“Quando, há um ano e meio, o Banco Central iniciou o
cuidadoso procedimento de redução da taxa de juros, abriu-se um espaço para a
multiplicação de análises interessadas em atacar a política. A expectativa era
produzir um nível de descrédito capaz de interromper o processo.
Por Delfim Netto
Por Delfim Netto
Basicamente, as análises favoráveis à manutenção dos altos juros pretendiam convencer a sociedade de que sem eles seria impossível controlar a inflação.
O governo insistiu, contudo, na política de trazer o juro o mais próximo possível dos níveis internacionais, por entender ter esse um espectro de influência sobre o sistema econômico que transcende seu papel de estabilizar a inflação. Manter um juro real baixo é fundamental para estimular a retomada dos investimentos privados. E um fator decisivo para aumentar a capacidade do investimento público nos empreendimentos vitais para a solução dos gargalos logísticos na infraestrutura.
Está mais do que evidente, hoje, que a estratégia do Banco Central foi correta ao manter a prioridade da política de queda dos juros. Durante um longo período, houve uma espécie de cabo de guerra entre o setor financeiro [e a mídia] e o governo, finalmente vencido por este. A discussão ameaça recomeçar, com a iniciativa de analistas do setor financeiro a prever a alta da taxa Selic para 8,5% até o fim de 2013, o mais tardar no primeiro trimestre de 2014.
Projeções dessa ordem têm pouco valor. É muito difícil fazer previsões dessa natureza por um período superior a um trimestre, ou dois, no máximo. Num primeiro trimestre, você tem alguma condição de acertar; num segundo, a névoa cresce; e num terceiro, é noite pura. Estamos a ver apostas avançando quatro ou cinco trimestres. É tudo torcida! Elas apenas se inserem nessa pobre discussão que tomou conta do Brasil a respeito da necessidade de aumentar a taxa de juros. Novamente, um cabo de guerra entre o setor financeiro e o governo, o primeiro tentando convencer a sociedade de que a taxa real de juros do Brasil está muito baixa, que a inflação está muito alta e que, portanto, só a elevação da SELIC produziria o efeito de contê-la.
A inflação brasileira, claramente, tem causas estruturais muito mais complexas do que aquelas passíveis de ser corrigidas simplesmente com a elevação da taxa de juros. Acontece que muitas pessoas não querem discutir as causas reais, preferem aceitar que existem soluções simples como a defendida pelos sacerdotes do sistema financeiro: se subiu a taxa de inflação, basta elevar a taxa SELIC e esperar que esse movimento produza o efeito desejado: o aumento do juro real colocará a inflação nos eixos. O Brasil, à custa de muito sofrimento, já entendeu ser isso absolutamente falso.
Hoje, é preciso enxergar a desestruturação de nosso mercado de trabalho. Houve uma verdadeira revolução, quando se atingiu um nível de emprego bastante alto em meio a estímulos a aumentos de salários mínimos, cujo objetivo era melhorar a distribuição de renda (o que foi atingido), mas que se mostraram incompatíveis com o equilíbrio monetário. Agora, se trata de balancear esses efeitos: não é possível imaginar que bastaria elevar a taxa de juros para controlar a inflação e fazer o Brasil caminhar para o seu nível de atividade normal.
Há aparente conformismo com o baixo crescimento da economia brasileira. Para reencontrar o nível de atividade “normal” (crescimento mínimo anual do PIB de 4% a 5%, sustentável, com “viés de alta”) temos de aprofundar as mudanças na direção perseguida pela presidenta Dilma. Seu governo tem enfrentado graves problemas estruturais do País, como o da redução do custo da energia e da taxa de juros real, a batalha dos portos e a enormidade do estrangulamento logístico na infraestrutura de transportes, apanhando aqui, avançando mais adiante, com um saldo inquestionavelmente positivo.
Não é um governo contemplativo, mas um que luta nos campos estrutural e institucional à procura de melhorar a qualidade do mercado de trabalho, formulando um projeto de livre negociação dentro da empresa.
Todos esses são problemas fundamentais. Não significa que a questão dos juros não seja importante, ela produz seus efeitos. É preciso deixar claro, contudo: a vida não se esgota na SELIC e o mundo não acaba nem começa na taxa de juros…"
FONTE: escrito por Delfim Netto, economista formado pela USP e professor de Economia; foi ministro de Estado e deputado federal. Artigo transcrito no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=209602&id_secao=2). [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
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