país tem potencial para
alcançar a primeira posição desse ranking nos próximos anos, de acordo com o
novo presidente das “Indústrias Nucleares do Brasil” (INB), Aquilino Senra,
nomeado na semana passada.
Formado em Física na UERJ, Senra fez
mestrado e doutorado em Engenharia Nuclear na UFRJ, onde estava lotado como
vice-diretor da “Coordenação de Pós-Graduação em Engenharia” (COPPE) e é
considerado uma das principais autoridades do país no assunto. Para que o
Brasil avance, no entanto, ele diz que é necessário não só ampliar a extração
do minério, atualmente restrita à mina de Caetité, na Bahia, mas também as
outras etapas do processo de beneficiamento, até chegar ao combustível atômico
de fato.
— O Brasil tem um “pré-sal de urânio” por explorar, em termos de
potencial energético. Mas, assim como no pré-sal de petróleo, existe uma
diferença entre ter as reservas e elas serem de fato exploradas. Isso exige
recursos e tempo — pondera.
Segundo dados das INB, os
investimentos necessários até 2020 são de R$ 2,42 bilhões, sendo 64% (R$ 1,55
bilhões) destinados à fase do enriquecimento do material, ou seja, a separação
dos átomos de maior potencial energético (U235) dos átomos comuns da substância
(U238) por meio de centrífugas.
Por
que a mudança na diretoria das “Indústrias Nucleares do Brasil”?
A INB é uma empresa mista, vinculada
ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, e a mudança é normal. Em toda
e qualquer empresa se busca o aperfeiçoamento. Se houve outros motivos, não
sei. A diretoria é toda de técnicos especializados, “da casa”. O forasteiro sou
eu, mas tenho muito contato com o setor nuclear devido à minha formação.
Como
vê o quadro atual do setor no país?
Minério nós temos. O que precisamos
é alocar recursos para atender à demanda. Nós temos um pré-sal em termos de
riqueza energética com as reservas de urânio. Nesse quesito, o Brasil hoje está
atrás de Austrália, Cazaquistão, Rússia, África do Sul, Canadá e Estados
Unidos. Isso é o que tem prospectado. Mas, no caso do Brasil, apenas cerca de
25% do território nacional foi prospectado. A tendência é o Brasil ir para o
primeiro lugar dessa lista.
O
que precisa ser feito para isso?
Uma coisa é ter as reservas, outra
coisa é ser capaz de explorá-las. Com o petróleo é assim, e com o urânio não
será diferente. Tem o custo das obras em si, fora o licenciamento ambiental.
O
objetivo é abastecer apenas o mercado interno?
Os planos da China são de aumentar
sua capacidade de produção de energia nuclear de 7 gigawatts para 80 gigawatts
em dez anos. Isso vai demandar minério e serviços de beneficiamento de todo o
mundo. Só que o primeiro reator da Coreia do Sul, por exemplo, é “irmão gêmeo”
do reator de Angra 1. Hoje, eles lá têm 21 e nós ainda não terminamos o
terceiro.
O
Brasil ficou para trás?
O Brasil tinha uma política de
geração de energia com forte base nas hidrelétricas, que acabou sendo impactada
pela falta de reservatórios, com a construção das “usinas de fio d’água”. Houve
uma indefinição sobre qual seria o tamanho do programa nuclear brasileiro nas
décadas passadas, e não se fez os investimentos necessários. Hoje, a INB
importa os materiais para a construção de Angra 3.
Quais
serão as prioridades na INB?
É preciso definir, e isso é uma
discussão que tem que ser retomada com todo o setor e todos os níveis do
governo, o quanto de energia nuclear vai compor a matriz energética brasileira
(atualmente, a parcela é de 2,7%). Um
ponto fundamental no programa nuclear brasileiro é aumentar a produção do
minério de urânio. A extração não está sendo feita na dimensão que precisa. O
Brasil tem reservas de 309 mil toneladas de pasta de urânio (chamada de yellow cake, “bolo amarelo”, é um
processado do minério que precisa ser transformado em gás para a separação dos
isótopos mais “valiosos” energeticamente, depois reconvertida em pastilhas,
usadas então como combustível nas usinas nucleares).
E
o nível de consumo atual?
Angra 1 e Angra 2 consomem hoje o
equivalente a cerca de 400 toneladas por ano, que é a capacidade máxima da Mina
de Caetité, que tem reservas de 94 mil toneladas. É preciso ampliar Caetité
para 800 toneladas por ano e, ainda, começar a exploração da nova mina (de
Santa Quitéria, no Ceará), que tem mais 91 mil toneladas estimadas em reservas,
e adicionaria 400 toneladas por ano.
O
país precisa evoluir mais no processamento do urânio?
O acordo com a Alemanha, na década
de 1970, previa uma transferência de tecnologia que nunca se efetivou. Quanto à
tecnologia de enriquecimento, só nove países dominam. É coisa que não se vende
nem se transfere. E, dos nove que detêm a técnica de beneficiamento, apenas
três possuem reservas do minério e usam efetivamente a energia nuclear: Brasil, Estados Unidos e Rússia. O
Brasil precisa ainda ampliar as instalações para as etapas intermediárias do
processamento, da transformação da pasta de urânio nas pastilhas de
combustível. Mesmo assim, o país conseguiu construir seu programa nuclear, sem
alarde, diferentemente do Irã, por exemplo.
Mas
isso porque sinalizou o uso pacífico desde o início.
Exato. Esse uso pacífico virou até
artigo na Constituição de 1988. E o Brasil também foi rápido em assinar o “Tratado
de Não-Proliferação de Armas Nucleares”.
Além
da eletricidade, que aplicações práticas da energia nuclear têm se destacado?
Uma das principais é a produção dos
chamados radioisótopos, que hoje em
dia são fundamentais para cerca de 750 mil exames e procedimentos médicos por
ano. Antes, para identificar um problema coronariano, por exemplo, a pessoa era
submetida de imediato a um cateterismo, que é invasivo. Hoje, com os
radioisótopos, é possível verificar se há ou não necessidade do cateterismo.
Também são usados no tratamento de câncer. Antes, era uma fonte de cobalto, que
afetava outras áreas do corpo além da que se localizava o tumor. Os
radiosótopos minimizam os danos aos tecidos saudáveis dos pacientes.
Ainda
assim, o público continua a associar energia nuclear a bombas atômicas e
acidentes em usinas.
O lançamento das bombas de Nagasaki e
Hiroshima, na Segunda Guerra Mundial, se “colou” à imagem da energia nuclear.
Mas, atualmente, cerca de 16% de toda a eletricidade gerada no planeta tem
fonte nuclear. É a eletricidade usada por mais ou menos um bilhão de pessoas. É
a única forma de geração de energia que não emite gases estufa. Houve três
acidentes em usinas em toda história da energia nuclear: Three Mile Island
(EUA, 1979), Chernobyl (Rússia, 1986) e Fukushima (Japão, 2011). Os benefícios,
a meu ver, são claramente superiores aos riscos. Mas o acidente de Fukushima,
em 2011, decretou uma espécie de moratória na discussão dos projetos. Nomes
importantes do movimento ambiental, como Patrick Moore (fundador do Greenpeace)
e James Lovelock (do Gaia Theory) vinham revisando seus conceitos sobre a
energia nuclear, mas aquelas imagens chocantes reapareceram.
E
quanto ao lixo radioativo?
O depósito desses rejeitos requer
uma preocupação especial, sem dúvida. Os ambientalistas têm se posicionado
sobre o significado de um legado desses para gerações futuras. E têm que se
posicionar mesmo. Não só quanto a essas, mas quanto a outras questões. Mas
existem soluções técnicas. O físico Carlo Rubia, vencedor do prêmio Nobel,
propôs um processo que reduz o tempo de atividade deste material de milhares de
anos para 200 anos. Nomes importantes do movimento
Mesmo
assim, são 200 anos...
Ainda parece muito, e é, mas
trata-se de um prazo mais manejável, em uma perspectiva de longo prazo.”
FONTE: reportagem de Marcio Beck, do jornal “O Globo”. Transcrita no portal
de Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/brasil-tem-pre-sal-de-uranio-diz-presidente-da-inb) [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
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